quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Série FUNDAÇÃO – Prismas de Asimov

 

Atravessei empolgado os livros e contos da saga Fundação de Isaac Asimov. A vastidão do arco de tempo que a proposta abrangia me fascinava. A ousadia de narrar a evolução da humanidade numa cronologia tão elástica, de dezenas de milênios – maior do que as grandes epopeias como Gilgamesh, Mahabarata e os mitos gregos e chineses - era deslumbrante, exigia grandeza e temeridade. A extravagancia e enormidade do empreendimento me encanta até hoje.

Na semana passada assisti os dez episódios disponíveis da série Fundação, na AppleTV. Gostei moderadamente das soluções tecnológicas, das belas concepções visuais do cosmo, das adequações de etnias e gêneros, mais coerentes com as perspectivas e desdobramentos históricos. Fiquei fã, pretendo acompanhar as próximas temporadas.

Contudo, passando um traço e fazendo a conta, é mais do mesmo, já vimos coisas semelhantes em The Expanse, Star Trek: Discovery, Picard e outros universos de ficção. Infelizmente, na Fundação da Apple, com a migração da mídia, não veio junto a pulsão e a temeridade da História do Futuro que empolgava, dava sentido e amarrava as coisas em Asimov.

Entendo isso, na Música Clássica acontece muito. Todo Maestro ou Diretor de Ópera quando vai interpretar uma sinfonia ou montar uma ópera precisa decidir se vai respeitar o original ou inovar audaciosamente. A segunda opção é sempre mais excitante, pode acabar em acertos geniais ou erros colossais. Já a assisti a tetralogia ‘O Anel dos Nibelungos’ de Wagner remontada como uma guerra da Máfia.

Um livro e uma série são coisas distintas. A escrita é uma deliciosa aventura pessoal e solitária – na maioria das vezes livre. Talvez seja impossível manter o sentido, dimensão e coerência da saga trabalhando em equipes ou grandes grupos, com apertados cronogramas, interesses diversos, visões divergentes e objetivos econômicos explícitos, imediatos e incontornáveis

Apesar dos limites da série, algumas coisas resultaram muito interessantes, extensões do universo de Asimov. O detalhamento da intrincada estrutura da dinastia dos imperadores. O explicitação das senhas e procedimentos de segurança das naves e de Trantor. A grandiosidade de uma civilização de milhões de mundos, bilhões de indivíduos – inacreditavelmente humanos. E sobretudo alguns detalhes, curiosidades, imaginados pelos roteiristas e diretores.

Estou esperando outras temporadas, e sobretudo como será o ‘Mulo’.



terça-feira, 23 de novembro de 2021

Sombra e Luz

 


Andar no estreito vão

que separa a sombra da luz,

entre a crença e ilusão.

Sem ter certeza

onde isso conduz.


sábado, 6 de novembro de 2021

As Cavernas do Destino: Eclipse

 

Li com muito prazer e espanto a coletânea DESTINO: ECLIPSE, recentemente publicada pela Editora DM. O livro inteiro, todos os 14 contos, inclusive o meu “Cativos da caverna de Platão”, o penúltimo da série. Obedeci a ordem da edição, queria avaliar meu conto calibrado pelas estranhezas e surpresas da coleção. Deu certo, foi curioso relê-lo, agora, embalado pelas várias abordagens inesperadas da proposta/tema.

Antes de avançar é bom relembrar as premissas do livro. Eclipse é um planeta distante e especial, o primeiro ‘gêmeo’ da Terra encontrado - segundo as avaliações das Ciências - capaz de comportar vida similar à da Terra. Uma nave colonizadora é lançada, porém explode no início dos trabalhos de ocupação do planeta. O desafio era interessante, e os textos selecionados responderam com a imaginação solta.

Os contos não se aproximam, quase não convergem, são vastamente diferentes, novidades antes de tudo, tanto na abordagem física de Eclipse - flora, fauna, geografia e biomas – quando nos objetivos, sentidos e expectativas da missão e consequências do desastre.

Curiosamente dois vieses algumas vezes se repetem. Primeiro, vários contos acontecem em cenários de pântanos, mangues ou alagados; segundo, a maioria das histórias são pessimistas sobre o sucesso da colonização de Eclipse. Porque ninguém ousou um viés otimista?

Não gostaria de ser o ‘governador’ desta missão porque, pelo que os contos sugerem (talvez como na vida real, e especialmente num cenário pós catástrofe) não existe nenhuma convergência, considerando objetivos e metas. Em termos de literatura foi ótimo, os enredos resultaram surpreendentes e imprevisíveis.

Sobre meu conto, “Cativos da caverna de Platão”, sempre que lia o Mito da Caverna (e li muita vez na Filosofia da USP) divagava pensando na possível história de vida daqueles coitados aprisionados naquela situação. Brinquei com esta ideia na minha abordagem.

Quero mencionar quatro contos que surpreenderam de duas formas. Pela proposta e andamento narrativo: “Apocalipse em nós” / Heitor Zen e “Corpos Dormentes’ / Anne Domeneck. Também pela chave criativa que encontraram: “Piche” / A. Conti e “Comidas exóticas Fora da Terra” / Renato Alexandre.

Contudo, acho que é melhor ler o livro inteiro e fazer novas descobertas.


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

O PIANO EM CHAMAS DE NELSON FREIRE

 

Sou um fã intenso e discreto de Nelson Freire, tenho muitas lembranças dele de registros gravados e consertos ao vivo. Uma apresentação, contudo, é muito especial, permanece crepitante na minha memória, porque está enganchada num novelo de coincidências. Gostaria de relembrar e compartilhar esta performance neste dia triste: 1 de novembro de 2021, quando aconteceu a elevação da mestre pianista.

No início de 2008 a Sociedade de Cultura Artística recebeu um novo piano, uma máquina de fazer música, soberba, magnifica: um Steinway Concert modelo D, fabricado em Hamburgo. Foi tocado pela primeira vez num concerto pelo jovem pianista Pablo Rossi no dia 29 de abril de 2008. Estava na plateia para conferir. Obviamente fiquei extasiado, foi uma experiência transcendental ouvir a sutileza e amplitude daquela obra de arte da técnica moveleira e engenharia acústica.

Queria mais, corri para comprar entradas para a apresentação de Nelson Freire onde desafiaria aquela magistral obra prima dos instrumentos. Tive sorte, consegui um excelente lugar, bem na frente, no dia 08 de maio de 2008.

O programa era bem-concebido, amplo e diversificado – Mozart, Beethoven, Chopin, Debussy. Porém, minha memória insiste que achei pouco e insuficiente, tanto que cheguei em casa e foi ouvir mais Nelson Freire no meu sistema de som.

Nove dias depois, num sábado, dia 17 de agosto de 2008, fui acordado de madrugada pelo barulho estridente das sirenes dos bombeiros. Corri até a janela e pude ver o prédio do Teatro da Sociedade de Cultura Artística em chamas, tudo foi destruído, inclusive os dois pianos que a entidade possuía.

Apesar do desastre o piano 'estreante' cumpriu um destino nobre, o marfim de suas teclas incendiadas ainda retinha a lembrança da pressão dos dedos de Nelson Freire. Estava realizado, sabia que tinham tirado dele tudo que podia dar.