sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

| 2023set29 – Aqueduto de Povoa de Varzim / Portugal |

 

É um pouco estranho para nós, cidadãos de Pindorama, quando viajamos de carro pela Europa, encontrar, depois de cada curva, atrás de todos os morros, alguma ruina romana ou medieval. Parece que preexiste um rascunho, um esboço do que devemos fazer.

E, para complicar, a minuta é de excelente qualidade, difícil de superar.

Sempre me espantam os aquedutos romanos, omnipresentes, imensos, elegantes. Poderosos e eficientes.

Para mim, parecem ao mesmo tempo uma pauta de música e um enigma/desafio a ser decifrado.


quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

| 2023set17 – Castelo de Montesquieu – Brède/França |


Estava agendado, visitar La Brède, Aquitânia, França, perto de Bordeaux, o Castelo de Montesquieu, o sábio. Queria conversar sobre nuances e contornos dos Poderes.

Era perfeito, exatamente o que a História conta sobre a vida de um poderoso barão do século XVIII. Um ‘chateau’ dentro de um lago, no meio de extensos jardins. Esperei a próxima sessão, tramando fugir da multidão. Falhei, rápido, um bando loquaz se perfilou atrás de mim.

Entrei no castelo, um cenário ‘oscarizado’ de filmes de época. Pior, percebi que era a matriz dos modelos. Andei devagar, valeu a pena, o batalhão era apressado e afoito. Enfim encontrei o homem que inventou a Política moderna. Estava sozinho e sorria. Turistas são loucos e engraçados.

Parabéns Barão pela invenção dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Respondeu desesperançado.

A ideia parecia boa, mas o dinheiro corrompe tudo. Sobretudo o poder.  


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

2023set08 – Castelo de Kronborg – Helsingor / Dinamarca


Fui até Helsingor | Elsinore, para visitar o castelo de Kromborg, onde Hamlet persistiu em navegar entre a insanidade e o bom senso. Entre a vida e o teatro.

É o ponto mais oeste da Zelândia – quase toca a Suécia [4  kms]. Lugar perfeito para construir uma ponte entre Ingmar Bergman e William Shakespeare.

Procurei o herói ambíguo por todas as muralhas, ameias, torres, passadiças e casas de armas, sem encontrar. Estava um dia de sol, porém miasmas confrontavam o céu azul e assediam as torres. 

Mesmo assim não encontrei. O príncipe prefere cenários ambíguos, penumbra, meios tons e encenações.

Decidi procurar nos subterrâneos, escuros, silentes, entrelaçados e intrincados. Só encontrei Ogier | Holger  que ensimesmado cochilava. Dizem que vigia, só vai acordar quando a Dinamarca estiver em perigo.

Resolvi aguardar junto.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

2023/09/15 – Abadia de Fontevraud – Anjou / França

 

Fui até a Abadia de Fontevraud, em Anjou, visitar o túmulo de Ricardo Coração de Leão. O lendário Ricardo I, Rei da Inglaterra que passou muito pouco tempo na ilha velha. Era um príncipe de muitos reinos – herdados, conquistados e poucos reinados. Gostava de campos de batalhas, não de cortes e gabinetes.
Aparece nos livros de História, porém esta mais presente no imaginário, mitos e lendas os homens. Uma figura mítica, múltipla, multiplicada, omnipresente na Cultura Ocidental.

Esperei que a última pessoa saísse antes de começar a conversa.

- Rei Ricardo não é insensato morrer por causa de uma flecha vadia?

Demorou para responder, é difícil encaixar o momento certo na eternidade.

- É, muito. Mas este é o sentido e o tesão da batalha. Até fui cumprimentar o arqueiro antes de morrer.

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

2023/setembro/13 – Amboise / França

 

Fui até o Castelo Clos Lucé encontrar Leonardo. Sabia que devia espera-lo perto do Homem Vitruviano. Vaidoso acredita ser esta a melhor versão de sua imagem.

