terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Painel de Azulejos do Largo da Memória

O ‘Obelisco do Piques’, ou ‘Pirâmide do Piques’ – nosso mais antigo monumento – é um nó cego no meio da cidade de S. Paulo. Construído ainda no reinado de D. João VI, antes da independência, permanece repleto de enigmas, lendas e histórias. Ninguém sabe direito porque foi erigido e o que homenageia. Já especulei sobre este mistério em 2014, quando o monumento fez duzentos anos (clique e veja). 
Todo mundo conhece o lugar, passam por lá alheios, apressados e sem prestar muita atenção num item curioso e esquecido que compõe este complexo e precisa ser ressaltado:
 ||  o painel de azulejos, que envelhece e se empana na sombra da figueira centenária.  ||

Vamos examiná-lo de perto através de fotografias e ampliações de detalhes. As imagens do painel evocam a própria Ladeira do Piques nos seus dias de glória. Aliás, revisitar era uma boa mania do seu autor Wasth Rodrigues. Por causa dele guardamos muitas imagens raras da S. Paula que o progresso transformou.
O 'Largo do Piques' sempre foi um dos portais de S. Paulo, por ele os Bandeirantes saíram para inventar e inventariar o Brasil.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

7 PARCERIAS PARÔNIMAS

Variações sobre sete sonetos
irrequietos e inusitados,
de sete poetas lusófonos  


José André Lôpes Gonçâlez é um poeta enorme da Galícia, tradutor e musicólogo, além de outras incontáveis competências. E sabe que a vida é uma aventura curta, cujo desfecho todo mundo conhece.
Já podes dormir coração cansado (José André Lôpes Gonçâlez) 

Vinicius de Morais tinha razão, o tempo do amor é diferente, sempre nfinito, embora tenha começo, meio e fim. No passado é lembrança, no futuro é desejo. Antes de chegar é inimaginável. Enquanto dura é inexplicável e depois que passa é inesquecível. Talvez seja a única forma de duas almas se tocarem.
Soneto da Fidelidade (Vinicius de Morais)

Paulo Bonfim é um dos grandes poetas paulistas – ainda vivo – que reflete e traduz os desejos e dívidas, desafios e incertezas que pontuam a transformação de S. Paulo, de uma pequena cidade (60 mil habitantes) na maior megalópole do hemisfério sul. Seus poemas falam, sobretudo, de saudades.
Os dias mortos, sim, onde enterrá-los? (Paulo Bonfim)

Seria ainda Poesia o que Augusto dos Anjos fazia? Ou mero exercício ácido de ironia quando preferia usar palavras raras para expor os limites e carências que Língua escondia? Mostrar as feridas e falências da Língua com termos que a Língua mesmo repudia?
Rugia nos  meus centros cerebrais (Augusto  dos Anjos)

Conforme poetou Camões, Jacó esperou sete anos para ter a bela Raquel, que lhe deu dois filhos e depois morreu. Porém com Lia, de olhos de ressaca, paciente, carinhosa e disponível, gerou sete filhos.
Sete anos de pastor Jacó servia (Luís de Camões)

‘Ora (direis) ouvir estrelas!’, certamente é um dos mais conhecidos sonetos brasileiros. O assunto é inesperado e provocador. Incentiva a ir atrás do devaneio e do sonho. Do inalcançável que está sempre mais próximo de quem tiver 'ouvido capaz de ouvir'. 
Ora (direis) ouvir estrelas! (Olavo Bilac)


Jorge de Lima – que quase ganhou o Nobel – era visitado por uma vaca com uma estrela na fronte, transfiguração de sua ama-de-leite.
Mas deve haver ainda outra vaca na Via Láctea, de úberes fartos, de onde tudo, a poeira estelar, as nebulosas e a massa escura, é ordenhado.
A garupa da vaca era palustre e bela (Jorge de Lima)

>>>

VARIAÇÕES:

Minha homenagem a Thanos (Vingadores: Guerra Infinita)

Há muito a digerir e regurgitar

Saudades de Rachael

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Deise, Dóris e Dalva

Quem primeiro viu Dalva parada e perdida na esquina foi Dóris. Olhou, virou a cabeça para ver melhor e latiu abobalhada. Alertada, Deise foi até a janela, sexto andar, e viu uma mulher, atarantada e assustada, olhando para cima e para todos os lados. O farol mudou duas vezes e a moça não saiu do lugar.

