sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Eternos 3 Segundos


Estou ficando velho, por isso muita vez sonho que estou jogando futebol – talvez o maior prazer que tempo me roubou. Nas pelejas oníricas tenho sempre 17 anos, folego suficiente para cruzar o campo incontáveis vezes.

As versões variam, gosto especialmente de um dos gramados. Verdíssimo, enlaçado pela curva em declive de uma estrada de terra. Com traves e linhas de cal recém-pintadas, vaidoso e convidativo. Recém molhado, debaixo de uma nuvem tremeluzente de gotículas de vapor, prismatizando a luz do sol de viés.

Recentemente – como benção dos deuses da bola - uma jogada tem se repetido, nela revivo um gol perfeito.

Se sobrepondo ao fluxo das reminiscências, com a quietude impressentida mencionada por Carlos Drummond de Andrade, “a Maquina do Mundo se entreabriu”, "sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável”, a cena então se desenrola...

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... na intermediária, do lado esquerdo, atrás do círculo central, de cabeça ganhei a bola do volante que tentava me chapelar e disparei para o ataque. Abobalhado, na linha do meio campo, o adversário apenas assistiu minha corrida. O jogador vencido, três ou quatro passos atrás, me perseguia indignado. Porém, eu continuava avançado livre e determinado. Driblei o zagueiro atrasado que tentou interceptar a arrancada e comecei a me deslocar para a direita, a minha perna boa. O goleiro, aflito e desesperado, abandonou a pequena área e também foi driblado. Então respirei fundo, acertei os pés no chão e chutei com firmeza. A rede balançou e a eternidade se deteve. Sobreveio aquela sensação de plenitude, prazer e êxtase absoluto, que o Renato Gaúcho garante ser igual a um orgasmo...

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A jogada durou exatamente 33 segundos. Posso vê-la, revê-la e cronometra-la quantas vezes quiser. A 'Máquina do Mundo' me permitiu retroceder 45 anos e no vigor da juventude reviver como protagonista um gol absolutamente fabuloso, igual aquele que César Sampaio marcou contra o São Paulo na semifinal do Brasileirão de 1993.



'A MÁQUINA DO MUNDO"
de Carlos Drummond de Andrade
foi eleito como o mais importante
poema brasileiro  no século XX.