terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Olinda – 25/dez/2020 – Um Solar na Colina

Olinda / Pernambuco – 25/dez/2020

Atravessando o ensolarado Natal num vetusto solar de Olinda. Dois séculos de resiliência, passou por tudo, assistiu altivo o lento tropeçar da História. Foi residência, casa de comércio, restaurante, bar e, de novo, atelier/residência de artista.

Suas janelas e sacadas dos fundos comtemplam Recife super populada por prédios novos incertos. Dentro dela, entre camadas de memórias, guarda a pastilha de fel de um crime a facadas e também uma vasta coleção da National Geographic – de 77 a 97. Nas páginas da revista o mundo instável muda, porém a casa reivindica eternidade.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

New York – 31/mar/1997 – Terraços das Twin Towers

New York – 31/mar/1997


E
m 11/09/2001, de dentro do meu escritório, na tela do computador, assisti estarrecido as Twin Towers caindo. Levou tempo para acreditar que eram imagens ao vivo, parecia mais um daqueles filmes de catástrofes que os cinemas – na época – adoravam reprisar.

Minha memória emparelhava outra imagem na minha mente, quatro anos antes – 31 de março de 1997 - havia estado nos seus terraços de cobertura para contemplar o mundo, numa tarde de março enregelante. 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Oleoduto/Aqueduto da Serra do Mar – 05/dez/2020

Oleoduto-Aqueduto Serra do Mar / S.Paulo  05/dez/2020

Cada vez que subia ou descia pelas Rodovias Anchieta ou Emigrantes desviava para um sonho maluco. Nele me imaginava subindo a pé por estas maravilhosas obras de engenharia que balizam a Serra do Mar.

Imensos oleodutos / aquedutos marcam a geografia, enfeitam e recortam o relevo e a paisagem da Montanha. De várias formas são uma espécie de Pirâmides Paulistas, colossais conquistas técnicas avistadas de longe.

Originalmente estas tubulações foram concebidas para desviar o Tiete (parte dele) e outros rios e riachos do planalto para desaguar no mar. O plano era, com esse novo curso, gerar energia elétrica.

Ontem realizei meu desejo. Pena que todo o percurso-aventura aconteceu debaixo de chuva.


 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

No Tempo de Walter Hugo Khuori



Para muitas pessoas (+ eu), pelo conjunto da obra, Walter Hugo Khuori foi o maior Diretor de Cinema brasileiro, nosso Antonioni - Bergman - Chabrol... Foram 24 filmes, acho que poucas cidades ganharam tantas confissões de afeto de um mesmo cineasta.

Na maioria deles Sampa é o verdadeiro personagem principal, mesmo escondido e escamoteado. Em ‘EROS, O DEUS DO AMOR’, por exemplo, os três primeiros minutos são uma devotada declaração de amor e carinho pela nossa cidade, tão diversa e cheia de alternâncias, carregada de arroubos e arestas. Um poema construído com carinho e paixão, imagem amorosas e voz em off.

A carreira de WHK foi longa, 45 anos, de 1954 a 1999, em média um filme a cada dois anos. Durante o percurso vemos S. Paulo mudar, debutar, se transformar até se estilhaçar, talvez pelo tamanho exagerado.

Acompanhando os registros da cidade deixados pelo Diretor, um viés sempre me espanta, confunde, estranha e deixa confuso: a ausência de árvores nas nossas praças e ruas, durante as décadas de 50, 60, 70. As contraposições das fotos acima documentam esta anormalidade.

Em 1975 WHKhouri lançou ‘O DESEJO’, sua 14ª película, quase tudo acontece numa cobertura perto da Biblioteca Mário de Andrade, nela existem várias tomadas que mostram as praças e ruas próximas. Recentemente tive oportunidade de visitar e fotografar o local das filmagens. As imagens atuais repetindo os mesmos enquadramentos do filme demonstram que as ruas e praças de S. Paulo, apesar de tudo, estão muito mais arborizadas.

Gostaria que fosse um aceno de esperança, porém é muito pouco para combater a inexorável invasão do concreto. Talvez este texto seja um pedido de socorro.

domingo, 22 de novembro de 2020

Zakynthos / Grécia – 17/set/2019 – Praia do Naufrágio

Zakynthos / Grécia – 17/set/2019


A Grécia é azul, como enfatiza sua bandeira. Azul e branco - céu azul e casinhas caiadas. Desde Corfu, que namora a Itália, até Samos, nos confins do Mar de Ícaro.

Entretanto, nas minhas lembranças, ela é mais azul na Praia do Naufrágio, na Ilha de Zakintos. Lugar magicado onde um barco cansado de enfrentar as ondas, à revelia dos homens, discretamente adernou e se refestelou para medir a eternidade.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Guadix/Espanha – 27/set/2018 – Indiana Jones

  Guadix / Espanha – 27/set/2018

Guadix, no sul da Espanha, perto de Granada, é uma cidade curiosa, sobrevive em três camadas.
Metade dela é subterrânea, casas e hotéis funcionam em covas e cavernas

Na superfície prospera uma belíssima cidade antiga, cheia de castelos medievais e construções multicentenárias.

Também é uma cidade-cenário, quase uma dezena de produções foram filmadas lá, inclusive Indiana Jones – A Última Cruzada.