Os problemas de Deise naquele dia estavam na sua agenda superlotada de compromissos. Precisava fazer um monte de ligações, dar um jeito na casa, levar Dóris para passear e passar pelo consultório. Não havia conseguido desmarcar várias consultas. Ficar sem empregada era como nadar num tsumane prologado.

Uns 20 minutos depois Dóris voltou a latir assanhada e esganiçada. Deise, de novo, foi até a janela. A mulher continuava no mesmo lugar olhando as ruas e os prédios, aflita e desamparada.

“O que esta acontecendo com aquela coitada?”

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Carta de Ricardo Reis para Mário de Andrade


Rio de Janeiro, 10 de Dezembro 1935

Querido Mário de Andrade:

No começo de nossa amizade, em 1921, firmamos um ‘pacto pagão’. Combinamos que nossas conversas seriam sempre face a face, francas e livres. Sem segredos nem discussões religiosas, políticas ou morais. Penso que fui eu a propor o acordo porque tenho a cabeça panda de incoerências. Sobre Religião coleciono certezas absolutas, sobre Política (como monarquista ou sebastianista sem rei) não sei me explicar direito e ainda estou inventando uma moral para caber dentro dela.

Concordamos, acima de tudo, em não trocar correspondências. As cartas são como fotografias, tentam deter o rio de Heráclito. E as relações humanas são dinâmicas, repletas de nuances, até as lembranças são falazes e enganosas. Sempre é melhor conversar, viver o momento e falar da cor real de cada coisa. Sei que és um missivista compulsivo e que nossos encontros são esparsos, mas calculo que a decisão foi acertada.

Estou quebrando a regra acordada porque fui te procurar em S. Paulo e não encontrei. Sabes que, no Brasil, és meu mais próximo e confiável amigo. Era imperativo te falar sobre as estranhezas que aconteceram comigo duas semanas atrás.

Todas as tribulações começaram num espelho, no fundo de um corredor numa quinta no Cosme Velho.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

ELIS REGINA, SEM MAIS NADA


A mais certa das certezas é que o publico do show Falso Brilhante de Elis Regina cresce continuamente. Sempre que pergunto para alguém se assistiu o show mítico, respondem: “Claro, eu estava lá.” Inclusive os mais jovens, que nasceram depois de 1977.

Bom, ‘claro, [eu também] estava lá’. E por duas vezes. Mas a historia curiosa aconteceu na primeira, em 1976.

Meu amigo Marcião era mitômano, embusteiro e imprevisível, mas, apesar de tudo, boa gente. Assistiu ao show quase na estreia e voltou com uma dica sigilosa e excitante. Das cocheiras, dizia, porque gostava de apostar em cavalos.

Era no Teatro Bandeirantes, Avenida Brigadeiro Luiz Antonio. Lá, de um conjunto de 12 ou 15 lugares,

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

'Aura' e Aberração do BBB


Quem se detém defronte os quadros mais famosos da História da Pintura Ocidental, como Guernica de Picasso e As Meninas de Velasquez, sente e entende a 'aura', aquele perpétuo crepitar da inteligência e êxtase de que fala Walter Benjamin

As duas telas são largamente conhecidas e infinitamente reproduzidas (em livros e na Internet). Também é fácil encontrar todo tipo de fotos e ampliações de detalhes e peculiaridades publicadas. Contudo, nada disso se compara com o sentimento de deslumbramento, encantamento e reverência de estar diante dos originais.

Talvez pela fama, talvez pelo tamanho (Guernica 3,5 x 7,8 m e As Meninas 3,2 x 2,8 m), talvez pela fortuna crítica, mas, de uma forma ou doutra, a ‘aura’ da Arte – ou algo mais – a experiência de conhecer esses quadros célebres de perto é completamente diferente de ver cópias ou fotografias.

Guernica e As Meninas impressionam pela grandiosidade. Vêm-se coisas,

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O Último Concerto (A Late Quartet)


Tudo depois deste parágrafo é suspeito e exagerado, porque sou adicto de Quartetos de Cordas.