Quando chegou o bronze lucilou e vibrou na clave de sol. Ele começou a conversa.

- Passeio pouco, mas como você gosta de ler e especular sobre minha vida, concedi recebe-lo.

Inclinei a cabeça e fiz a pergunta que me inquietava.

- Mestre manteve sempre consigo a Mona Lisa?  Porque? Nunca acabou de pinta-la?

Uma brisa vergou as árvores, estranhamente em dois movimentos: inspirar, expirar.

- Por causa do ‘sfumato’ da minha memória.

Inspirar, expirar.

- Cada vez que olhava o quadro percebia que ainda não havia decifrado todos os mistérios da Senhora Lisa Gherardini.


terça-feira, 3 de outubro de 2023

2023/setembro/03 – Lisboa / Portugal

 

Em Lisboa fui visitar Adamastor, o titã irado e apaixonado, dizem que Fernando e Ricardo Reis gostam de contemplar o Tejo lá do alto.

A vista é viciante, viajamos nela. De repetente o poeta emanou do meu lado, verde-fosforescente, parecia volátil, apressado e eterno.

Falava lentamente, lapidando as palavras com a língua.

- Cresci no Cabo, me desassossegava mais o Adamastor de lá.

- De dentro do espanto comentei.

- Poeta, soube que Ricardo Reis costuma perambular por aqui.

- Ricardo é um radical livre. Na morte eu e meus heterônimos deveríamos nos juntar, mas ele reluta. Avoado e irrequieto gosta de escapulir para o Brasil. É mais fácil encontra-lo perto da biblioteca de seu amigo (dele) Mário de Andrade.

 Silenciou e lentamente se dissolveu.     


segunda-feira, 10 de julho de 2023

2023/maio/02 – Mosaicos – Basílica San Vitale / Ravena - Italia

 

Algumas igrejas visitamos pelas pinturas, como a Capela Sistina – Roma. Outras pelos vitrais, como a Sainte Chapelle – Paris. Porém, se for pelos mosaicos, na Europa, é preciso conhecer a Basílica de San Vitale – Ravena, do século VI, uma das mais impressionantes coleção do ocidente.

Os mosaicos de Constantinopla são mais profusos, perfeitos, espantosos, imensos e variados. Porém a Igreja de Santa Sofia é gigantesca, infinita, os desenhos de pedras chamam atenção, enfeitam, porém não enchem ela inteira.

Passei uma tarde infinita sentado, mudando de bancos, para apreciar melhor os desenhos, olhando para cima, trespassado. Parecia esta dentro de um porta joia, tudo era perfeito, colorido e inimaginável.

Tentei me colocar no lugar de um homem do século seis, embasbacado, defronte aquela profusão de cores. Porque os mosaicos, antes dos vitrais e das tintas modernas eram o maior espetáculo multicolorido possível de se admirar. A única comparação que me veio à cabeça foi o meu colossal espanto, quando garoto, com o CinemaScope.


sexta-feira, 23 de junho de 2023

2023/maio/15 – Castel del Monte - Puglia / Itália


Vi fotos do ‘Castel del Monte’, muitas. Me espantava sempre o arrojo e a modernidade da arquitetura, a desafiante beleza da construção.

Precoce, porque foi construído em 1280, uma excrescência frente aos ‘riscos’ e desenhos dos outras fortificações daquela época.

 Não existe nenhum castelo como ele. Na verdade não deveria nem ser chamado de castelo. Não possui cozinha, nem estrebaria, nem depósitos de alimentos. Seus sistemas de defesas são belos, mas ineficientes.

É uma joia, um jogo de xadrez octogonal, uma escultura, um relógio de sol, um enigma, a replica em pedra de uma coroa, um desafio de Geometria.

A concepção é atribuída a Frederico II da Suábia, por acaso grande amigo de Leonardo Fibonacci, que brincava com sementes de infinitos, por isso incontáveis dúvidas persistem, multiplicando-se.