Uma boa ideia. Em cada locação famosa colocaram uma cadeira de diretor posicionada para apreciar a melhor cena do filme. Resolvi ousar, achei que já estava na idade de imitar o Sean Conery como o Doutor Henri Jones, pai do Indy.



sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Florença – 28/ago/2018 – Adoniran Barbosa

Florença – 28/ago/2018

Adoniram Barbosa é meu vizinho parônimo, ambos gostamos de andar pelo Bixiga, em tempos diferentes infelizmente. Contudo, foi curioso encontra-lo em Florença/Itália.

O melhor lugar para assistir ao pôr do sol na cidade de Dante é da 'Piazzale Michelangelo', no alto de uma colina. De lá é possível ver as várias pontes sobre o Rio Arno, especialmente a 'Ponte Vecchia', iluminadas e transfiguradas pelas cintilações dúbias da luz dourada.


Reservei uma tarde inteira para curtir com calma o espetáculo. Por sorte, inesperadamente, como presente, prêmio, durante o auge da performance do Sol tocaram ‘Tiro ao Alvaro’, com Adoniram e Elis, em ‘repeat mode’, durante uns 15 minutos. Um casamento estranho – perfeito, delirante, emociante - de som e imagem. 


Não sei a quem devo agradecer pelo presente.

sábado, 15 de agosto de 2020

Gruyères / Suiça – 25/maio/2016 – Museu HR Giger

Gruyères / Suiça – 25/maio/2016 

Pois é, desde maio de 2016, quando visitei o Museu HR Giger em Gruyères  cidade que é parada obrigatória no roteiro de queijos suíços  desenvolvi uma severa cine-neurose. Sempre que assisto filmes da franquia ALIEN fico com vontade de comer queijo e sempre que como queijo fico com vontade de assistir filmes ALIENS. Um círculo vicioso. 

Isso é grave, incômodo, minha família é de origem mineira e gosto de queijo. Pior, se o queijo é do tipo ‘gruyère’, preciso ir correndo para a frente de uma tela/monitor. Também depois de assistir filmes ALIENS preciso comer queijo.

Visitar o museu de Hans Ruedi Giger e seu bar alien-temático na cidade é obrigatório. Neles estão plasmados parte do consciente coletivo desta virada de séculos. Vale até esticar o roteiro incluindo a sala erótica, onde todas as sugestões latentes que habitam as cabeças dos espectadores estão realizadas. Mas é proibida para menores.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Amsterdam – 2014/set/19 – Museu Van Gogh

Amsterdam – 2014/set/19

Fui até Arles/França para conversar com Van Gogh. O papo não progrediu, o pintor só queria falar da ‘amarelidade’ do amarelo. Me perdi nas vias, desvãos e desvios de sua (dele) mente.

Revolvi procura-lo em Amsterdam, no Van Gogh Museum. Lá o mestre é mais plural. Havia uma exposição temática: ‘Van Gogh em Paris’, de novo o mestre estava colorido, desta vez gris. Mesmo assim arrisquei palestrar.
“– Vincent a alma tem cor?” Me olhou ensimesmado, coçou a barba vermelha.

“– Sim, tem, todas.” O ponteiro-pincel demorou a se mover. “– Mas é volúvel, inquieta e nebulada, um matiz dela sempre predomina. Quando passo por Paris a minha confunde a paleta, muda de cor toda hora. Prefere se enrolar em tons azuis."

“– Como posso entender melhor isso?”

“– Olhe com paciência ‘Amendoeiras em Flor’. Um quadro pequeno, porque alma é tímida, só se exibe em nesgas ou janelas.”

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Bayreuth – 26/set/2017 – Túmulo Wagner

Bayreuth – 26/set/2017

 Fui conversar com Wagner em Wahnfried, Bayreuth, onde o mestre – pertinaz esbanjador de fortunas – dilapida a eternidade deitado com sua esposa Cosima, filha de Franz List. Fiz uma pergunta-comentário porque a dinâmica do Maestro atravessa andamentos.
“– Gostei do nome de sua ‘villa’, Wahnfried, mas não entendi direito a convergência de significações curiosas Ilusão/loucura e paz/liberdade, como devemos entende-lo?”.
Respondeu calmo, é um conversador tranquilo, brinca com os tempos entre as sílabas.
“– Não existe um significado único, são charadas e desafios plurais. Brincando com as quatro notas que você escolheu podemos pensar em ‘ilusão de paz’, ‘loucura da liberdade’. Ou questionando os pares que montou: ‘paz é ilusão?’, 'liberdade é loucura?".
Fiquei em silêncio, o vento derrubou algumas pétalas, Wagner entendeu como uma pergunta.
“– Concordo, os ventos são dementes, levam O Holandês Voador para onde   querem, quase sempre para escuros rochedos. Contudo, as piores de todas, são as brisas da História que mudam de direção de repente.”
Caíram mais pétalas, porém Wagner já havia rompido a linha.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Paris – 23/set/2016 – Catacumbas de Paris