Assisti ao filme O Último Concerto (A Late Quartet),  que mostra as turbulências – artísticas e pessoais – de um conjunto de Música de Câmara, o ‘Quarteto de Cordas Fugue’, quando um de seus membros, o cellista, contrai Parkinson.

‘Quarteto de Cordas’ é um nome propenso a confusão, tanto pode se referir à forma musical, quanto ao conjunto que a executa. Em todo caso, o titulo original do filme é bonito e sutil, lembra os ‘Late Quartets’ de Beethoven, os quatro quartetos tardios, os últimos compostos pelo alemão, considerados o apogeu dessa modalidade musical.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Coletânea Grande Baile do Castelo Literário

Foram publicados seis poemas meus no livro ‘Coletânea Grande Baile do Castelo Literário’, publicado pela Editora Bookess. São 20 participantes, excelentes poetas, colaboradores regulares do Grupo do Facebook ‘Castelo Literário’, dedicado à Literatura.
Esta disponível como ebook ou edição impressa no site da Editora
Clique >>> http://www.bookess.com




sexta-feira, 4 de setembro de 2015

MOLHO DE TOMATE COM BANANAS

Desde criança molho para macarrão é o componente culinário que mais me intriga e desafia. Quando visitava minhas tias maternas (seis), além da fome de garoto, a principal motivação era apreciar a versão particular de cada uma delas para este componente.

Minha avó, Dona Catarina Rossi, deve ter ensinado a mesma receita para todas as filhas, porém cada uma – com salutar rebeldia – desenvolveu uma maneira diferente de obedecer à nona.  

Tia Maria se atinha às carnes, preparadas à parte, antes de entrar na orgia da panela.

Tia Francisca cuidava dos tomates, cozidos e despelados manualmente antes da confraternização geral.

Dina, a tia mais séria, cuidava dos temperos, ervas cultivadas na horta do fundo da casa, porém usados como penitência, com parcimônia e comedimento.

Tia Onofra, homenagem ao santo beberrão, era ousada e audaciosa, em seus molhos apareciam coisas que nunca havia comido antes. Acho que vêm desta irmã caçula minhas infrações culinárias.

Na Colômbia cansei de comer banana: ‘patacon’ o tempo todo. Então, durante as excursões, talvez influência peri-espiritual de minha tia Onofra, me ocorreu que nunca tinha experimentado molho de tomate com sabor banana. Voltei para casa determinado, resolvi avassalar.

Gosto de transgredir nos meus molhos – preparo vários inspirados em minhas tias. Pensei muito antes de ir para a cozinha, decidi preparar um combinado de carne moída, berinjela e alcaparras. Com temperos exagerados, impensáveis para minha tia Dina. A banana entrou no fim  como a tia Onofra que chegou temporã  semi-verdes, em rodelas, quinze minutos de cozimento, esmagadas com a colher nas paredes da panela.

Ficou ótimo, muito além dos meus mais otimistas prognósticos, comi dois pratos cheios, com meia garrafa de vinho. O que me sobrecarregou com o compromisso de ser rigoroso no jantar.


Vou treinar mais duas vezes antes de convidar meus queridos amigos glutões.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Cláudio Pastro - Basílica de Aparecida


Participei de uma visita guiada pela Basílica de Aparecida, o condutor era Cláudio Pastro, nas últimas décadas responsável pela decoração e ambientação do imponente monumento religioso do Vale do Paraíba. O mais concorrido santuário no Brasil.

Claudio Pastro (1948/2016) – para alguns o Michelangelo Brasileiro - é considerado um dos maiores artistas plásticos do Brasil e do mundo. Especializado em Arte Sacra, foi o responsável pela concepção e coordenação do acabamento artístico do templo colossal dedicado a Nossa Senhora Aparecida. Também, a pedido do Papa, criou uma escultura dedicada a virgem instalada nos jardins internos do Vaticano.


O paulista genial trabalhou em Aparecida muito tempo, muitos papas. As grandes catedrais levam séculos para ficarem prontas e convocam muitas mãos para ajudar. Claudio Pastro ajudou a edificar uma das mais bonitas e mais 'agraciadas' do hemisfério sul.

