Atravessei empolgado os livros e contos da saga Fundação de Isaac Asimov. A vastidão do arco de tempo que a proposta abrange sempre me facinou. A ousadia de narrar a evolução da humanidade numa cronologia tão elástica, de dezenas de milênios – maior do que as grandes epopeias como Gilgamesh, Mahabarata e os mitos gregos e chineses - era deslumbrante, exigia grandeza e temeridade. A extravagancia e enormidade do empreendimento me encanta até hoje.
Na semana passada assisti os dez episódios disponíveis da série Fundação, na AppleTV. Gostei moderadamente das soluções tecnológicas, das belas concepções visuais do cosmo, das adequações de etnias e gêneros, mais coerentes com as perspectivas e desdobramentos históricos. Fiquei fã, pretendo acompanhar as próximas temporadas.
Contudo, passando um traço e fazendo a conta, é mais do mesmo, já vimos coisas semelhantes em The Expanse, Star Trek: Discovery, Picard e outros universos de ficção. Infelizmente, na Fundação da Apple, com a migração da mídia, não veio junto a pulsão e a temeridade da História do Futuro que empolgava, dava sentido e amarrava as coisas em Asimov.
Entendo isso, na Música Clássica acontece muito. Todo Maestro ou Diretor de Ópera quando vai interpretar uma sinfonia ou montar uma ópera precisa decidir se vai respeitar o original ou inovar audaciosamente. A segunda opção é sempre mais excitante, pode acabar em acertos geniais ou erros colossais. Já assisti a tetralogia ‘O Anel dos Nibelungos’ de Wagner remontada como uma guerra da Máfia.
Um livro é uma série são coisas distintas. A escrita é uma deliciosa aventura pessoal e solitária – na maioria das vezes livre. Talvez seja impossível manter o sentido, dimensão e coerência da saga trabalhando em equipes ou grandes grupos, com apertados cronogramas, interesses diversos, visões divergentes e objetivos econômicos explícitos, imediatos e incontornáveis
Apesar dos limites da série, algumas coisas resultaram muito interessantes, extensões do universo de Asimov. O detalhamento da intrincada estrutura da dinastia dos imperadores. O explicitação das senhas e procedimentos de segurança das naves e de Trantor. A grandiosidade de uma civilização de milhões de mundos, bilhões de indivíduos – inacreditavelmente humanos. E sobretudo alguns detalhes, curiosidades, imaginados pelos roteiristas e diretores.
Estou esperando outras temporadas, e sobretudo como será o ‘Mulo’.