Infelizmente, no dia que consegui visita-lo, choveu imensamente. Quem sabe tenha sido um aviso. Devo mantê-lo na memória assim onírico, nebulado, envolto em brumas e neblinas.


domingo, 18 de junho de 2023

2023/maio/28 – Reggio Calabria / Italia

Para conhecer os fantásticos e incomparáveis ‘Bronzi di Riaci’  – do século VII a.C. - é preciso atravessar incontáveis camadas de Tempo e viajar para a unha do dedão da Itália: Reggio Calabria, cidade resiliente, tatuada por terremotos.

No mundo inteiro existem cinco estátuas helênicas de bronze completas, duas delas (as melhores, já visitei as outras três) resistem no Museu Nacional da Magna Grécia.

Porque são tão raros os bronzes clássicos? Porque existem tão poucos?

Por causa do material. São de bronze. Nas guerras antigas os primeiros escolhidos para virarem armas. Estas duas obras de arte salvaram-se porque permaneceram – até ontem, 16 de agosto de 1972 - quietas e submersas, a 6/8 metros, numa praia do Mar Jônico, sul da Itália. Naufrágio, descarte de peso? Anda não sabemos a verdade inteira. 

Foram descobertas por um mergulhador amador guiado pelo acaso.

O mais importante, porém, vai além desse enredo de Indiana Jones, está nas próprias obras.

Fiquei longo tempo apreciando essas duas excrescências maravilhosas, são impressionantes. Não sei se a qualidade artística delas foi ou será algum dia alcançada novamente? Acho que não. Cada nervo, torção, gesto, zona corporal é perfeita. E, pode-se descartar o acaso, as tramas da sorte nos deram duas, uma confirma a outra.


segunda-feira, 12 de junho de 2023

2023/mai/18 – Ceglie Messapica – Puglia/Italia

Passei trinta dias (maio/23 inteiro) de carro, visitando o litoral da Itália. De Veneza a Sorrento/Capri. Barriga da perna, tornozelo, calcanhar e pé da bota. Com o desmesurado privilegio de poder degustar a variada e viciante cozinha da península.

Isso não é pouco, nem fácil. Agora cada vez que pedir um prato italiano, preciso considerar que tenho registrado na cabeça um paradigma, talvez imbatível.

Porém – o inesquecível – foi uma ‘lasanha a carbonara’ que os deuses me serviram em Ceglie Messapica, cidade de menos de 20 mil habitante, entre Monopoli e Brindisi.

Devo esse favor – aproveito para agradecer – à Poste Italiane. Estávamos perdidos vagando pelas ruas desertas de Ceglie Messapica, sob o sol do meio dia, quando um carteiro que nos observava resolveu intervir.

- ‘Posso aiutarli?

Respondemos num brasiliano do Brás.

- ‘Estamos procuramos um buono restaurante’

- ‘Ti dirò cosa mi piace di più.’ E nos ensinou a chegar lá.

Erámos os únicos clientes, avisado, o dono esperava de mesa posta.

Italiano? Na dúvida sempre peço lasanha. Era simples, sem molho, sem nada, as camadas da divina massa italiana eram intercaladas por recheios de queijos e temperos e sobravam tostadas de todos os lados.

Comi devagar, economizei e não reparti com ninguém.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

2020/nov/25 – Agora S.Paulo é mais verde?

São duas fotos irmãs, porém com idades diferentes. 45 anos as separam.

A primeira é um fotograma do filme ‘DESEJO’, de Walter Hugo Khuori, lançado em 1975.

A segunda, ‘florestal’, tirada em novembro de 2020, do mesmo apartamento onde o filme ‘DESEJO’ foi filmado, obedecendo absolutante os mesmos enquadramentos.

As arvores cresceram vigorosamente, porém perderam o jogo. Porque, febricitantes,
irromperam infinitos edifícios na região que árvores e verde tornam-se cada vez mais e mais estranhos e desproporcionados na exótica paisagem diatópica.