A relação de suas obras é vasta e estrelada, só tem maravilhas. Basta ver no Google para confirmar e se espantar. Quem visitar o Pátio do Colégio de S.Paulo – onde o artista assistia missas – poderá conhecer melhor sua arte, foi o escolhido para promover a última reforma da Capela.

Gostei muito de uma fala do artista durante o passeio monitorado. Lembrou aquela antiga historinha edificante.

   Um frade pergunta para dois trabalhadores de um templo:
   “– O que estão fazendo?”
   “– Cortando pedra.” Responde o primeiro distraído.
   O segundo olha para o céu e fala emocionado: “– Construindo uma catedral.”

Claudio Pastro também olhava para o teto da Basílica enquanto anunciava sua perspectiva de trabalho.

   “Numa templo as obras não podem ser apenas decorativas,
    o artista deve pensar num horizonte de 500 anos, como Michelangelo.”

Fiquei pensando neste parâmetro que o artista estabeleceu para si próprio. Não achei descabido seu paradigma. Ninguém é capaz de prever as preferências artísticas e estéticas que a pátina do tempo vai marcar. Meio milênio, 500 anos é muito/pouco tempo, contudo Claudio Pastro é inspirado e brilhante, e estas virtudes deixam marcas para sempre.




segunda-feira, 15 de junho de 2015

Olhar de Fotógrafo - Com e Sem Câmara


O conto Las Babas del Diablo, de Júlio Cortázar(*), serviu de inspiração para uma das obras primas de Michelangelo Antonioni: Blowup (Blow-up - Depois daquele beijo).

É antigo, de 1966, da era química e romântica das películas, porém, no que se refere aos processos criativos – quase mágicos – de composição da imagem pelos fotógrafos, permanece atual, desafiante e intrigante.

A trama do conto, e do filme, é curiosa: um fotógrafo durante seu trabalho está tão interessado na composição da foto que não percebe que registrou um possível assassinato no fundo. O crime só se ‘revela’ durante a 'revelação' química do negativo. Intrigante a sobreposição das metáforas da  'revelação'.

É um filme de e para fotógrafos, nele o diretor capta com perfeição o olhar vagabundo, contudo atento e seletivo desses artistas da imagem. O passeio da câmara 'borboleta' do mestre italiano pela paisagem tenta reproduzir a forma ambígua pela qual os fotógrafos vêem o mundo no dia a dia. 

Logo no início do conto Cortázar descreve como funciona o duplo olhar dos  fotógrafos, quando saem de casa armados com suas câmaras, e como se transmuda quando saem desarmado dela. É um trecho brilhante e didático. Pedagógico para os leigos, mas, talvez, redundante para os fotógrafos – amadores ou profissionais  – poque já detectaram neles mesmos essa forma dual de enxergar a realidade.

Seja qual for o caso, vale a pena conhecer o texto curto em que o brilhante contista argentino descreve essa metamorfose do olhar e as muitas camadas da arte de fotografar. (Abaixo uma atrevida tradução e o original espanhol). 
“Entre as muitas maneiras de combater o tédio, uma das melhores é tirar fotografias, uma atividade que deve ser ensinada cedo para os garotos, porque exige disciplina, educação estética, olho bom e dedos firmes. Não se trata de ficar tocaiando mentiras como qualquer repórter, para flagrar a silhueta de personagem incauto que deixa a 10 da Downing Street, porém, ao andar com a câmera, há como que um dever de ficar atento, para não perder o brusco e delicioso reflexo do raio de sol numa pedra, ou o balançar das tranças de uma garota retornando com pão ou uma garrafa de leite. Michel sabia que o fotógrafo sempre trabalha com a permutação de sua maneira pessoal de ver o mundo com aquela que lhe impõe a câmera insidiosa (agora passa uma grande nuvem quase negra), contudo não desconfiava que seria suficiente sair sem a Contax para recuperar o tom descontraído, a visão sem enquadramento, a luz sem diafragma ou 1/ 250. Agora mesmo (que palavra, agora, uma mentira estúpida) poderia apenas se sentar no parapeito sobre o rio, observando as lanchas pretas e vermelhas, sem necessidade de pensar fotograficamente as cenas, nada mais do que se deixando ir no deixar ir das coisas, correndo imóvel com o tempo.”
***   ***   *** 
“Entre las muchas maneras de combatir la nada, una de las mejores es sacar fotografias, actividad que deberia enseñarse tempranamente a los niños, pues exige disciplina, educación estética, buen ojo e dedos seguros. No se trata de estar acechado la mentira como cualquier repórter, y atrapar la estúpida silueta del personajón que sale del número 10 de Downing Street, pero de todas maneras cuando se anda con la cámara hay como el deber de estar atento, de no perder ese brusco y delicioso rebote de un rayo de sol en una vieja piedra, o la carrera trenzas al aire de una chiquilla que vuelve com un pan o una botella de leche. Michel sabía que el fotógrafo opera siempre como una permutación de su manera personal de ver el mundo por otra que la cámara le impone insidiosa (ahora pasa una gran nube casi negra), pero no desconfiaba, sabedor de que le bastaba salir sin la Cóntax para recuperar el tono distraído, la visión sin encuadre, la luz sin diafragma ni 1/250. Ahora mismo (qué palabra, ahora, qué estúpida mentira) podia quedarme sentado en el pretil sobre el rio, mirando pasar las pinazas negras y rojas, sin que se me ocurriera pensar fotográficamente las escenas, nada más que dejándome ir en dejarse ir de las cosas, corriendo inmóvil con el tempo.”
 (*) Las babas del diablo – Las armas secretas – Ediciones Catedra, 1978

