domingo, 28 de agosto de 2016

OS LIVROS QUE NOS PROCURAM


Houve um tempo que no Beco do Pinto, um lugar magicado, antigo e discreto – aquele do lado da Casa da Marquesa de Santos – se realizava uma Feira de Livros Usados e Novos. Era às quintas feiras, pequena, de poucas bancas e quase ignorada. De vez em quando almoçava no Piero (o antigo, no N. 98) e entrava para ver as ofertas. 

Parecia genial acontecer uma feira de livros exatamente naquela ruela seiscentista. Um dia encontrei uma oferta extraordinária numa das barracas:


O LIVRO DOS CANTARES – SHE KENG
Tradução Portuguesa – Joaquim A. Guerra, S.J.
Jesuítas Portugueses – Macau / 1979


Um livro massudo, 7,5 centímetros de altura, 1254 folhas.  Simples, elegante, sóbrio, porém muito bem planejado editorialmente. Páginas espelhadas: no lado esquerdo duas colunas, uma em chinês cursivo, alfabeto latino, outra em ideogramas; do lado direito a tradução cuidada e contida. Índices e indicações fartas, completas e pródigas. O único exagero – quase um pecado perdoado de luxúria – era a sobrecapa: belíssima, de delicada gravura silvestre chinesa.


terça-feira, 9 de agosto de 2016

A Casa e o Caso de Alfredo Volpi


Nesta casa padrão, comum e camuflada – Rua Gama Cerqueira, 154 / Cambuci - Alfredo Volpi morou, quase a vida toda. Para alguns um dos maiores pintores brasileiros. Durante muitos anos foi seu atelier, de lá saíram milhares de obras primas (entre 3 a 5 mil). Hoje imensamente valorizadas. Entretanto nenhuma placa homenageia um dos mais ilustres, importantes e fies moradores do bairro.

Muitos críticos, prêmios e estudos têm destacado e consagrado o ítalo-paulistano como o mais criativo e revolucionário pintor nacional. Na Bienal de 1953/54, aquela que exibiu Guernica por meses (um raríssimo privilégio mundial) e mudou a geografia da Arte no Brasil, a indicação de melhor artista foi dividida entre Volpi e Di Cavalcanti.

Existe uma história neste ‘empate’. Na contagem inicial a votação apontou 8 a 1 para Di Cavalcante, Contudo e entretanto o solitário voto contrário era de Herbert Read – a sumidade internacional especialmente convidada. Então a eleição (previamente combinada, conforme especula Décio Pignatari), teve que ser reformada para um empate. Os 'modernistas' nunca engoliram direito esta nova matemática.

Curioso e previsível o percurso de Volpi. Começou como pintor de parede e decorador das mansões paulistas. Em 1912 cometeu suas primeiras telas; em 1940 integrou o Grupo Santa Helena; só em 1953/54, quando premiado pela 2ª Bienal, virou figura nacional.

No princípio era um paisagista naïf, pintou marinhas, casarios, fachadas e barcos. No meio disso eclodiram as bandeirinhas, que viraram sua marca registrada. Através delas tornou-se um mestre colorista e um refinado abstrato e parônimo.

Coincidência intrigante, as bandeirinhas são contemporâneas da Copa do Mundo, Bossa Nova e Cinema Novo. Nosso apogeu estético e cultural mundial. O milagre que permitiu ao Brasil ousar de um jeito diferente e inesperado, inventando fórmulas inusitadas, de resolver as eternas e inextrincáveis equações da Arte e do Esporte.

Contudo o ‘ingênuo’ Volpi foi muito mais além na ousadia, surfando na onda da guerra fria inventou a sofisticada e engajada série ‘Ogivas’, que dialoga com a possibilidade do colapso atômico, o perigo do Armagedom. Ou seja, pensou no mesmo horizonte de eventos dos outros grandes movimentos artísticos mundiais da época.

Uma exposição acontecida em Londres em junho/julho 2016 – no viés de novas reavaliações – questionou se Volpi seria mesmo ‘naÏf’. Interessantes tempos, talvez a fama do pintor cresça ainda mais no futuro, numa rota alterada e amplificada. Deixando para trás as chaves e avaliações da Semana de 22.


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7 MESTRES BRASILEIROS - ALFREDO VOLPI