segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O Fauno antes da Musa

 

Para tomar um café no 'Floresta' (Copan), o melhor caminho é cruzar o Bosque dos Bispos. Um capão de alamedas sombreadas que cobre a Praça Dom José Gaspar, entre a Biblioteca Mário de Andrade e a Galeria Metrópole. Existe uma história interessante sobre este local, uma lenda urbana ramificada em várias versões.

Enquanto trabalhava no Monumento às Bandeiras Victor Brecheret, nas horas vagas, esculpia seu famoso 'Fauno'. O Prefeito Prestes Maia viu o modelo em terracota e calculou que ficaria muito bem acomodado no parque que planejava construir nos fundos da Biblioteca Municipal. Queria atender o desejo do Arcebispo Dom José Gaspar – que morreria num acidente de avião, em 1943, junto com Cásper Líbero - registrado na cessão do terreno, sugerindo a preservação dás arvores, porque gostava de orar na sombra delas.

O 'Fauno' foi para o local escolhido, bem atrás do prédio da Biblioteca Municipal. Mas o povo cismou que era um deus pagão e começou a oferecer prendas e velas votivas. Aquela devoção não agradou os paulistanos que começaram a resmungar: “Bem ali! No gazebo! Na sombra das árvores onde bispos e arcebispos oravam e liam seus breviários? Parece provocação!”

Aqui os sendeiros se embaraçam, existem muitas versões. Porém, num site da Prefeitura, consta que, em 1947, Dona Matilde, esposa do Interventor Federal José Carlos de Macedo Soares, logo que soube dos falatórios, sugeriu levar o 'Fauno' para o Parque Siqueira Campos (o Trianon), defronte o futuro MASP.

No espaço vago do bosque foi colocado um cruzeiro de granito, registrando que ali os Arcebispos meditavam e rezavam.

Atualmente a praça também acolhe quatro pétreos poetas: Camões, Cervantes, Goethe e Dante, que conversam, silenciosa e interminavelmente.

O 'Fauno', que principiou a vida quase excomungado, hoje vive feliz e faceiro. Primeiro, porque seu próprio criador, Brecheret, escolheu o local ideal para acomoda-lo; segundo, porque passa os dias folgadamente lançando olhares libidinosos para o cofrinho da Musa 'Aretusa'.


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

| A aula peripatética do Prof. José Cavalcante de Sousa |


Nos fins dos anos 70 estudava Filosofia ‘Pura’ na USP, sempre à noite. Durante o dia aprendia Engenharia de Computação, na prática, programando e testando.

Uma das aulas foi especial, extraordinária, inesquecível. Por isso a mantenho cuidadosamente na Dobra 01 da memória. O mestre era o Professor Doutor José Cavalcante de Sousa – o Platão que me foi dado conhecer.

É fácil lembrar-se dele, um refinado helenista. Entre muitas outras coisas, organizador e supervisor do primeiro volume da Coleção ‘Os Pensadores’ da Abril Cultural, sobre os Pré-Socráticos. Um marco na bibliografia filosófica brasileira.

Era uma noite fresca de inverno, talvez agosto, céu limpo. Quando entrou na sala o mestre informou que aquela lição seria especial – peripatética - faríamos uma caminhada.

Saímos do prédio da Filosofia em direção à Praça do Relógio da USP. Um batalhão de vinte e poucas pessoas, embasbacadas, surpresas, levitavam em torno do nosso mentor, donde evolava a perfumada fumaça do cachimbo, mantido aceso por porções de fumo que tirava do bolso do paletó.

Hoje sei que foi um privilegio aprender Platão com o velho Mestre, dezenas de vezes constatei que ele conhecia todos os diálogos de cor, porque eu sempre acompanhava com o livro aberto suas longas citações, sem nenhum erro, as vezes repetidas em grego clássico.

O passeio terminou numa tenda armada no meio do gramado, onde aconteceu o restante da aula.


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

|2023mai19 – Cripta de San Biaggio – Apulia / Itália |

 

Entrar na cripta de San Biaggi – Apúlia/Itália - é acrônico, se perder no Tempo. Uma imensa caverna, grande suficiente para abrigar uma pequena comunidade.

Na verdade já foi uma pequena cidade. Existem registros e documentos relatando resquícios de um templo pagão e de que foi habitada continuamente por comunidades desde V d.C.

Mas o que faz a gruta excepcional são as maravilhosas pinturas rupestres que enfeitam e elevam suas paredes.

Os maravilhosos afrescos são de 1196, século XII, foram pintados por Daniele (e Martins?). Ilustram reiterados temas católicos e têm referencias bizantina. Estão em muito bom estado de conservação, considerando que atravessaram quase um milênio.

Suas cores resplendem e resistem aos corrosivos e inexoráveis ataques do Tempo e ainda hoje nos elevam e encantam.