Paris – 23/set/2016




Exceto pelas letras gravadas nas pedras, os ossos são sempre os últimos a se calar.
Nas Catacumbas de Paris vários milhões deles, empilhados nas paredes infinitas, repetem, repetem seus eloquentes discursos mudos que ecoam em murmurios escuros pelos corredores, como um sussurro das trevas.
As imensas galerias subterrâneas perpetuam suas confissões rechinadas e rascantes, iguais e diferentes. É difícil entender suas histórias superpostas, são confusas, tristes e parecidas.
A moça de olhos ausentes e órbitas vazias – à direita, corroeu seu rosto chorando em vão. Se matou, morreu virgem sem saber que foi loucamente amada pelo rapaz – à esquerda, que definhou em desespero e faleceu de amor. Jamais pode confessar sua paixão pela amuada moça desorbitada.
Hoje envelhecem juntos, mas sem olhos, um não ver o outro.

sábado, 11 de julho de 2020

Frankfurt – 4/set/2017 – Casa de Goethe


Frankfurt – 4/set/2017

Herr Johann Wofgang von Goethe é ícone da cultura germânica e mundial. Sabe disso e gosta de se exibir. Plural  replicado em bustos e quadros - habita sua casa em Frankfurt, onde nasceu e cresceu. Escolhi o mais elegante para conversar.
Herr von Goethe por que os alemães tem compulsão pela figura de Fausto?”
Acho que temos excesso de duas coisas: coração e razão. Somos exagerados e desgovernados. Jamais conseguimos harmonizar as partes. Ouvimos demais o Diabo da desmedida, cultivamos uma alucinação racionalizada.”
Era muita coisa para processar no hiato inter-falas. Permaneci calado.
Ouvimos pouco nosso coração. Meu Fausto não aproveitou o perfume da sua Margarida. O Fausto de Thomas Mann foi encantado pela exótica cigana Esmeralda.
Agradeci Herr von Goethe. Principalmente por concordar participar da brincadeira da tartaruga.

domingo, 5 de julho de 2020

Ilha de Ios / Grécia – 8/set/2019 – Túmulo de Homero


Ilha de Ios / Grécia – 8/set/2019

Na Grécia, na bela Ilha de Ios, conversei com Homero – o poeta cego – no seu remoto túmulo à beira mar, como um barco provocando o oceano. Talvez uma metáfora da nossa soberba atual, desafiando o espaço.

“– Poeta posso fazer algumas perguntas?”
“– Duas. Uma já fez.”
“– Compôs duas vastas epopeias, e no fundo ambas são histórias de amor. Na primeira junta dez mil barcos para resgatar uma namorada que fugiu com o novo amante. Na segunda, por 20 anos, atrapalha o retorno do herói para os braços da amada. E os outros empreendimentos humanos, não são importantes como razão de viver?”
“– Todas aventuras humanas são imprescindíveis – sobretudo as pessoais – mas sem amor nenhuma vale a pena. São como aqueles rebrilhos e desenhos que parecemos enxergar nas ondas do mar ao pôr do sol. Quando tomados pela paixão, duram apenas um instante, mas podem ser eternos.“


quinta-feira, 2 de julho de 2020

New York – 23/maio/2012 – Oficina Luthier


New York – 23/maio/2012 

Na Gradoux-Matt Rare Violins (37 W 57th St New York), uma oficina de luthiers especializados em instrumentos de cordas multi centenários (Stradivari, Guarneri, Amati) era [é?] possível fazer um programa bacana. Almoçar, conhecer grandes instrumentos e ouvir música executada com eles.
Uma ideia interessante, envolvia conSerto e conCerto.

Após os trabalhos de manutenção ou restauração realizados a oficina convidava um jovem virtuose – normalmente ganhadores de grandes concursos internacionais – para fazer uma apresentação (+/- 1 hora), depois deixava os preciosidades históricas disponíveis para uma apreciação monitorada.

O programa era barato, mas curiosamente quase nunca estava lotado.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

New York – 30/maio/2012 – THE MET

New York – 30/maio/2012

Às vezes, raras vezes, um Museu pode ser um espaço pessoal, particular, solitário, acolhedor e íntimo. Quase um portal para a introspecção transcendental. Quando o acaso, a sorte e o tempo se juntam para nos oferecer um presente. A chance de apreciar com vagar as extraordinárias pinturas, compara-las e alargar a dimensão delas.

Isso pode acontecer inclusive no MET  – Metropolitan Museum of Art de New York, que quase sempre está lotado. De repente uma sala completamente vazia e disponível se oferece, atrativa como uma armadilha, esperando o visitante-presa entrar para o abraçar, subjugar e transportar o para outros níveis da fruição estética.

sábado, 20 de junho de 2020

Medellín / Colômbia – 9/ago/2015 – Sistema de Bibliotecas

Medelín / Colômbia – 9 / agosto / 2015

Em agosto de 2015 visitei algumas unidades do Sistema de Bibliotecas de Medellín, Colômbia. A cidade espalhou um vasto conjunto de belos e amplos edifícios – sempre de ousada arquitetura – pelos morros nas encostas do Rio Medellín, onde reside a população de baixa renda (como nos morros do Rio). A ideia é que funcionem como Centros Culturais incentivando a participação social. Oferecem, além de livros, cursos, serviços e ajuda para qualquer interessado. Na Biblioteca España fui atendido por um guia chamado Jonatas que registrava as manifestações artísticas – quaisquer que fossem – dos frequentadores.
Perguntei se gostava do trabalho. Entusiasmado garantiu que adorara. Uma frase de sua fala jamais me saiu da memória, ela deu origem a este poema “a Arte é o único registro da alma que fica depois de irmos embora”.


terça-feira, 16 de junho de 2020

10 Melhores Filmes da Década (2010 / 2019)



< Para o Grupo Clássicos do Cinema Mundial /
   Atendendo meu amigo Paulo Rogério Ribeiro) 

Qualquer escolha dos ‘10 mais’, ‘10 melhores’ é arriscada, transitória, fortuita e instável. Tem vida curta, efêmera validade, como um desenho de nuvens no céu.

