Quando Eldon Tyrell manipulou os genes e Ridley Scott editou as cenas criaram a melhor das ’femmes fatales’ cyberpunks. É verdade que dispunham de farto material de referência, porque nesta fértil e subterrânea vertente do Cinema as damas misteriosas imperavam. Eram ícones imprescindíveis para serem amadas, celebradas, decifradas e conquistadas. É impossível imaginar um bom filme noir sem uma figura feminina dominante, como vítima, suspeita, manipuladora, criminosa, donzela em perigo ou dama salvadora. Nos casos de maior sucesso ocupavam vários desses papeis ao mesmo tempo.
Rachael | Sean Young não fica mal entre suas pares: Laura | Gene Tierney (Laura 1944); Phyllis Dietrichson | Barbara Stanwick (Double Indemnitity - Pacto de Sangue / 1944); Gilda | Rita Hayworth (Gilda / 1946); ‘Dusty’ Chandler | Lizabeth Scott (Dead Reckoning - Confissão / 1947) Margot Wendice | Grace Kelly (Dial M for Murder - Disque M para Matar / 1954); Florence Carala | Jeanne Moreau (Ascenseur pour l'échafaud - Ascensor para o cadafalso / 1958); Evelyn Mulwray | Faye Dunaway (Chinatown / 1974). Quase com certeza Blade Runner foi o auge da carreira de Sean Young, e será como Rachael que entrará para a história do cinema.
Curiosamente, nos dez primeiros anos de Blade Runner, enquanto circulavam apenas as versões com a narração histriônica e perdulária (de 1982 para cinema USA e Internacional), Rachael era somente uma mulher fatal esquisita, perdida num confuso filme de ficção científica. Porém, depois do lançamento da edição do diretor, em 1992, a produção inteira se tornou cult, épica, um paradigma cultural. Em várias universidades virou pauta para estudos acadêmicos, centenas de teses (até eu cometi a minha, abaixo) devassaram as peculiaridades, antecedentes, influências e desdobramentos do filme.
Nesta nova ordem Rachael se transformou na mais sofisticada das fammes fatales. Até porque, nas memórias afetivas de Philip K. Dick e Ridley Scott, devia ser a confluência de todas elas.
No Blade Runner de 2049, Rachael, a nova Eva replicante, foi reduzida a um achado arqueológico. Rapidamente subsumida pela multidão de Jois – clone da cintilante e coruscante da Her, de Spike Jonze – a namorada virtual, perfeita, evanescente, que nunca envelhece, pode ser melhorada, atualizada e se transformar em qualquer mulher desejada. Tudo e nada.
Nas redes existem vastas discussões se Joi ama ‘K’ com amor verdadeiro ou apenas emula o sentimento.
Não sei. Isso é questão para o Blade Runner 2079 de musas fluidas e elétricas, até lá estou junto com Deckard e tenho sonhos elétricos com uma Rachael de olhos verdes.
O Caçador de Androides, o Quarto Chinês e o Teste de Turing