A atenção se deslocou dos ‘sentimentos’ para os
‘acontecimentos’. Antes, as ênfases estavam nas ‘emoções’, migraram para ‘ações’. Saímos das salas escuras ou defronte dos monitores pilhados,
estupidificados, com excesso de informações e alternativas. Contudo sem
simpatias nem antipatias definitivas pelos personagens. Vilões e heróis são
cambiantes (cadê a catarse?). Não sobra nada para refletir em casa, porque tudo
já foi demasiadamente estilhaçado e confundido. Não importa mais pensar, agora
os filmes são feitos para espantar.
Vamos ver de perto um remake clássico, já com mais de 24
anos. Entre ‘Disque M para Matar’ (Dial M for Murder / Hitchcock / 1954) e sua
untuosa retomada ‘Um Crime Perfeito’ (A Perfect Murder / Andrew Davis / 1998) –
afora o talento incontestável do mestre sombrio e a classe de Grace Kelly -
muita coisa mudou no mundo do cinema. Porém o que mais espantou, quando resolvi
calcular, foi a exagerada inflação que sofreu as boas candidatas à
‘esposas-vítimas’. Velocidade Matrix, de bala.
No tópico ‘inflação’ especificamente – que talvez
explique tudo - em 1954, para virar um viúvo rico e feliz, um tenista em fim de
carreira precisa encontrar uma moça atraente e de convivência agradável com um
patrimônio líquido de US$ 253.000 (£ 90.000) e estava garantida uma existência
confortável para o resto da vida. Quatro décadas depois um investidor de Wall
Street endividado precisava conseguir uma noiva caucionada em US$ 100 milhões –
400 vezes mais.
Obviamente, em troca da riqueza e da beleza das
moças não estava implícita nenhuma garantia de prazer na relação ou fidelidade
conjugal, porque ambas, Grace-Margot e Gwyneth-Emily, partiram em busca de
melhores companhias fora do casamento.
Mas a grana não foi a única inflação galopante que
assolou o mundo do crime cinematográfico. Apesar dos dois filmes terem quase a
mesma duração (105 e 107 minutos), o roteiro da segunda produção é muito mais
complexo, contorcido, emaranhado e confuso. Tudo é ‘over’, prolixo e extremado.
Hitchcock, como sempre, é escasso e minimalista.
Margot se apaixona por um ex colega de escola, escritor de policiais. O marido
contrata um velho confrade de Cambridge, explorador e assassino de mulheres,
para ajudar no crime perfeito. Quando as coisas dão errado o ex tenista
manipula as provas para incriminar a esposa e condená-la à morte. A partir daí
a trama gira em torno do esperto mistério das chaves, a mola mestra e a ideia
mais intrigante da história. O segmento de julgamento e condenação é um achado
de Hitch. Breve e brilhante, uma única sequência: falas em off, rostos e
expressões de Grace Kelly, mais variações da cor vermelha de fundo resolve a
trama.
Quando ao remake, para entender direito, é preciso
assistir mais de uma vez. Emily se apaixona pelo bandido, que ensaia
uma carreira de pintor. O marido traído contrata o próprio rival delinquente para
ajudar na execução da esposa. O valor da encomenda subiu muito, de 1.000
libras, para 500.000 dólares. Nestes tempos de terceirização o amante
aproveitador subcontrata um assecla para liquidar a duplamente incômoda
esposa/amante.
O instigante mistério das chaves se complica, contorce, retorce e se desvanece (será que já estava muito batido?), suplantado por duas ramificações duvidosas do enredo. Primeiro, a longa e complicada contra chantagem do amante ameaçando o marido com uma fita gravada. Segundo, as investigações conduzidas pela esposa, cheias de grandiloquências, espantos e incertezas, que envolvem a ajuda da ONU e de altas autoridades econômicas dos Estados Unidos.
Num balanço final, entre Grace Kelly e Gwineth
Paltrow, fico com a Princesa de Mônaco, mas simples, bonita e barata.