sexta-feira, 10 de abril de 2015

SP – CAPITAL MUNDIAL DO GRAFITE?


Pesquisando para esta crônica fiz duas consultas no Google: “grafite São Paulo” e “pichação São Paulo”As telas iniciais das duas buscas eram curiosas, previsíveis, reveladoras, e de várias formas, auto explicativas.  

Faz muito tempo – bem antes do Haddad e Doria – S. Paulo gosta de se proclamar como a ‘Capital Mundial do Grafite’. Talvez por causa da fama de alguns grafiteiros paulistas pelo mundo, talvez pela quantidade e variedade das intervenções que cobrem as paredes e muros da cidade.

Pelas respostas do Google parece que o senso comum tem uma percepção consolidada das diferenças entre 'grafite' e 'pichação', embora seja difícil definir conceitualmente cada uma dessas intervenções. Aliás a língua portuguesa é uma das poucas em que estes dois segmentos estão separados. Os grafiteiros mencionam, com certo orgulho, que a pichação paulista tem até uma assinatura própria o ‘pixo reto’. Aqueles escritos ininteligíveis com letras estilizadas, quase sempre de traços retos que cobrem as paredes da cidade. Todas as vezes que encontramos este ‘estilo’ em qualquer lugar do mundo é porque o pulso paulista pulsou lá.

Muitos ‘artistas urbanos’, do Brasil e do mundo, passaram por S. Paulo para deixar seus registros. Existem roteiros, conhecidos pelas tribos grafiteiras e divulgados na internet, para apreciar peregrinar por essas intervenções. Um dos circuitos mais cult são os mosaicos do artista francês ‘Invader’(baseados no antigo jogo eletrônico Space Invaders), hoje famoso. Infelizmente suas obras estão sendo surrupiados e levadas para galerias e apartamentos antenados, logo desaparecerão da ruas.

O grafite, ou pichação, foi inventado junto com as paredes. Os muros de Pompéia já estavam grafitados, e basicamente com slogans parecidos com os atuais, de denuncia ou reivindicação.

‘Arte de rua’ (street art), ‘arte urbana’ ou grafite começou a ser melhor definido e estruturado a partir das Manifestações de Paris/68, quando foi largamente utilizado e divulgado. No Brasil começou como simples forma de marcar território (lembra do ‘CÃO FILA KM 26'?) e se tornou uma das formas de resistência contra Revolução de 64.

O principal argumento dos artistas de rua é a inadequação dos museus e galerias – fechados e seletivos – como canais de divulgação dos trabalhos gráficos mais avançados. Por isso invadem e tomam os espaços das ruas, acessíveis para qualquer pessoa, para toda a população, gratuitamente e o tempo todo.

