quinta-feira, 24 de novembro de 2016

PIRATEANDO 2001 – Uma Odisseia Nerd


A primeira vez que assistimos 2001 foi logo depois da estreia em S. Paulo, no Cine Comodoro, no infindável ano de 68. Éramos um grupo pré nerds, porque, como este termo bacana não tinha circulação ampla, o pessoal ainda nos chamava de CDFs ou babacas mesmo.

Quando acabou a sessão ficamos iguais aquele osso girando no espaço, encalacrados na maior elipse de tempo da História do Cinema Mundial, sem entender nada, perdidos no vácuo interplanetário e epistemológico, incapazes de completar a transição para acoplamento na estação espacial.

Naquele tempo era possível, por isso permanecemos sentados e pasmos no mesmo lugar esperando a nova sessão do enigma recomeçar. Congelada na cabeça, estava a última imagem da tela, um feto querendo voltar para o cálido conforto do ventre materno. Abobados mergulhamos na próxima exibição.

De nada adiantou ver de novo, as dúvidas se multiplicavam exponencialmente.
Tácitos, por unanimidade, concordamos que o único caminho era ler tudo sobre aquela odisseia e voltar a rever a fita, quantas vezes fosse necessário, até entende-la.

Na longa escuridão pré internética – para um bando de CDFs suburbanos – era difícil conseguir informações sobre 2001. A missão, diferente de uma pesquisa no Google, parecia mais arqueologia, era preciso cavoucar muito. Cada achado, qualquer informação desenterrada dos jornais ou revistas era compartilhada, avaliada e amplamente discutida antes de ser encaixada naquele universo em perene distorção. Para piorar, Kubrick e Clarke insistiam que não queriam dar explicações, buscavam o assombro.

Por sorte, rever o filme era fácil e factível, frequentemente voltava à cena. Assim, até o fim dos 70, assistimos 21 vezes a película, sempre o grupo inteiro. Depois vinham as reuniões, vastas discussões que duravam semanas, se esticando até a próxima reprise. Formávamos uma irmandade devota e perdida, sequiosa por iluminação. Nosso desejo secreto sempre foi ter uma cópia da obra prima, mas isso era impossível, nem o VHS existia.

Não possuíamos nem mesmo a trilha sonora. Mas Eduja era proprietário de um parrudo gravador de rolo Akai, em cima dele elucubramos nosso plano de ação, armamos nossa demanda do Santo Graal. O Cine Rio, no Conjunto Nacional, estava programando uma apresentação especial para depois da meia noite, e nós conhecíamos o lanterninha. Rubão tomava conosco o primeiro ônibus da madrugada, depois da passar a noite em claro.

No dia aprazado levamos o imenso aparelho para a plateia, dentro de uma mala enorme. Quase sempre a ocupação da sala era rarefeita, conveniente para que o esperando milagre acontecesse. Com ajuda no nosso amigo ligamos o gravador perto do alto falante e registramos o áudio do filme inteiro.

Durante muito tempo foi o nosso troféu, copiamos em cassete e ouvíamos em repeat mode, decorando os parcos diálogos. Para os mais chegados vendíamos cópias, apesar da qualidade de som horripilante.

Contudo a vida é dura e as vitórias transitórias, poucos meses depois saiu a trilha sonora num belíssimo e cuidado LP. De bom só nos sobrou a memória da atarantada aventura.

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