É uma temeridade prepotente fazer qualquer lista deste tipo. Sou culpado e já estou arrependido.

* NIDNIGHT IN PARIS / Wood Allen

* HER / Spike Jonze

* INTERESTELAR / Christopher Nolan

* WHIPLASH / Damien Chazelle

* ARRIVAL / Denis Villeneuve

* MONSIEUR & MADAME ADELMAN / Nicolas Bedos

* BLADE RUNNER 2049 / Denis Villeneuve

* DUNKIRK / Christopher Nolan

* MI OBRA MAESTRA / Gastón Duprat

* 1917 / Sam Mendes

* ONCE UPON A TIME... IN HOOLLYWOOD / Quentin Tarantino

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Aix-en-Provence / França – 01/out/ 2016 – Paul Cézanne



Muita vez Paul Cézanne – teimoso, porém ainda não famoso - saia para caminhar de manhã. Voltava sempre com uma nova pintura do Mont Sainte-Victoire. Juntou umas 60 telas. Numa das manhãs resolvi acompanha-lo.

Era difícil ele marchava apressado. Durante o percurso em aclive, sem fôlego, perguntei:
 
“– Porque pinta tanto o Sainte-Victoire?”
 
“– Não pinto a monte, pinto o Tempo. Me fascina, desafia e amedronta como ele transforma tudo, nós e a montanha.”

Fiquei esgargalado, a dúvida havia se expandido epistemologicamente.

“– Gosto de olhar as telas pintadas para lembrar como eu era ontem. Para combater o Tempo todo dia invento um jeito novo de pintar.”

Aderi à inquietação do pintor, menos talentoso, comecei a colecionar fotografias.



quinta-feira, 21 de maio de 2020

Vevey/Lausane/Suíça – 23/maio/2016 – Garfo Nestlé

Vevey / Lausane / Suíça – 23 / maio / 2016

O garfo no lago registra a sede mundial da Nestlé, na cidade de Vevey, à beira de Lago Genebra.

O céu feroz induz meditações nebuladas e atemporais. Machado de Assis disse “morre-se muito bem às seis ou sete horas da tarde”, quase o horário da foto.

Repensando, morre-se otimamente bem na Suíça, em torno do Lago Genebra. Os cemitérios desta região estão carregados de defuntos estrangeiros e desgarrados, ilustres e notáveis. Jorge Luiz Borges, Charles Chaplin, Grahan Grenne, James Mason, Oscar Kokoschka…

Montreux/Villeneuve / Suíça – 23/maio/2016 – Oskar Kokoschka

Montreux / Villeneuve / Suíça – 23 / maio / 2016
Quando findou a chuva primaveril na beira do Lago Genebra, em Villeneuve, depois de Montreux sai para passear. Encontrei Oskar Kokoschka, o pintor noivo da ‘Noiva do Vento’.
Uma figura incongruente que vendeu tudo que tinha para comprar farda, espada, cavalo e ir para a guerra. Voltou ferido, perdeu tudo: a razão crítica e prática, a alma e Alma (sua amante, viúva de Mahler). Só lhe restou a faculdade de juízo estético. Curou a dor de cotovelo dormindo com uma boneca cópia exata da amada.
Estava bidimensional e olhava fixamente para o lago.
Perguntei:
‘– Como é a vida assim, plana e dividida?'
Respondeu dúbio e desacostumado da fala:
‘– É boa, a gente vê os dois lados com clareza, esquerda, direita, sem zona cinza. Têm momentos na História que isso é imprescindível.'
Concordei. Calados, juntos, olhamos longamente a espelhada superfície do lago saciado de chuva.
Cansado do silêncio me despedi e fui embora. Oskar ficou secando, atento ao vento do tempo.

Lucerna / Suíça – 1/junho/2016 – Wagner

Lucerna / Suíça – 1 / junho / 2016
Fui visitar Wagner em sua bela mansão, num promontório que avança intrépido pelo Lago Lucerna, O compositor estava omnipresente, multiplicado em bustos e estátuas.
Aproveitei para fazer a pergunta urgente e incômoda:
"Como conseguiu ser tão genial e tão canalha?"
O mestre respondeu:
"A genialidade e a canalhice são atributos humanos, e eu tenho excesso de humanidade. Assim explorei todas minhas boas e más potencialidades até o limite."
Fiquei pensando embaraçado em dúvidas. Ele, talvez com pena das minhas carências, acrescentou:

"Mas não se esqueça, quando eu fui apenas humano, escrevi o 'Idílio de Siegfried' e o dediquei à Cósima (que roubei de von Bülov) numa manhã de Natal, naquela escada que breve você subirá."