Grafite e uma arte transitória, algumas fotos tiradas durante minhas caminhadas:

a) Av. Consolação e Rua Augusta 
As lendas urbanas dizem que estes rosto esquálidos são obra de um grafiteiro carioca em visita a SP.

b) Avenida Nove de Julho e Rua Augusta 
Intervenções do 'Invader'
- Alguns dos mosaicos estão sendo retirados das paredes e montados em outros suportes para decoração de interiores.


c) Conexão do Minhocão com Av. Consolação


d) Avenida Nove de Julho

OUTROS ARTIGOS SOBRE GRAFITE EM S.PAULO


GRAFITES INVADER – Veja Antes Que Acabe



GRAFITES DA AUGUSTAÇÃO 







quarta-feira, 8 de abril de 2015

DUAS CATARINAS


Catherine Deneuve de Paris  do Cine Bijou e de muitos corações  como as santas, Catarina de Siena e Catarina de Alexandria , era bonita e inteligente na mesma medida. E ambos os atributos foram determinantes para a consecução dos destinos de todas as três.  

A beldade francesa começou como atriz de comédias e musicais românticos, porém logo se transformou em referência cultural e símbolo sexual planetário.

Catherine Fabianne Dorléac emprestou seu corpo, coração, mente e sensibilidade para ilustrar todos os tons e papéis que colorem e ocupam as mulheres pelo mundo afora, sempre com verossimilhança e autenticidade.

Foi a fêmea fatal e a dona de casa normal, e ás vezes a instável e perigosa mistura das duas. Deslumbrante em cada performance, todos os diretores se apaixonavam e viam nela a mulher ideal para suas histórias, teses e divagações.

A eterna musa de Yves Saint Laurent e o rosto mundial do Channel Nº 5. Além da Marianne, a figura oficial da República da França, a mais feminina das nações.


Katharine Hepburn de Connecticut  das tardes nos cinemões e das sessões da tarde  foi poderosa como as rainhas-herdeiras, Catarina de Médicis e Catarina da Rússia, todas absolutas durante seus longos reinados, muito além do bem do mal.

Chegou à maturidade junto com o cinema, aprendeu que o sucesso é feito de dubiedades e persistências, de luzes, sombras e mistérios; que é preciso mudar e se reinventar de acordo com os acenos do público.

Cometeu e escondeu todos os pecados da velha Hollywood, até o mais proibido deles, a homossexualidade. Ou não, até hoje seus biógrafos – amigos e inimigos – estão incertos. Contudo seu melhor papel romântico foi como a ‘outra’ de Spencer Tracy, um homem casado e problemático. Uma parceira dedicada e confiável, até o último dia.

Conheceu apogeus e eclipses na carreira. Foi 'o veneno das bilheterias' e acumulou 12 indicações para o Oscar. Ganhou o primeiro aos 27 anos e outros três (68, 69 e 82), depois dos 60, já como uma atriz anciã, Há muito entronizada como a rainha-herdeira do reino de Hollywood, por voto direto das plateias do mundo.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

CCBB - PICASSO E A MODERNIDADE (OUTRA VEZ)

É preciso, imprescindível mesmo, visitar a mostra do CCBB-Centro Cultural Banco do Brasil – “PICASSO E A MODERNIDADE ESPANHOLA  Obras da Coleção do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia”, porque ver o trabalho do minotauro sempre é enriquecedor. 

Entretanto, atropelando o poeta Drummond, acho que me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas, sobretudo porque talvez esteja ficando ‘over’ demais - uma saturação - de novo explicar e ilustrar o desenvolvimento da arte moderna através do genial espanhol.

Com certeza Picasso foi o artista plástico mais importante do século passado. É impensável a História da Arte Moderna sem o espanhol, mas existem tantas outras vozes, com inesperadas modulações próprias, que necessitam ser mais ouvidas. É recomendável visitar a mostra várias vezes, e dedicar muito mais atenção ao complemento do que à coleção protagonista.

Por exemplo, se deliciar com as poucas obras expostas de Joaquim Torres-Garcia, talvez o artista sul americano com maior trânsito entre os efervescentes europeus. Aquele mesmo pintor que em 8 de julho de 1978 perdeu mais de 80 obras – uma tragédia para sua Fase Construtivista, que durou duas décadas – no incêndio do MAM do Rio. Catástrofe que abaixou todas as notas internacionais de segurança museológicas do Brasil.

