segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

| 2023mai04 – Rimini - Italia |


















Havia muitos motivos para visitar Rimini, um dos pontos famosos e agitados do Mar Adriático. Contudo, apesar do acúmulo de passados – etruscos, úmbrios, gregos, gauleses e romanos - espalhados pela cidade, o motivo que me carregava era outro.

A compulsão nasceu, cresceu e maturou dentro de mil nas salas escuras dos cinemas paulistanos, quando tentava desvendar Federico Fellini, o mais 'próximo', porém estranho e indecifrável dos diretores italianos.

Na cidade, além de conhecer o Cine Fulgor, que o mestre frequentava, de brinde ganhei, uma belíssima praia, mais o Arco de Augusto e a Ponte de  Tiberio, até hoje impunimente cruzada por carros.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

| 2023set23 – Santiago de Campostela – Espanha |

Durante uma longa e deliciosa viagem de carro de Paris até Lisboa, durante as paradas da rota, em várias cidades, cruzei e conversei com centenas de peregrinos que pertinazmente percorriam os milenares caminhos – franceses, espanhóis e portugueses - que levavam a Santiago de Campostela.

Era interessante conversar sobre as motivações para a viagem e a extensão do caminho que se propunham a percorrer.

Mais uma coisa, independe das variadas histórias, tinham em comum: todos pareciam estar vivendo um momento especial e transcendental.  Àquela hora que passamos um traço e nos propomos a resolver a complexa equação da vida.

Eu também fiz minha peregrinação, durou duas horas a caminhada, desde o hotel que estava hospedado até a praça dos peregrinos

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

| 2024jul17 – Alcinópolis – Mato Grosso do Sul |

 

Fui até Alcinópolis, no ‘Templo dos Pilares’, Mato Grosso do Sul, quase na divisa norte do estado. Precisava comtemplar as pinturas rupestres que nossos antepassados nos deixaram a 12.000 anos.  Quando o homo sapiens explorava os cantos da América.

Os desenhos são estranhos, belos, cifrados e misteriosos. Primeiros rabiscos da comunicação humana. Deixam a sensação de que, a qualquer momento, o véu vai subir e vamos entender todas aquelas mensagens rabiscadas nas pedras.

De repente, dentro daquele novelo atemporal que me envolvia, duas ideias me assaltaram.

A primeira conduzia às Cavernas de Platão, aos primeiros homens encerrados num desvão escuro, que só conheciam o mundo pelas sombras, imagens projetadas nas paredes de pedra.

A segunda, mais arrevesada, era uma interrogação. Tentava avaliar o tamanho do salto entre uma saraivada de flechas e a fórmula de Einstein, ‘e=mc2’, que, pretenciosa, tenta relacionar o Tempo – que inexorável nos arrasta – e toda a matéria do universo.

Será que os homens das cavernas  já engendravam esta soberba?

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

3 VEZES TCA ꟷ TEATRO DE CULTURA ARTISTICA

 

>>>>>   O8 de Maio 2008

No início de 2008 a Sociedade de Cultura Artística recebeu um novo piano, um instrumento magnifico, soberbo, um Steinway Grand Concert Modelo D, fabricado em Hamburgo.

Para inaugura-lo aconteceram duas apresentações. A primeira, meio íntima, com o jovem pianista Pablo Rossi, no dia 29 de Abril de 2008. A segunda, ‘oficial’, com Nelson Freire, em 08 de Maio de 2008. Mozart, Beethoven, Chopin, Debussi.

Assisti ambas, o piano ‘calouro’ passou magistralmente em todos os testes. Foram duas experiências transcendentais, ouvir a sutileza e amplitude daquela obra de arte da técnica moveleira e engenharia acústica.