S.Paulo (MIS) – 18/julho/2018 – Hitchcock

S.Paulo (MIS) – 18/julho/2018
Hitchcock fica melhor a cada reprise. Talvez apenas dois artistas dominaram tanto e exploraram tão completamente seus respectivos campos de atuação, e deixaram uma obra (igualmente diversificada e vasta) que a partir dela se pode avaliar todas os aspectos e avanços das Artes que elegeram e tudo que os precederam: Bach na Música e Hitchcock no Cinema.

S.Paulo (CCBB) – 20/março/2019 – Paul Klee

S.Paulo (CCBB) – 20/março/2019
Uma das melhores tardes que tenho na memória passei no ‘Zentrum Paul Klee’, nos arredores de Berna. Três pavilhões ondulados que se mimetizam com as colinas em torno para melhor se encaixar na paisagem. A família do pintor guarda lá algumas centenas de milhares de obras do artista. Tesouros belíssimos, frágeis e delicados como corais e bolhas de sabão.
Passeando nesta longa alameda arenosa curtimos o perfil da cidade da Relatividade de Einstein e o tempo se alonga e quase para, o dia pode durar semanas.
Na Exposição de Paul Klee no CCBB-S.Paulo, parei defronte uma fotografia tamanho natural do velho mestre, tomado pela esclerodermia, e comentei.
- Paul, achei triste a ‘Fênix Idosa’ (detalhe), porque desenhou?
- Ela é mais completa, plena e feliz do que nós dois, de repente se auto incinera, renasce jovem e vive mais 300 anos. Não fica com inveja?

Genebra / Suíça – 24/maio/2016 – Borges

Genebra / Suíça – 24/maio/2016


Numa terça-feira à tarde, maio de 2016, fui visitar Jorge Luis Borges em Genebra. Apesar de imortal, agora, passa todo o tempo neste jardim – perto de Jean Calvin, que frequenta o lugar faz muito mais tempo.

Ouviu meus passos se aproximando e não levantou a cabeça, estava com os olhos fechados, porém isso não mudava nada. Perguntei:

“- Mestre Jorge como é possível entender a América do Sul?”

Sua voz era baixa, subterrânea, quando respondeu.

“- Passei muito tempo lá, porém nunca consegui entende-la direito. Mas acho que somos uma multidão de exilados, com saudades da Europa, África, Oriente...”

Respirou como uma brisa. 

“- Veja na Literatura de vocês, ‘A canção do Exílio’ é um dos maiores poemas da fortuna brasileira.”

“- Então não existe chave para entendê-la?”

“- Talvez a resposta esteja no mapa do nosso subcontinente, olhe o desenho, parece um faminto funil triturador, fascinado por coisas da Europa, contudo com o fio de comando ligado nos Estados Unidos.”


Fui para casa olhar melhor o globo.

o.

Frankfurt – 5 / set / 2017 – Simonetta Vespucci

Frankfurt / Alemanha – 5 / set / 2017

Andando pelos corredores do Museu Städel em Frankfurt encontrei Simonetta Vespucci, talvez a mais bela top model da Renascença. Estava meio entediada de ficar naquela sala, olhando para o nada, resolvi puxar conversa.

“- Já encontrei você em vários lugares, sempre alheia e cada vez mais bela.”

“- Se gosta de museus, com certeza, estou em muitas paredes, ou alguém muito parecida comigo. Tive amigos que gostavam de me pintar. N’O Nascimento de Vênus’ - duas vezes - como a Flora e como a deusa”; também em excessivos retratos de mulheres e personagem da História, nem lembro mais quantos.”

“- De qual mais gosta?”

“- Sem dúvida daquela ‘Cleópatra’ de Piero de Cosimo, um artista estranho. Me arrepia e excita aquela serpente enrolada no pescoço.”
Antes de falar censurei Piero, panaca, devia te-la usado como modelo da nossa virgem do MASP.
  
“- Você posava para eles?”

“- Nunca. Tudo que viu são ousados elogios da imaginação deles e desejo oculto me homenageando.”

Leipzig / Alemanha – 19/set/2017 – Bach

Leipzig / Alemanha – 19/set/2017

Ouvindo Bach no Órgão Grenzing na Catedral Evangélica de S.Paulo, e embalado pela música fantástica,  lembrei da conversa que tive com o compositor-organista em Leipzig, onde ele descansa atento.
“– Perdão Mestre. O órgão é a melhor maneira de conversar com Deus?”
Demorou a responder, a ligação era transcendental.
“– O homem não conversa com Deus, apenas fala com Deus, que nunca responde, mas às vezes – Ele ou o acaso – parecem agir.”
Fiquei quieto, temi questionar, esperei que continuasse.
“– Eu gostava de falar com Ele através do órgão, Paganini preferia o violino, Jacqueline Du Pré o cello, Jimi Hendrix a guitarra e Chet Baker o trompete...”
“– Os tempos modernos estão confusos. O homem fala com Deus, mas espalha antenas pelo mundo para ouvir Ets.”
Não consegui pensar numa resposta adequada, deixei uma flor sobre a lápide. 