Estacionar um longo tempo frente aos não-picassos e fluir às telas de Juan Gris, um pintor de vida breve, morreu com 40 anos, mas que deixou registrado um viés cubista delicado e reflexivo.

Picasso? Bem é impossível não nota-lo.


segunda-feira, 16 de março de 2015

GALOS DE CAMPANÁRIOS

Poema publicado num jornal xerocado chamado Exegese do Òbvio, Nome de um poema do meu primeiro livro, uma coletânea: Sol Na Garganta (clique>>>)

Parece que em Abril de 1973, mais de quarenta anos atrás, outra pessoa assinava seus poemas com meu nome. Um jovem poeta meio nietzscheniamo e temente a Deus, atento leitor de ‘Assim Falou Zaratustra.’

Á medida de caminhamos vamos deixando nossos outros para traz. Alguns poemas, algumas paixões, algumas convicções políticas, artísticas e morais ficam abandonados no passado como peles de cobras, precisam ser trocadas porque o novo corpo não cabe mais dentro das antigas medidas.





GALOS DE CAMPANÁRIOS   
'Fez-se a noite, e sobre o solitário
soprou o vendo frio.'
(Nietzsche)
I
      
Os cata-ventos giram
e o vento se imiscui
entre o silêncio e a espera.
É áspero e rascante
o silêncio friccionado.

Quando o silêncio é tangido
a cadência do ruído
rouba seu poder e mistério.
Torna-se um meio silêncio.

Silêncio total
é morte e desolação.
Mas o meio silêncio
é solidão.
Solidão eterna
sem remissão,
sem saudade,
sem esperança.

Enquanto houver alento
haverá algo, alguém, um objetivo,
um pensamento, um consolo.
Mas solidão sem esperança
é uma faca fria no peito,
é sentir Deus morto.

Solidão sem esperança
transcende Deus,
nem Ele próprio quis senti-la,
por isso criou o homem
e criou o vento.
É o vento quem carrega a solidão.
  
II
  
A solidão reside nos cata-ventos,
junto aos galos de campanário,
aves avessas e abandonadas.
Apenas de vez em quando
recebem a visita
de limpadores de chaminés,
pipas desgarradas,
corvos de Poe
e os pássaros de Hitchcock.

Nunca um galo de campanário
é reluzente e brilhante;
sempre pardo, cinzento.
São postos no alto
das cidades brancas
e ficam esquecidos
(menos das fotografias),
visitados por todos os ventos
e todas as solidões.

Quanto os cata-ventos
giram e gemem
é porque a solidão chegou;
então a corda rouca
do silêncio é tangida
e tudo mais emudece.

Se é noite,
as pessoas despertam fantasmas
e sonhos embalsamados:
moças casadoiras
invocam príncipes encantados;
loucos, por instantes,
recuperam a oca lucidez.
Gatos vadios eriçam os pelos
e cruzam os telhados molhados;
bêbados bebem mais um trago;
poetas fumam mais um cigarro
e descolam da alma outro poema.
Quietos e ensimesmados
todos lutam contra a langor
do silencio friccionado.
  
III
   
Ha também homens
de quem a solidão não se aparta:
são os profetas e anacoretas
(e loucos, mas estes não sabem),
que residem nos topos das colinas
em grutas e cabanas
sopradas a noite pelo vento,
aliás solidão.

E sofrem tanto
que Deus tem pena,
e lhes outorga o bênção
de compartilhar Seus sonhos.
Mas se a solidão persiste
então o diabo surge
e o medo espanta a solidão.
O medo pressupõe algo, outro,
enquanto a solidão
é a certeza do nada.

Mas para alguns,
como os galos de campanário
não ha Deus nem diabo,
apenas a solidão.  
                                    16/04/73

terça-feira, 10 de março de 2015

Empós uma Quimera / Após uma Fantasia

Mais uma colaboração com a vibrátil e ubíqua escritora e poetisa portuguesa Ana Júlia Machado (de Vianna do Castelo). Agora sou eu quem translitera um poema dela: Empós uma Quimera.

E sempre intrigante observar as sutis conversas e os efêmeros acordos entre as ideias e os vocábulos. As imagens poéticas são parecidas, mas as ênfases e cores mudam.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Será que Odete Lara Não Me Beijou?