 

>>>>>   17 de Agosto 2008

Cento e dois dias depois, num sábado, fui acordado de madrugada pelo ensurdecedor barulho das sirenes dos bombeiros. Corri até a janela da varanda e pude ver o prédio do Teatro da Sociedade de Cultura Artística ardendo, sendo devorado pelas chamas, foi tudo destruído, também e sobretudo o piano estreante. Que certamente ainda retinha a lembrança dos dedos de Nelson Freire no marfim do teclado.

 

>>>>>   7 de Setembro 2024

Foram 16 anos de espera, mas, enfim, voltei a ouvir um pianista imperando no TCA, como um modelo similar de piano [Steinway Grand Concert Modelo D]. Lang Lang visitando Fauré, Schumann e Chopin, mum salão novo e repaginado.

Contudo, durante toda a apresentação cruzava pela minha memória lembranças da sala antiga. Um problema da álgebra dos sons quase insolúvel, vai ser difícil equilibrar os pratos da balança mnemônica que pesam o antes e o agora.


sábado, 8 de junho de 2024

Viagens para “A Ilha dos Mortos”

 

O quadro ‘A Ilha dos Mortos’, pintado por Arnold Böckling em 1880, é um atrator estranho da Cultura Ocidental. Foi visitado por quase todas as artes: Cinema, Teatro, Literatura, Música (Clássica, Rock), Pintura, Games... O próprio autor – em seis anos - retomou o tema outras quatro vezes.

Einstein, Freud, Chamberlain e a maioria dos lares alemães (infelizmente até Hitler) gostavam de ter nas salas e gabinetes uma versão d’A Ilha dos Mortos’ para refletir sobre a finitude da vida.

Gosto muito deste quadro, tive até uma compulsão ‘voyeur’, visitei todos os museus em que as cópias estão expostas. Mas ainda era pouco, PRECISAVA TER MINHA PRÓPIA CÓPIA. Consultei uma empresa europeia: mil euros.

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Um dia, em 2006, na infância da Internet, flanado pela rede, encontrei um anúncio provocador: ‘Copiamos qualquer quadro’. Enviei um e-mail, citando a versão de Berlim.

A resposta veio de uma Faculdade de Artes da China, assinada por Francis Wong. “Fazemos a cópia. De que tamanho?’ Respondi: “Igual a original: 150 x 80 cms”. Três dias depois, “Preço US$ 80. Metade na encomenda, metade na entrega. Trinta dias para o trabalho.” Arrisquei, mandei o primeiro pagamento.

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Uns 60 dias depois comecei a me preocupar com o silêncio. Aos 90, mandei e-mail. “Tudo bem com a minha cópia?”. No dia seguinte: “É férias aqui. Todo mundo está passeando. Mas como está com pressa vamos passar você na frente.” Comecei a me preparar para perder quarentinha.

De repente, semanas depois, um e-mail: “Estou mandando uma foto da cópia. Olhe bem, se gostar são mais 90. Os 40 restantes e 50 para a remessa”. Ampliei, examinei, imprimi, mostrei para amigos. Todos concordavam era uma boa reprodução.

Mandei os 90 e perguntei: “Como vão enviar?” Francis Wong respondeu: “Nós sabemos como fazer as coisas”. Esperei mais calmo. A qualidade da cópia, permitia alguma confiança.

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Vinte dias depois recebi um cano plástico branco de 13 por 90 cms (esses de instalações hidráulicas). Dentro, ainda cheirando a tinta, uma excelente e cintilante tela da famosa pintura ‘A Ilha dos Mortos’, versão Berlim. Francis Wong ainda me prometia um brinde: garantia que quanto mais as tintas secassem, melhor ficaria a pintura. Mas as surpresas ainda não tinham acabado.

A cópia tinha algumas peculiaridades e detalhes inusitados, que fazia dela uma versão originalíssima, absolutamente única do mundo. Engenhosamente escondidas na imagem, por todo o quadro, haviam sutis caricaturas de rostos chineses, que só com muita atenção podem ser descobertos.

Escrevi a Francis Wong agradecendo, especialmente pelo presente secreto.



