sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Prefácio - Sobre a Transcencência do Silêncio

Intrigante e desafiador o título do livro, uma anunciação clara do maior inimigo dos poetas estes cavaleiros andantes do espírito humano. Porque, Sobre a Transcendência do Silêncio, remete a mais emblemática conclusão da Filosofia do século XX, quase repete a afirmação final do Tractatus Logico-Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein: “O que não se pode falar, deve-se calar.” Entretanto está recomendação é inaceitável para a Poesia verdadeira, porque o poeta pode, e deve, falar de tudo.

A imagem subjacente que acompanha a leitura dos poemas de Nathan Souza (NS) é de um cordão mágico, vibrátil, vital e sem-fim, que se desenrola, impetuosamente, tentando enlaçar e amarrar o sentido das coisas. Como um caudaloso rio de planície; como uma trajetória de navegação de um viajante audacioso; como o fio de Ariadne que avança com destemor para dentro do labirinto.

Rio, mapa de navegação e fio de Ariadne são três metáforas intercambiáveis, porém complementares; em cada uma delas é igualmente importante, tanto a tessitura da rota-cordão, quando a geografia por onde ele se desenrola.

Como um rio sinuoso a Poesia de NS inventa curvas elegantes e inesperadas para visitar, conhecer e dar notícia de cada habitante escondido na floresta. Como a torrente, que carrega o sal da terra, seus versos absolvem todos os pecados, compartilham todas as maravilhas e realizam em todos os milagres.

Sua Poesia também é um barco a vela que navega, impelido pelo vento da curiosidade, pela cartografia das ‘pequenas ilhas afetivas de fantasia’, que C. G. Jung mapeou no inconsciente coletivo da humanidade, onde residem as fadas, os príncipes encantados, os monstros, e onde moram as soluções de todos os mistérios do coração e da alma.

Sobretudo, a Poesia de NS é como um fio de Ariadne que o poeta vai fiando à medida que avança. Cada nó se transforma num poema, num sinal. Um cordão de tessitura cambiante, às vezes de algodão de fibra longa, para garantir coesão da inspiração e da lógica; às vezes de fios de ouro por causa do brilho e da riqueza das figuras de linguagem; às vezes de seda colorida e fantasiosa, repleto de referências imediatas e imemoriais.

Segundo Ezra Pound, no livro ABC da Literatura, “...literatura [Poesia] é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível...” E existem três formas de sobrecarregar a linguagem de significado: a fanopéia – poesia de imagens; a melopéia – poesia de sons; e a logopéia – poesia de ideias.

A fibra escolhida para o cordão de Nathan parece ser a logopéia, a mesma trama rija selecionada por Drummond, Jorge de Lima, João Cabral e Ricardo Reis (o heterônimo exilado de Pessoa).

Não são as rimas ricas, nem as sonoridades sibilantes; nem as imagens profusas que assaltam NS, o que lhe assedia são ideias e ‘sentimentos pensados’. O Poeta não é arrastado pela irresistível atração da exaltação da vida; nem compelido pelas reminiscências e lembranças; o que o impulsiona é a exploração dos sentimentos, camuflados no prosaico, no dia a dia, e mimetizados no óbvio.

A busca dos significados da existência, a tentativa de decifração dos mistérios da vida, pulula na Poesia de NS, existem incontáveis exemplos.

No poema Espera, ele procura compreender a faculdade do entendimento, aquela que cuida das ideias e dos sentimentos racionalizados:

“(o todo inconsciente
que a tudo
exige compreensão
já que o entendimento
nunca foi um dom
exclusivo
da razão).”

Em Resquício aparece novamente a procura do ferramental para racionalização do discurso:

“da língua de amolar
minha palavra
ancestral.”

São acertadas estas práticas de interrogação permanente sobre a gênese e os fundamentos do significado das palavras e sentimentos, porque ficar em silêncio não é uma solução conveniente para o praticante de Poesia - a mais vã e sutil das artes - que têm como matéria e desafio a palavra, a elaboração de um discurso significativo.

Por isso é imprescindível meditar Sobre a Transcendência do Silêncio e prestar atenção no que NS tem a dizer acerca deste assunto.

Nathan Souza, Sobre a Transcendência do Silêncio, Belém-PA, Editora LiteraCidade, 2014(www.literacidade.com.br)

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