Bonn / Alemanha – 07/set/2017 – Beethoven

Bonn / Alemanha – 07/set/2017


Na casa de Beethoven em Bonn tivemos uma conversa telepática, porque ele é surdo e não é recomendável gritar dentro de museus.
“– Mestre, quando ouço a Terceira Sinfonia imagino o Scherzo do Terceiro Movimento como um rodamoinho descontrolado passeando pela História.”
“– Não é a pior imagem, porque quase sempre é um idiota que segura as rédeas da História. Por isso tive que mudar o nome dela."
O silencio telepático do Ludwig era em adagio lento, feito a Canção Lídia do Quarteto 132.
“– Na nossa vida também nem sempre é a melhor parte de nós que está no comando.”
Depois disso ficou mudo, como a pedra de que era feito.

Buenos Aires – 27/jan/2016 – Abaporu

Buenos Aires – 27 / jan / 2016

Abaporu Na última vez que Abaporu passou pelo MASP, fui visita-lo. Lembrei-me da nossa última conversa no MALBA, parecia muito bem instalado, era um dos destaques do museu. Contudo estava triste e macambúzio. Conversamos em tons grises. Brinquei.
“– Porque esta perna tão longa?”
“– Aquí sólo puedo hablar en español.”
Traduzi a pergunta.
“– ¿Por qué esta pierna tan ancha?
“– Para, cuando lo permitan, ir corriendo a Brasil.
“– ¿Por qué ese brazo tan robusto?
“– Para dar muchos abrazos a los brasileños que vienen a visitarme?
“– ¿Por qué esa cabecita tan pequeñita y triste?
“– Estoy aburrido y con nostalgia. Quiero volver a Brasil. Mis colores son para sambas, no para tangos.”

Ficamos em silêncio por muito tempo. Quando parti fiz sinal de positivo. Não retribuiu, talvez porque lhe falte o polegar.


Florença / Itália – 29/ago/2018 – Michelangelo

Florença / Itália – 29 / ago / 2018


Entrei no ‘Museo Galleria dell'Accademia di Firenze’ com destino certo, conversar com o David original, aquele tocado por Michelangelo. 
Encontrei um garoto enorme, 5 metros de altura, elegantemente vestindo sua própria pele. Olhava o futuro com serenidade, curiosidade, confiança e sem pressa.
“– Posso fazer duas perguntas?”
Ele balançou verticalmente a cabeça pétrea, vagarosamente.
“– Nunca temeu o gigante Golias?”
“– Não. O próximo passo é sempre onde o futuro nos trouxe, portanto inexorável. Olhar para trás é voltar para procurar erros impossíveis de serem corrigidos.”
A outra pergunta: por que você fala e suas cópias – já tentei com várias – são mudas?”
“- Durante o processo de talha eu e meu criador nos emaranhamos quanticamente. Hoje eu – a pedra – e Michelangelo somos a mesma coisa, como diferentes emanações do universo compartilhado.
As copias são replicações ocas das pretensões humanas. Derivações de futuros trucados.”

Frankfurt – 4/set/2017 – Goethe

Frankfurt – 4 / set / 2017

Herr Johann Wofgang von Goethe é ícone da cultura germânica e mundial. Sabe disso e gosta de se exibir. Plural habita a casa de Frankfurt – onde nasceu e cresceu – replicado em bustos e quadros. Escolhi o mais elegante para conversar.
“– Herr von Goethe por que os alemães tem compulsão pela aventura de Fausto?”
“– Acho que temos excesso de coração e razão, somos exagerados e desgovernados. Jamais conseguimos harmonizar os dois. Ouvimos demais o Diabo da desmedida dentro de nós, cultivamos uma alucinação racionalizada.”
Era muita coisa para processar no hiato inter falas, permaneci calado.
“– Ouvimos pouco nosso coração. Meu Fausto não aproveitou o perfume da sua Margarida. O Fausto de Thomas Mann ficou receoso com as cintilações da cigana Esmeralda.
Agradeço a Herr von Goethe por aceitar brincar de tartaruga comigo.

Bixiga – 17/jun/2018 – Cumprimentando Adoniram

Bixiga – 17 / jun / 2018



Adoniram e eu gostamos de flanar por S.Paulo, de cachecol, mais italiano, por isso preferimos nos esbarrar por aí no inverno.

Não me agrada a versão do Adoniran ‘mito’, olhar paralisado, logomarca, tatuagem, chapeuzinho de aba curta.

Prefiro trombar com ele por aí paulistando, namorando a cidade. A última vez foi no viaduto Major Quedinho.

“– Olá Adoniram semanas atrás passei uma tarde linda, ouvindo você cantar 'Tiro ao Álvaro' e vendo o por do sol – tudo isso num bar de Florença. Não é estranho?”.

“– Acho ridiculamente normal. Pena que é preciso ir cada vez mais longe para me ouvir”.

Implícito, concordei com ele. Continuou...

“– ‘Porque as rádios não tocam meus sambas? Por quê? Algum crime que fiz'?" (do CD Documento Inédito)”.

“– Pois é Charutinho (conheci Adoniran com este nome), isso nem o ‘Arnesto’ que chama p'ro samba mas não espera os convidados – sabe explicar”.”.



Amsterdan – 22/set/ 2014 – Chet Baker

Amsterdan – 22 / set / 2014

Marquei um encontro com Chet Baker onde encerrou sua caminhada. 13/maio/1988, Prints Hendrik Hotel, Centro de Amisterdan. Jogou-se (ou foi jogado?) do segundo andar.
Um trompetista maior e um cantor extrínseco à arte do canto, suaves sussurros, nervuras do som. O provável modelo para João Gilberto.
Igual a todo mundo, queria muito perguntar sobre o ato final, mas me contive. Troquei de pergunta.

