A Cultura Pop tem uma curiosa reação aos temas, autores e
obras, prefere gravitar em torno do deles do que abordar diretamente o
objeto de interesse. Lembra aquelas belíssimas borboletas de Lorentz da Teoria
do Caos, resultantes das diversas tentativas de aproximações dos atratores
estranhos. Sugerindo que talvez a beleza esteja na busca, não na decifração do mistério.
A Divina Comédia é um dos principais atratores estranhos da
Cultura Pop. Filmes, romances, sagas, teses e músicas orbitam este colossal monumento
do inicio do Renascimento.
Na verdade a obra prima de Dante, ela mesma, já prenunciava uma
produção Pop, porque promoveu a mais ampla reavaliação, popularização e
ressignificação de todos os grandes sistemas, poemas e epopeias que a
precederam. Vasta e ousada súmula, escrita em italiano vulgar, que popularizou, reavaliou e classificou todos os episódios
e personagens da historia e ficção antiga, distribuindo-os pelos seus tríplices
mundos – Inferno, Purgatório e Paraíso. Assim ler Dante é embarcar numa viagem
guiada pelos poetas – Dante e Virgílio – para o mundo pré Renascimento.
A enumeração das influências da Divina Comédia na cultura recente poderia
começar pelo O Senhor dos Anéis, por exemplo. A caminhada dos hobbits para
destruir o anel remete também à peregrinação de Dante e Virgílio pelo Inferno e
Purgatório. Continuar com Hannibal, the cannibal – romance, filme e série – que
revisitam horrores e assombros dantescos. Prosseguir com o Inferno, agora de Dan Brown, que passeia pelo velho poema sugerindo correlações entre a superpopulação e
as paisagens infernais. As estantes sobre o poeta e sua criação crescem cada vez mais, um universo em perpétua expansão.
Lendo o Leitor da Divina Comédia
Durante o segundo semestre de 2017, induzido pela excelente
biografia Borges: Uma vida de Edwin Williamson, que explora longamente a figura
do argentino como leitor de Dante, resolvi empreender uma demorada e detalhada
releitura da Divina Comedia, com uma novidade, substituir os guias Virgílio e
Beatriz pelo Google, muito mais esperto. Foi uma peregrinação reveladora, interessante,
variada e inesperada.
Borges, um dos epígonos da pós modernidade e também um atrator
estranho da Cultura Pop, se acreditava um leitor privilegiado, quase um
confidente do florentino. No Último Sorriso de Beatriz (Nueve Ensayos Dantescos [1982])
deixou uma interpretação icônica do poema. Argumenta que a despedida do poeta e sua musa é a mais doce e dolorida cena
de adeus de toda a Literatura.
Fissurado no presumido diálogo entre Borges e Dante, Edwin
Williamson, o biografo inglês, desenvolveu uma tese arriscada – e talvez
excessiva – que pretende decifrar o sentido da vida do memorioso cego de Buenos
Aires através da relação entre Dante e Beatriz.
- (a) Como Borges acreditava possuir uma interpretação reveladora da obra de Dante. Apostava que o poema havia sido escrito para possibilitar ao florentino realizar um sonho impossível. Especificamente, dizia que os 100 Cantos da obra eram somente um pretexto para fantasiar seus presumidos encontros e conversas imaginários com Beatriz, coisa ressonhada que jamais aconteceu durante a vida do poeta.
- (b) Por similitude e emulação – para o biógrafo inglês – o mestre portenho passou a acreditar que, se também encontrasse sua Beatriz, conseguiria inspiração para escrever uma obra prima que sobreviveria ao Tempo. Por isso buscava em toda mulher de quem se aproximava a revivescência da antiga musa celestial.
Curiosamente, no conto mais conhecido de Borges, Aleph –
dedicado a Estela Canto, uma das candidatas a musa, o nome da personagem
feminina central é Beatriz, que aceita a corte do autor, porém não lhe concede
o amor.
7 Salvados do Inferno
Durante minha leitura da Divina Comédia alguns personagens me pareceram
descolados no Inferno de Dante, daí resolvi escrever poemas sobre sete deles
para registrar esta estranheza e promover a salvação deles. Na ocasião lembrei de um curioso procedimento
criativo que o pessoal do Cinema (sobretudo depois do Dogma 95) curte: dogmas. Então, para brincar, decidi criar um conjunto de dogmas como paradigma para o trabalho planejado. Assim apareceu o Dogma
Dante com algumas regras básicas:
1 - Os poemas seriam compostos em tercetos de Dante. Deveriam ter cinco estrofes, o verso intermediário do quinto terceto retoma a rima dos versos exteriores do primeiro. Quinze versos na seguinte estrutura: aba bcb cdc ded eae. Ou seja, cinco tercetos formariam o ‘soneto de Dante ou danteto'.
2 - Um pouco inspiração e homenagem ao excepcional A Máquina do Mundo de Drummond, os versos seriam longos, wagnerianos e dissonantes, com 13,14 ou 15 sílabas.
3 - Cada poema teria uma referência transversal, ou intervenção de
um comentador externo.
4 – E (a regra de ouro de qualquer bom dogma) todas as exceções
necessárias seriam permitidas.