segunda-feira, 24 de novembro de 2014

SAUDADES DOS LIVROS LIDOS - Clarice Lispector


Muita vez, correndo os olhos pelas estantes das livrarias – ou dos amigos, passamos por territórios literários que já exploramos com prazer em longas leituras: Machado de Assis, Fernando Pessoa, Drummond, Dostoiévski, Hesse, Proust, Borges... Galáxias de saudades coruscantes.

Estes olhares pervagantes são perigosos, porque atiçam e avivam um tipo muito peculiar de emoção: as 'saudades dos livros lidos'.

Infelizmente, mesmo os melhores livros, a gente só lê uma vez. Depois só é possível revisitar, relembrar ou matar saudades. Ler de verdade – com excitação, pressa, curiosidade e fôlego preso – só a primeira vez.

É impossível descrever a vertigem de sentimentos que as primeiras leituras dos bons livros desencadeiam nas almas dos leitores sensíveis. Uma experiência singular que cada pessoa vivencia apenas uma vez. Feito as grandes paixões, são vincos e dobras que marcam nossas almas para sempre.

Não existe escapatória, podemos reler infinitas vezes; revisitar os trechos preferidos; estudar as melhores passagens e capítulos; decorar pedaços inteiros; escrever teses de mestrado... Porém, nunca recuperamos o impacto do primeiro contato.

Como não se deslumbrar e se entregar às dubiedades de Capitu, de Dom Casmurro? Não se maravilhar com as peregrinações de Harry Haller, o ‘outsider’ d’O Lobo da Estepe? Não se arrepiar com a descida aos instáveis interiores de Raskólnikov, no Crime e Castigo? Reviver as incertezas de Riobaldo, nos Grandes Sertões: Veredas? Sentir uma incômoda solidariedade com Gollum no Senhor de Aneis?

O mundo dos livros têm infinitas veredas, cada leitor cria seu próprio itinerário. Contudo o primeiro contato com um livro é sempre mágico: inesquecível e, infelizmente, irrecuperável.

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Quando temos sorte, algum dia, por casualidade, alguém nos fala, ou lemos num artigo, ou esbarramos numa livraria com um novo e desconhecido autor (Elias Canetti, Kawabata Yasunari, Osman Lins?). Parece que descobrimos uma galáxia ainda não catalogada. Somos presenteados com uma nova, longa e excitante exploração. Dependendo da velocidade de leitura são meses ou anos de novos prazeres inesperados. Um dia, de repente, o novo fica velho, cartografado no nosso mapa de delícias, e vira 'saudades dos livros lidos'.

Por isso – mesmo sendo uma resolução insana  – é recomendável guardar algum autor, comprovadamente bom, sem nunca lê-lo. Preservar, resguardada na estante, esta chance do deleite inigualável da primeira leitura.

Deve-se abster, inclusive, de folhear os livros do autor reservado para não cair na tentação de começar a ler. Porque não dá para saber se algum dia não seremos abduzidos para uma ilha deserta, com direito apenas a uma escolha?

É como pagar um seguro ou fazer um investimento no futuro.

Eu, por exemplo, apesar da curiosidade, apenas olho fotografias de Clarice Lispector (minha reserva pessoal), posso até ler sua biografia e suas citações. Entretanto, nunca  fraquejo e me atrevo a abrir algum dos seus livros. Porque, tenho certeza absoluta, ela é tão boa que, inexoravelmente, depressa, vai se converter em uma nova 'saudade dos livros lidos'.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

As 32 Colunas da Sala São Paulo


Como nos livros de Dan (Código da Vinci) Brown S.Paulo é cheia de tramas e referências (numéricas e simbológicas) cruzadas e correlações camufladas entrelaçando a História, Arquitetura e Artes em geral.

 Por exemplo, quem frequenta a Sala São Paulo, se contar as elegantes colunas compósitas dentro do Auditório, constatará que totalizam 32. Não por acaso o ano da Revolução Constitucionalista, 9 de julho de 1932. Talvez a data de maior significado para as tradições cívicas paulistas e paulistanas.

 O engenheiro-arquiteto Christiano Stockler das Neves era um paulista tradicional e apaixonado. Formando em 1911 pela Universidade de Pensilvânia, construiu talvez o primeiro aranha-céu da cidade, o Edifício Sampaio Moreira, endereço da centenária Casa Godinho. Ativo, apresentou projetos para as Estações do Norte (Brás) e D. Pedro (Rio); organizou o Faculdade de Arquitetura do Mackenzie; e foi prefeito de S. Paulo por cinco meses. Um currículo de competência e dedicação à cidade.

A histórico da construção da Estação Sorocabana é descontínuo e turbulento. O espaço onde estão as 32 colunas – origem do Auditório da Sala São Paulo - anteriormente era um jardim interno de teto aberto. O projeto é 1925, os trabalhos começaram um ano depois, em 26, antes da revolução. Nos anos de 28/29, por causa das trepidações da Economia, o projeto foi postergado e simplificado, o que levou Christiano Stockler das Neves a abandonar o empreendimento, e inclusive processar a Sorocabana exigindo preservação da planta contratada. Perdeu.

 Na retomada foram priorizadas e construídas antes as plataformas de embarque. O edifício completo e acabado, porém modificado, e com o nome de Estação Júlio Prestes – um paulista eleito presidente, mas impedido de assumir - foi inaugurado apenas em 15 de outubro de 1938

Quem sabe Dan Brown não seja só um maníaco. Quando lembramos das grandes construções e monumentos de S. Paulo antigo, como o Edifício 'Ouro para o Bem de São Paulo', construído com as sobras do dinheiro da campanha ‘Doe Ouro para o Bem de São Paulo’; ou do Obelisco aos Heróis de 32, no Parque Ibirapuera; cheios de referências numéricas de efemérides e dados cívicos paulistas, as dúvidas e mistérios aumentam:

As 32 colunas são somente coincidência?


DIMARCO, Ana Regina e ZEIN, Ruth Verde  Sala São Paulo de Concertos - Revitalização da Estação Júlia Prestes: O Projeto Arquitetônico / Arquiteto Nelson Dupré - São Paulo / 2001 - Editora Alter Market