Depois da II
Guerra, talvez por causa do avassalador argumento da bomba atômica, começou a acensão da Ficção Científica em Hollywood, um gênero apropriado para
discutir os caminhos da humanidade. 50 anos de produção intensa: sagas, séries,
sequels, sidequels, prequels... Centenas de obras interessantes e de qualidade.
Contudo, ainda, os quatro filmes do titulo continuam mandando no pedaço, impuseram novos conceitos e perduram no tempo. Marcos cinematográficos e ícones culturais – populares e acadêmicos. Inspiraram
livros, teses e estudos sérios, Criaram comunidades, clubes e fóruns de
discussões. São pautas científicas, temas de estudo e disciplinas:
2001logia, Solarística (termo da próprio filme), Bladerunnerologia e Matrixólogia.
O quarteto fodástico foi produzido num espaço de 31 anos: 2001
em 68 – o ano de esperanças imensas e desilusões enormes; Solaris em 72; Blade
Runner em 82; e Matrix em 99. Todos eles, e por motivos diferentes, deixaram uma marca na História do
Cinema. 2001,
o casamento das imagens com a trilha sonora; Solaris, a
quebra de convenções e paradigmas, a estranheza narrativa e imagística (a resposta soviética à 2001);
Blade
Runner, a arquitetura, cenários e figurinos ciberpunks; Matrix, questionamento da realidade e simulacros, os voos de imaginação, a dinâmica das lutas, o efeito bala, o visual retrô, dark e
gótico.
Nos dois primeiros ainda existe o alienígena, nos ultimos só so homem e suas criaturas. Contudo, o ponto mais intrigante do quarteto vai além de sua diversidade e sobrelevada qualidade artística; reside na convergência das obras para um mesmo problema. Em todas elas a pulsão dramática que conduz os
roteiros é uma velha, básica e fundamental questão humana: o outro – o enfrentamento do diferente.
Todos os quatro filmes procuram responder a esta questão: Quem é o outro? Quais as diferenças entre eles e nós? Em cada filme o outro muda, se metamorfoseia, mas o diálogo perdura, e acaba construindo um interessante arco de respostas alternativas.
O assunto explícito em 2001 é o
primeiro encontro com extraterrestres, o outro absoluto do homem. Porém o impulso dramático, o dilema a ser resolvido, vem da disputa entre
os cientistas/tripulantes e um computador (o enigma daqueles anos) que se tornou autodeterminado, que adquiriu livre
arbítrio. Uma batalha mais apropriada, um outro
de dimensões terráqueas. Porque o primeiro contato alienígena será um acontecimento
cósmico, avassalador e transcendental, ninguém sequer imagina que efeitos provocará. Nesta escala, os únicos sentimentos cabíveis são o espanto e o assombro. O cérebro eletrônico é um outro muito mais próximo.
Entre Solaris e 2001 o diálogo é
evidente. Um grupo de cientistas numa estação espacial tentando desvendar os
segredos de uma inteligência extraterrestre, no caso russo um oceano consciente.
Entretanto, também desta vez, a tensão dramática não é o outro alienígena. O desafio vem de dentro da alma, contrapõe o
homem à seus sonhos, desejos, medos e pesadelos. Um outro diferente, muito mais intimo e sutil, contudo, igualmente desconhecido: aquilo que trazemos dentro de nos mesmos.
Em Blade Runner não aparecem extraterrestres para
atrapalhar. O conflito é agudo e direto, contrapõe os homens e os
replicantes – androides perfeitos e superiores ao ser humano. O outro
é perfeitamente identificado, existe, inclusive, um procedimento definido para reconhece-los: o Teste de
Voigt-Kempff. O problema é que o outro,
física e funcionalmente, é idêntico ao homem. A diferença está na cabeça, na
alma, na Moral, na Religião (enfatizada na novela origem de Philip K. Dick), e,
talvez, no inefável, no indizível e no simples preconceito.
No ultimo filme, Matrix, acorre uma inversão
interessante. As máquinas (criadas pelo homem), organizadas numa consciência
centralizada, são o inimigo explícito, porém não são o motor dramático, não são o outro do filme. A humanidade inteira
está adormecida, os indivíduos, foram abduzidos de seus corpos desde o nascimento. São compelidos a compartilhar um sonho coletivo, viver numa realidade virtual,
programada e controlada. Neo, o personagem principal, luta para se tonar um outro, retomar a consciência, recuperar seu corpo e se religar à sua humanidade primitiva.
Ou seja, o outro agora é o homem desperto que se contrapõe ao homem inerte, suspenso em vida vegetal. O herói deve escolher entre a sono perpétuo e a consciência plena – pílula azul ou vermelha. Viver quieto e protegido, numa existência dormente, onírica, tranquila e segura, sob os cuidados das máquinas (afinal, foram criadas para ajudar o homem). Ou virar um outro, ativo e capaz de tomar decisões, de receber e comandar implantes cibernéticos e superpoderes (como os replicantes?) e se transformar pelo uso da mente num super homem imbatível.
Alguma coisa mudou: evolução ou involução? Nos três primeiro
filmes o encontro com o outro resultava sempre em conflito e impasse; num escolha excludente: ou ele ou eu? No quarto, Matrix, o dilema é muito mais primígeno. Revisitamos o Mito da Caverna de
Platão, somos acordados e convidados, podemos sair para o mundo exterior cheio
de novidades e perigos ou permanecer confortáveis na oca ilusão das cavernas. Temos
escolha: pílula azul ou vermelha?
Rachel ou Trinity?