segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Disque M / Um crime Perfeito - 400 Vezes Mais




Avaliando a História do Cinema constatamos que a Sétima Arte sofreu uma metamorfose, se precipitou num gigantismo de elefantíase. Avança para quebra-cabeças complexos com excesso de micro detalhes. Quem sabe irreversível.

A atenção se deslocou dos ‘sentimentos’ para os ‘acontecimentos’. Antes, as ênfases estavam nas ‘emoções’, migraram para ‘ações’. Saímos das salas escuras ou defronte dos monitores pilhados, estupidificados, com excesso de informações e alternativas. Contudo sem simpatias nem antipatias definitivas pelos personagens. Vilões e heróis são cambiantes (cadê a catarse?). Não sobra nada para refletir em casa, porque tudo já foi demasiadamente estilhaçado e confundido. Não importa mais pensar, agora os filmes são feitos para espantar.

Vamos ver de perto um remake clássico, já com mais de 24 anos. Entre ‘Disque M para Matar’ (Dial M for Murder / Hitchcock / 1954) e sua untuosa retomada ‘Um Crime Perfeito’ (A Perfect Murder / Andrew Davis / 1998) – afora o talento incontestável do mestre sombrio e a classe de Grace Kelly - muita coisa mudou no mundo do cinema. Porém o que mais espantou, quando resolvi calcular, foi a exagerada inflação que sofreu as boas candidatas à ‘esposas-vítimas’. Velocidade Matrix, de bala.

No tópico ‘inflação’ especificamente – que talvez explique tudo - em 1954, para virar um viúvo rico e feliz, um tenista em fim de carreira precisa encontrar uma moça atraente e de convivência agradável com um patrimônio líquido de US$ 253.000 (£ 90.000) e estava garantida uma existência confortável para o resto da vida. Quatro décadas depois um investidor de Wall Street endividado precisava conseguir uma noiva caucionada em US$ 100 milhões – 400 vezes mais.

Obviamente, em troca da riqueza e da beleza das moças não estava implícita nenhuma garantia de prazer na relação ou fidelidade conjugal, porque ambas, Grace-Margot e Gwyneth-Emily, partiram em busca de melhores companhias fora do casamento.

Mas a grana não foi a única inflação galopante que assolou o mundo do crime cinematográfico. Apesar dos dois filmes terem quase a mesma duração (105 e 107 minutos), o roteiro da segunda produção é muito mais complexo, contorcido, emaranhado e confuso. Tudo é ‘over’, prolixo e extremado.

Hitchcock, como sempre, é escasso e minimalista. Margot se apaixona por um ex colega de escola, escritor de policiais. O marido contrata um velho confrade de Cambridge, explorador e assassino de mulheres, para ajudar no crime perfeito. Quando as coisas dão errado o ex tenista manipula as provas para incriminar a esposa e condená-la à morte. A partir daí a trama gira em torno do esperto mistério das chaves, a mola mestra e a ideia mais intrigante da história. O segmento de julgamento e condenação é um achado de Hitch. Breve e brilhante, uma única sequência: falas em off, rostos e expressões de Grace Kelly, mais variações da cor vermelha de fundo resolve a trama.

Quando ao remake, para entender direito, é preciso assistir mais de uma vez. Emily se apaixona pelo bandido, que ensaia uma carreira de pintor. O marido traído contrata o próprio rival delinquente para ajudar na execução da esposa. O valor da encomenda subiu muito, de 1.000 libras, para 500.000 dólares. Nestes tempos de terceirização o amante aproveitador subcontrata um assecla para liquidar a duplamente incômoda esposa/amante.

O instigante mistério das chaves se complica, contorce, retorce e se desvanece (será que já estava muito batido?), suplantado por duas ramificações duvidosas do enredo. Primeiro, a longa e complicada contra chantagem do amante ameaçando o marido com uma fita gravada. Segundo, as investigações conduzidas pela esposa, cheias de grandiloquências, espantos e incertezas, que envolvem a ajuda da ONU e de altas autoridades econômicas dos Estados Unidos.

Num balanço final, entre Grace Kelly e Gwineth Paltrow, fico com a Princesa de Mônaco, mas simples, bonita e barata. 

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