quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os Clássicos – Borges Pessoa Machado

Jorge Luis Borges, num pequeno artigo, ‘Sobre los Clásicos’, o último do livro ‘Otras Inquisiciones’, afirma que cada país ou cultura elege uma obra de referência para representar aquela nação ou povo. Então passa a lê-la como se fosse uma criação supranatural, uma revelação. Acreditando que cada frase, cada palavra tem um significado especial, capaz de dizer muito mais do que seu contexto ou seu registro no dicionário.

Também
avança que um livro se torna um clássico não pelas suas qualidades literárias intrínsecas, mas pela reverência com que é lido e cultuado por um determinado povo.

Numa série de conversas radiofônicas em 1984 (Borges em Diálogos / Rocco) pondera que o livro escolhido acaba enformando o espírito da nação. Divaga que o clássico adotado pelos argentinos para inspirá-los foi ‘Martin Fierro’, de Hernández, um poema gauchesco que conta a historia de “um desertor, um malvado, um assassino sentimental”. Para o país, talvez, uma melhor opção teria sido adotar ‘Facundo: Civilización i Barbárie’, de Sarmiento, que valoriza a ideal de civilidade e democracia.

É produtivo pensar pela chave proposta por Borges, correlacionando o clássico nacional e o espírito do país.

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Tomando Portugal, o grande clássico lusitano sempre foi 'Os Lusíadas’, a saga de um povo orgulhoso, exíguo, navegante e conquistador. Porém, parece que está sendo substituído pelos versos de Fernando Pessoa. Um poeta plural, de vozes diversas e variados pontos de vista. Um autor cosmopolita, com uma obra inacabada, não publicada em vida, que ainda hoje esta sendo descoberta e consolidada.

Quem sabe Portugal esteja migrando para Fernando Pessoa porque se vê como uma nação em reconstrução.

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O clássico que o Brasil consagrou como guia foi Machado de Assis, mais precisamente seus cinco grandes romances, os últimos que escreveu. E entre eles, especialmente, ’Dom Casmurro’.

Estranha seleção, porque o autor é um mulato que emula e defende os valores da alta classe média. Estoico, resignado, fatalista, irônico e desapaixonado. Que rejeita terminantemente a paternidade, para evitar deixar as mazelas humanas como herança para seus descendentes. Seu principal livro fala de uma relação naufragada por causa de um mistério ocluso, nebuloso e indecidido.

No livro ‘Ao Vencedor as Batatas’ de Roberto Schartz, um especialista em Machado de Assis, um dos principais capítulos chama-se: ‘Ideias Fora de Lugar’. Um título inquietante, cheio de augúrios e premonições.

Tem aparecido novos candidatos ao posto de clássico nacional: ‘Macunaíma’  o herói sem nenhum caráter, ‘Grande Sertão: Veredas’  a narrativa de um amor ambíguo, ou, quem sabe, Drummond?

É interessante pensar aonde cada um desses livros levaria o Brasil.


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