segunda-feira, 27 de julho de 2020

Bayreuth – 26/set/2017 – Túmulo Wagner

Bayreuth – 26/set/2017

 Fui conversar com Wagner em Wahnfried, Bayreuth, onde o mestre – pertinaz esbanjador de fortunas – dilapida a eternidade deitado com sua esposa Cosima, filha de Franz List. Fiz uma pergunta-comentário porque a dinâmica do Maestro atravessa andamentos.
“– Gostei do nome de sua ‘villa’, Wahnfried, mas não entendi direito a convergência de significações curiosas Ilusão/loucura e paz/liberdade, como devemos entende-lo?”.
Respondeu calmo, é um conversador tranquilo, brinca com os tempos entre as sílabas.
“– Não existe um significado único, são charadas e desafios plurais. Brincando com as quatro notas que você escolheu podemos pensar em ‘ilusão de paz’, ‘loucura da liberdade’. Ou questionando os pares que montou: ‘paz é ilusão?’, 'liberdade é loucura?".
Fiquei em silêncio, o vento derrubou algumas pétalas, Wagner entendeu como uma pergunta.
“– Concordo, os ventos são dementes, levam O Holandês Voador para onde   querem, quase sempre para escuros rochedos. Contudo, as piores de todas, são as brisas da História que mudam de direção de repente.”
Caíram mais pétalas, porém Wagner já havia rompido a linha.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Paris – 23/set/2016 – Catacumbas de Paris

Paris – 23/set/2016




Exceto pelas letras gravadas nas pedras, os ossos são sempre os últimos a se calar.
Nas Catacumbas de Paris vários milhões deles, empilhados nas paredes infinitas, repetem, repetem seus eloquentes discursos mudos que ecoam em murmurios escuros pelos corredores, como um sussurro das trevas.
As imensas galerias subterrâneas perpetuam suas confissões rechinadas e rascantes, iguais e diferentes. É difícil entender suas histórias superpostas, são confusas, tristes e parecidas.
A moça de olhos ausentes e órbitas vazias – à direita, corroeu seu rosto chorando em vão. Se matou, morreu virgem sem saber que foi loucamente amada pelo rapaz – à esquerda, que definhou em desespero e faleceu de amor. Jamais pode confessar sua paixão pela amuada moça desorbitada.
Hoje envelhecem juntos, mas sem olhos, um não ver o outro.

sábado, 11 de julho de 2020

Frankfurt – 4/set/2017 – Casa de Goethe


Frankfurt – 4/set/2017

Herr Johann Wofgang von Goethe é ícone da cultura germânica e mundial. Sabe disso e gosta de se exibir. Plural, habita sua casa em Frankfurt onde nasceu e cresceu replicado em bustos e quadros. Escolhi o mais elegante para conversar.
Herr von Goethe por que os alemães tem compulsão pela figura de Fausto?”
Acho que temos excesso de duas coisas: coração e razão. Somos exagerados e desgovernados. Jamais conseguimos harmonizar as partes. Ouvimos demais o Diabo da desmedida, cultivamos uma alucinação racionalizada.”
Era muita coisa para processar no hiato inter-falas. Permaneci calado.
Ouvimos pouco nosso coração. Meu Fausto não aproveitou o perfume da sua Margarida. O Fausto de Thomas Mann foi encantado pela exótica cigana Esmeralda.
Agradeci Herr von Goethe. Principalmente pela brincadeira de tartaruga.

domingo, 5 de julho de 2020

Ilha de Ios / Grécia – 8/set/2019 – Túmulo de Homero


Ilha de Ios / Grécia – 8/set/2019

Na Grécia, na bela Ilha de Ios, conversei com Homero – o poeta cego – no seu remoto túmulo à beira mar, como um barco provocando o oceano. Talvez uma metáfora da nossa soberba atual, desafiando o espaço.

“– Poeta posso fazer algumas perguntas?”
“– Duas. Uma já fez.”
“– Compôs duas vastas epopeias, e no fundo ambas são histórias de amor. Na primeira junta dez mil barcos para resgatar uma namorada que fugiu com o novo amante. Na segunda, por 20 anos, atrapalha o retorno do herói para os braços da amada. E os outros empreendimentos humanos, não são importantes como razão de viver?”
“– Todas aventuras humanas são imprescindíveis – sobretudo as pessoais – mas sem amor nenhuma vale a pena. São como aqueles rebrilhos e desenhos que parecemos enxergar nas ondas do mar ao pôr do sol. Quando tomados pela paixão, duram apenas um instante, mas podem ser eternos.“


quinta-feira, 2 de julho de 2020

New York – 23/maio/2012 – Oficina Luthier


New York – 23/maio/2012 

Na Gradoux-Matt Rare Violins (37 W 57th St New York), uma oficina de luthiers especializados em instrumentos de cordas multi centenários (Stradivari, Guarneri, Amati) era [é?] possível fazer um programa bacana. Almoçar, conhecer grandes instrumentos e ouvir música executada com eles.
Uma ideia interessante, envolvia conSerto e conCerto.

Após os trabalhos de manutenção ou restauração realizados a oficina convidava um jovem virtuose – normalmente ganhadores de grandes concursos internacionais – para fazer uma apresentação (+/- 1 hora), depois deixava os preciosidades históricas disponíveis para uma apreciação monitorada.

O programa era barato, mas curiosamente quase nunca estava lotado.