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O Fauno antes da Musa

 

Para tomar um café no 'Floresta' (Copan), o melhor caminho é cruzar o Bosque dos Bispos. Um capão de alamedas sombreadas que cobre a Praça Dom José Gaspar, entre a Biblioteca Mário de Andrade e a Galeria Metrópole. Existe uma história interessante sobre este local, uma lenda urbana ramificada em várias versões.

Enquanto trabalhava no Monumento às Bandeiras Victor Brecheret, nas horas vagas, esculpia seu famoso 'Fauno'. O Prefeito Prestes Maia viu o modelo em terracota e calculou que ficaria muito bem acomodado no parque que planejava construir nos fundos da Biblioteca Municipal. Queria atender o desejo do Arcebispo Dom José Gaspar – que morreria num acidente de avião, em 1943, junto com Cásper Líbero - registrado na cessão do terreno, sugerindo a preservação dás arvores, porque gostava de orar na sombra delas.

O 'Fauno' foi para o local escolhido, bem atrás do prédio da Biblioteca Municipal. Mas o povo cismou que era um deus pagão e começou a oferecer prendas e velas votivas. Aquela devoção não agradou os paulistanos que começaram a resmungar: “Bem ali! No gazebo! Na sombra das árvores onde bispos e arcebispos oravam e liam seus breviários? Parece provocação!”

Aqui os sendeiros se embaraçam, existem muitas versões. Porém, num site da Prefeitura, consta que, em 1947, Dona Matilde, esposa do Interventor Federal José Carlos de Macedo Soares, logo que soube dos falatórios, sugeriu levar o 'Fauno' para o Parque Siqueira Campos (o Trianon), defronte o futuro MASP.

No espaço vago do bosque foi colocado um cruzeiro de granito, registrando que ali os Arcebispos meditavam e rezavam.

Atualmente a praça também acolhe quatro pétreos poetas: Camões, Cervantes, Goethe e Dante, que conversam, silenciosa e interminavelmente.

O 'Fauno', que principiou a vida quase excomungado, hoje vive feliz e faceiro. Primeiro, porque seu próprio criador, Brecheret, escolheu o local ideal para acomoda-lo; segundo, porque passa os dias folgadamente lançando olhares libidinosos para o cofrinho da Musa 'Aretusa'.


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

| A aula peripatética do Prof. José Cavalcante de Sousa |


Nos fins dos anos 70 estudava Filosofia ‘Pura’ na USP, sempre à noite. Durante o dia aprendia Engenharia de Computação, na prática, programando e testando.

Uma das aulas foi especial, extraordinária, inesquecível. Por isso a mantenho cuidadosamente na Dobra 01 da memória. O mestre era o Professor Doutor José Cavalcante de Sousa – o Platão que me foi dado conhecer.

É fácil lembrar-se dele, um refinado helenista. Entre muitas outras coisas, organizador e supervisor do primeiro volume da Coleção ‘Os Pensadores’ da Abril Cultural, sobre os Pré-Socráticos. Um marco na bibliografia filosófica brasileira.

Era uma noite fresca de inverno, talvez agosto, céu limpo. Quando entrou na sala o mestre informou que aquela lição seria especial – peripatética - faríamos uma caminhada.

Saímos do prédio da Filosofia em direção à Praça do Relógio da USP. Um batalhão de vinte e poucas pessoas, embasbacadas, surpresas, levitavam em torno do nosso mentor, donde evolava a perfumada fumaça do cachimbo, mantido aceso por porções de fumo que tirava do bolso do paletó.

Hoje sei que foi um privilegio aprender Platão com o velho Mestre, dezenas de vezes constatei que ele conhecia todos os diálogos de cor, porque eu sempre acompanhava com o livro aberto suas longas citações, sem nenhum erro, as vezes repetidas em grego clássico.

O passeio terminou numa tenda armada no meio do gramado, onde aconteceu o restante da aula.