Por volta dos 18 e 19 anos era fissurado por teatro e cinema, havia uma constelação de deusas loiras para se apaixonar, difícil de resistir. Catherine Deneuve, Liv Ullmann, Monica Vitti, Jane Fonda. Ursula Andress, Susanaah York... Mesmo preferindo musas os cabelos negros, como Suzanne Pleshette e Anouk Aimée, era impossível ser fiel. Porém havia também uma deusa brasileira, Odete Lara, tão deslumbrante e classuda como qualquer estrela estrangeira.

Virei fã de Odete, então resolvi declarar para minha musa a extensão da minha idolatria. Em 1968 comprei ingresso para ‘O Cinto Acusador’, no Teatro Itália, resolvido a conhecer pessoalmente minha paixão. Eu e um amigo (Castro? Freitas?) esperamos uma hora até Odete sair. Foi um momento epifânico, quando entrei no camarim ela sorriu, com carinho autografou o programa e até me deu um abraço e um beijo. Recordo até hoje de seu perfume, da macia calidez dos seus lábios. Fiquei sem fazer a barba do lado direito durante um mês.

Entretanto, de acordo com o teimoso Google, cada vez que eu o interrogo seriamente, ele afirma e repete que este momento sublime jamais aconteceu, porque Odete Lara nunca encenou ‘O Cinto Acusador’, em nenhum lugar.

Vasculhei meus arquivos pessoais

quinta-feira, 5 de março de 2015

7 TÍTULOS ROUBADOS

[...]

Umberto Eco imagina um náufrago preso num navio vazio, flutuando – sem sair do lugar – numa praia paradisíaca dos Mares do Sul. Apesar de próximas as areias são inalcançáveis porque o barco está detido pela calmaria, o rapaz não sabe manobra-lo e, pior, também não sabe nadar.
A Ilha do Dia Anterior está localizada exatamente no limite do ontem do meridiano de Greenwich.

Casa Tomada é um ícone do Realismo Fantástico Latino-americano, o conto de estréia de Julio Cortázar, publicado numa revista editada por J.L.Borges. Narra a história de um velho casal de irmãos – meio machadianos  que têm a casa invadida, cômodo a cômodo, por uma força estranha até serem expulsos.
Como seria a casa de alguém, desacreditado do amor, tomada, devagar, pela presença do amante.

Gilgámesh, talvez a primeira epopeia escrita, fonte da Bíblia. Conta a história mítica das civilizações mesopotâmicas. O verso inicial ‘Ele que o abismo viu. O fundamento da terra’, a morada dos deuses, o que havia antes do dilúvio. De onde veio a argila de que os homens são feitos.
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Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust é um labirinto acolchoado de sete volumes que muito poucos conseguiram atravessar. É fácil e delicioso perder-se nas recursivas caminhadas do autor pelos evanescentes passados, seus e da França. Alguns personagens são inesquecíveis como Odette de Crecy – quase uma síntese das personagens coquetes francesas – que gostava de enfeitar os seios com catléias.

Jaguardarte (Jabberwocky) é um poema de Lewis Caroll, aparece no livro ‘Alice no Mais das Maravilhas’. Introduz uma fera tão estranha e assustadora que para descrevê-la é preciso inventar palavras novas. Feito um violino, tangido por um arco serrilhado, deturpando todos as notas. Traduzi-lo é um desafio imenso, porque – como cria palavras – para vertê-lo é necessário transpor também o espírito, a melodia, o ritmo e a sonoridade da língua anfitriã.
No Google existem várias versões disponíveis, a de Augusto de Campos é excepcional.


José Geraldo Vieira foi um dos melhores romancistas do século passado. Que, por razões transversas, a crítica 'oficial' esqueceu. A Ladeira da Memória é um romance belíssimo, passado durante a II Guerra, fala de um homem num dilema de amor, entre uma mulher viva e outra morta. Tudo acontece numa romântica viagem de trem SP-Rio.

Grande Sertão: Veredas é de 1956, sessentão. Afora o trato com o diabo, o outro redemoinho do livro é uma história de amor arrevesada, um jagunço reluta em dúvidas, se ama ou não outro jagunço de olhos verdes, que, na verdade, é uma mulher travestida. Antecipação – numa chave inusitada – das discussões sobre gênero que empolgam este começo de século.