“– Posso ficar ouvindo você e imaginando a praça cantar 'My Funny Valentine'?
“– Ok, então vamos cantar a versão do disco ‘Sings’ de 1954.” 
Foram apenas 140 segundos, 2,20 minutos. Uma voz temperada com tudo o que de bom e ruim pode um homem experimentar e expressar, viver e dizer. Um ímpeto controlado em busca da beleza sutil.
Parti alguns segundos antes do fim para que sua (dele) voz permanecesse na minha memória para sempre.

Córdoba/Espanha – 19/set/2018 – Maimônides

Córdoba – 19 / set / 2018

Por Córdoba inteira procurei Moisés Maimônides para conversar, ele nasceu lá. Admiro demais o filósofo/teólogo/médico que no escuro Século XII elaborou a mais sábia síncrise - análise - síntese das culturas judia, árabe e greco-romana. Talvez seu único deslize seja a incomensurável prepotência que deixou gravada na pedra de seu túmulo.
“De Moisés a Moisés [nome de Maimônides], nunca houve ninguém como Moisés."
Me aproximei e perguntei: 
“– Mestre Maimônides, depois de quase oito séculos não acha excessivamente vaidosa sua comparação”?
– Não, de jeito nenhum. Eu fiz a prova sozinho, para meu xará da bíblia, Deus soprou a fala.”
Fiquei perplexo. Ele continuou.
“– Pela sua cara calculo que já esteja pronto para ler meu mais famoso livro: Guia dos Perplexos".
Me despedi e fui procurar o livro.

Paris – 10 / out / 2016

Paris – 10 / out / 2016


Nas Catacumbas sob Paris me detive para conversar com os companheiros de viagem, não conhecia nenhum deles, mas sabia que tínhamos o mesmo destino.
Fiz a pergunta óbvia – é inescapável, nas conversas com grupos fazemos sempre as perguntas óbvias.
“– Como é a coisa na hora do salto?”
Responderam num coro dessincronizado.
“– Não dá para explicar, para cada um é diferente.”
Persisti, com outra pergunta óbvia.
“– E como são as coisas do outro lado?”
Responderam de novo em uníssono, agora mais afinados (o treito é tudo).
“– Não sabemos, ainda estamos no meio do salto. E talvez nunca acabe.”
Calei a boca, o silêncio ulula menos do que o obvio.

Wittenberg/Lutherstadt – 17/set/2017 – Lutero / Alquimista

Wittenberg - Lutherstadt – 17 / set / 2017

Em Setembro de 2017 visitei Wittenberg / Lutherstadt, a cidade estava festiva, comemorava 500 anos das 95 teses contra as Indulgências que Martin Luther havia pregado na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, o inicio da Reforma Protestante.
Andando pela cidade passei pela casa de Johann Faust – Astrólogo e Alquimista. Como os tempos modernos andam conturbados resolvi consulta-lo. Tímido, evanescente não se deixou fotografar. Anunciei minha encomenda.
“– Doktor Faust quero comprar um pouco de `Pó de Paciência’.”
“– Não mercadejo, não possuo temperamento sórdido. Posso apenas instruí-lo no preparo.”
Mesmo temente de nova repreensão ousei perguntar.
“– De quais elementos vou precisar?”
“– Quaisquer. Pode usar o que quiser. O único componente imprescindível é o Tempo. Precisa moer por 700 dias, prazo para suas ansiedades virarem poeira.
Agradeci, Herr Doktor não me acompanhou até a porta.


27/set/2015 – Coimbra / Portugal – Inês de Castro

Coimbra – 27 / set / 2015

Em Coimbra fui até a Quinta das Lágrimas, queria encontrar a Rainha em ossos coroada.
Podia ser qualquer uma das duas, a ‘linda Inês, posta em sossego’ de Camões ou a ‘linda Inês, nunca em sossego’ de Jorge de Lima.
Não encontrei nenhuma delas, resolvi espera-la na Fonte das Lágrimas que desagua no Mondego e (dizem) nasceu do choro da Rainha executada.
Quando vi seu vulto vislumbrei uma terceira manifestação dela, junto veio um verso: ‘Estavas, ígnea Inês, envolta em chamas’. Fiz minha pergunta.
“- Rainha cambiante que sobreviveu de uma paixão que avançou além da morte. O amor verdadeiro é mais chama ou mais brasa?”
“-As labaredas se apagam e as brasas viram cinza.”
Emudeci refletindo. Ela continuou...
“O verdadeiro amor é o calor que aquece a alma, então o espírito fica pra sempre incandescente.”
Não se surpreendeu a amplitude da resposta, as musas sempre sussurram o impensável.

S.Paulo – 07/Julho/ 2019 – Paulo Bomfim

São Paulo – 07 / Julho / 2019
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Sou leitor de Paulo Bonfim e, às vezes, nas minhas caminhadas sigo seus passos nas crônicas desta 'Insólita Metrópole'. Converso com ele sobre as metamorfoses desta nossa paulicéia trepidante, louca e desvairada.
Suas poesias eram perfeitas, longamente pensadas, tinham o preciso peso e medida dos paulistas de antes dos anos cinquenta.
Como cronista tinge tudo de saudade, nos relembra de como era a cidade antes do gigantismo desenfreado.

