segunda-feira, 16 de março de 2015

GALOS DE CAMPANÁRIOS

Poema publicado num jornal xerocado chamado Exegese do Òbvio, Nome de um poema do meu primeiro livro, uma coletânea: Sol Na Garganta (clique>>>)

Parece que em Abril de 1973, mais de quarenta anos atrás, outra pessoa assinava seus poemas com meu nome. Um jovem poeta meio nietzscheniamo e temente a Deus, atento leitor de ‘Assim Falou Zaratustra.’

Á medida de caminhamos vamos deixando nossos outros para traz. Alguns poemas, algumas paixões, algumas convicções políticas, artísticas e morais ficam abandonados no passado como peles de cobras, precisam ser trocadas porque o novo corpo não cabe mais dentro das antigas medidas.





GALOS DE CAMPANÁRIOS   
'Fez-se a noite, e sobre o solitário
soprou o vendo frio.'
(Nietzsche)
I
      
Os cata-ventos giram
e o vento se imiscui
entre o silêncio e a espera.
É áspero e rascante
o silêncio friccionado.

Quando o silêncio é tangido
a cadência do ruído
rouba seu poder e mistério.
Torna-se um meio silêncio.

Silêncio total
é morte e desolação.
Mas o meio silêncio
é solidão.
Solidão eterna
sem remissão,
sem saudade,
sem esperança.

Enquanto houver alento
haverá algo, alguém, um objetivo,
um pensamento, um consolo.
Mas solidão sem esperança
é uma faca fria no peito,
é sentir Deus morto.

Solidão sem esperança
transcende Deus,
nem Ele próprio quis senti-la,
por isso criou o homem
e criou o vento.
É o vento quem carrega a solidão.
  
II
  
A solidão reside nos cata-ventos,
junto aos galos de campanário,
aves avessas e abandonadas.
Apenas de vez em quando
recebem a visita
de limpadores de chaminés,
pipas desgarradas,
corvos de Poe
e os pássaros de Hitchcock.

Nunca um galo de campanário
é reluzente e brilhante;
sempre pardo, cinzento.
São postos no alto
das cidades brancas
e ficam esquecidos
(menos das fotografias),
visitados por todos os ventos
e todas as solidões.

Quanto os cata-ventos
giram e gemem
é porque a solidão chegou;
então a corda rouca
do silêncio é tangida
e tudo mais emudece.

Se é noite,
as pessoas despertam fantasmas
e sonhos embalsamados:
moças casadoiras
invocam príncipes encantados;
loucos, por instantes,
recuperam a oca lucidez.
Gatos vadios eriçam os pelos
e cruzam os telhados molhados;
bêbados bebem mais um trago;
poetas fumam mais um cigarro
e descolam da alma outro poema.
Quietos e ensimesmados
todos lutam contra a langor
do silencio friccionado.
  
III
   
Ha também homens
de quem a solidão não se aparta:
são os profetas e anacoretas
(e loucos, mas estes não sabem),
que residem nos topos das colinas
em grutas e cabanas
sopradas a noite pelo vento,
aliás solidão.

E sofrem tanto
que Deus tem pena,
e lhes outorga o bênção
de compartilhar Seus sonhos.
Mas se a solidão persiste
então o diabo surge
e o medo espanta a solidão.
O medo pressupõe algo, outro,
enquanto a solidão
é a certeza do nada.

Mas para alguns,
como os galos de campanário
não ha Deus nem diabo,
apenas a solidão.  
                                    16/04/73

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