S.Paulo – 17/Julho/2019 – Sebastião Salgado

São Paulo – 17 / Julho / 2019
GOLD / – MINA DE OURO SERRA PELADA / SESC PAULISTA  – Já sabemos como fabricar infernos e convocar condenados para suporta-los.
É impossível olhar as fotos de Sebastião Salgado e não lembrar das ilustração de Gustave Dorê para o Inferno de Dante.
O pior, o arrepio de espanto, é lembrar que as pranchas eram imaginação, mas as fotografias são verdadeiras.
“Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança..."


Alcalá de Hanares – 27/Setembro/2019 – Cervantes

Alcalá de Hanares – 27 / Setembro / 2019
|| DEFRONTE A CASA ONDE NASCEU CERVANTES ||
Fui até Alcalá de Henares para conversar com Dom Quixote. Esperei que o sol declinasse para que nossa palestra não fosse incendiária. Sancho Pança estava presente, mas alheio passeando algures com seu bom senso.
Perguntei ao Fidalgo da Triste Figura:
 ̶  Señor, posso fazer uma pergunta?”
"
 ̶  No me gusta responder preguntas, reducen y erosionan la Realidad, que es onírica, múltiple y variable, pero vamos ..."
“- Señor como é habitar um mundo onde o desvario impera?”
Bateu três vezes sua lança quebrada no chão, me olhou espantado, abriu os braços e disse:
“El caballero debe saber mejor que yo, de lo contrario no habría cruzado todo el océano para hacerme preguntas."

Sancho nem olhou de lado, estava acostumado com tresloucados sentados entre eles.

Florianópolis/SC – 30/Dezembro/2019 – Sambaqui-

Florianópolis/SC – 30 / Dezembro / 2019

PRAIA DO SAMBAQUI – Ponta do Sambaqui tem um pôr de sol estranho, lá existe um istmo que liga a Ilha de Santa Catarina a uma pequena porção de terra que se arroja tresloucada, como se líquida fosse, para se juntar ao mar.
Este pequeno apêndice – do tamanho de um jardim – é um bosque mágico e místico, de imensas árvores, e inúmeras aves. Para os índios já era sagrado faz muito tempo, são incontáveis os registros que deixaram por lá.
Mas o istmo, ou mais precisamente o banco no istmo é um lugar que retorce a consciência, sentado nele, ficamos de costas para o pôr do sol e de frente para o amanhecer... Que só acontecerá no próximo dia.
Um lugar para desejar FELIZ ANO NOVO.


domingo, 3 de maio de 2020

64 DILEMAS - Livro-Lúdico






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PREFÁCIO

O título óbvio deste livro é a prosaica totalização dos 64 poemas chamados
‘Dilema...’.  Contudo tanto 64 quanto Dilema têm diversas outras conotações
interligadas que atravessam a vida e este ciclo de poesias.

64     /     SESSENTA E QUATRO
‘Revolução’ de 64 — Foi o marco da minha geração. Em política o primeiro
desafio foi entender 64. Datar um assunto como pré ou pós 64 era um sinal
binário que mudava o contexto da conversa.

64 Hexagramas — De todas as tiragens de sorte e sistemas preditivos o
I Ching é o mais interessante, o mais bem estruturado e o melhor documentado.
Durante milênios grandes mentes se debruçaram sobre seus mistérios,
peculiaridades e regras, acumulando registros escritos que se confundem
com o cerne da Filosofia e Poesia oriental. Os desenhos sutis dos 64 hexagra-
mas estão omnipresentes na cultura humana.

64 casas do jogo de xadrez — A mais velha metáfora da vida e da guerra.
Um confronto de 32 peças bicolores que emula todas as incontáveis experiências humanas. Uma alegoria que entretece os sonhos, temores, vicissitudes e a
rala sabedoria que nos envaidece. Quem sabe o mais complexo sistema estru-
turado operado pelo homem. Talvez um repto aos limites da mente racional. 
Então veio o Deep Blue - um computador - que derrotou nosso campeão,
Kasparov. O que foi isso, um desafio? Ou um alerta contra a vanglória humana?
Seria 64 um daqueles números inextrincáveis que fazem parte da trama íntima
do universo? Uma fronteira da racionalidade? Ou somente uma perplexidade
da Poesia.

DILEMAS     /     ESCOLHAS
Escolher é fácil — difícil é renunciar a todo o resto.
Ir ou não ir?  Amar ou não amar? Crer ou não crer? O ser ou não ser de
Hamlet. Os Dilemas estão presentes em cada ação humana. Na origem
de tudo está um Dilema, uma escolha simples e binária.

O número 64 é o infinito ao quadrado (‘∞’, o 8 deitado), representa e emula
o incomensurável, o imperscrutável limite mental do homem. Entretanto,
são os Dilemas, as opções, as escolhas compulsórias — sempre simples
e binárias — que constroem, corroem e destroem nosso psiquismo. Talvez
os poemas ‘Se’, de Kipling, ‘Ou Isto ou Aquilo’, de Cecília Meireles, também
pudessem se chamar ‘Dilemas’.

Será que a Poesia pode preencher os interstícios entre as duas partes?

 64 DILEMAS EM PAPEL / PDF