terça-feira, 19 de janeiro de 2016

SERÁ QUE O MINHOÇÃO TEM JEITO?

Caminhar pelo Elevado Costa e Silva  ou Minhocão  é um bom exercício físico e cívico. Pelo jeito a cidade esta pegando gosto por este programa, cada vez mais popular, com mais gente.

Já existe uma organização interessada em promover o lugar, ‘Parque Minhocão’. Alguns pontos exibem banners da associação estendidos anunciando wi-fi grátis. A ideia é ótima, mas no meu celular não funcionou.

Também, parece que existe pouco empenho da Prefeitura em facilitar e estimular a frequentação. Por exemplo, têm poucos acessos ao espaço, somente as rampas normais de trânsito. Pensando no ‘high line’ em Nova York não é bastante, lá existem escadas de acesso em diversas ruas.

O Minhocão é uma cicatriz de mais de três quilômetros que rasga e deforma a face de S. Paulo, abduzindo belos edifícios para cenários ciberpunk. Por exemplo, o Castelinho da Rua Apa que fica ao lado? Imaginem como ficaria bacana se virasse uma lanchonete com escada de acesso para o parque elevado?

Numa região carente de áreas de lazer é meio incongruente ver a complexa operacionalização das ciclofaixas, na maior parte do tempo vazias, e o Minhocão, repleto de gente, e sem esquemas de incentivo e apoio.

Um passeio pelas autopistas vazias é interessante e questionador, mostra um pouco dos intestinos e do  coração da nossa Paulicéia - que já foi desvairada - e hoje está desatinada.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Considerações Vadias

Livros, o excesso e a falta deles



Durante minhas caminhadas diárias, de 90 minutos, ouço podcasts, viciado pelos meus filhos. Normalmente escolho Cultura Pop, Cinema ou Literatura.

Ontem, ouvindo no PODOCAST GHOST WRITER (http://programagw.podomatic.com/) a entrevista de Ryoki Inoue, um nissei brasileiro apontado pelo Guiness como o mais profícuo escritor do mundo, com mais de 1.500 títulos publicados, tive dois picos cognitivos. 

Matei uma velha curiosidade. Quem eram os autores daqueles livrinhos em papel amarelo, baratos como um maço de cigarro e pequenos como um lenço, que cabiam no bolso de trás das calças jeans? 95% de chances de – qualquer deles – ser obra do Ryoki Inoue, um médico que largou o profissão para escrever. Fiquei até com vontade de relê-los.

Pessoa fantástica certamente, o japonês multiplicado, vale a pena curtir suas histórias no Google. Contudo, o que me mais prendeu minha atenção foi o comentário de Luiz Eduardo da Matta, um jovem romancista carioca que participava do podcast.

Falou que numa das versões do BBB (não importa o número, porque a unidade já é excessiva) tiraram todos os livro da tal casa quando perceberam que os participantes passavam tempo demais lendo.

Me surpreendeu que lessem e fiquei confuso com  a reação da Globo. Prestaram um mau serviço, porque, além de desestimular a leitura do publico, evitaram que os ‘brothers’ ganhassem cultura.

Mas, refletindo melhor, talvez tenham feito o bem. E se um ‘brother’, lendo algum livro, e se achando um gênio, resolvesse se candidatar a deputado?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Carta de um Soldado de 32


O Sr. Antonio, de Cristais Paulista, viveu bravamente 95 anos – de 1912 até 2007. Acompanhou os trepidantes acontecimentos da História de S. Paulo por todo o século passado, sempre do ponto de vista de um morador do interior do Estado, das regiões em torno de Franca e Barretos. 

Viveu uma vida longa, rica e produtiva. Teve um casamento que durou 72 anos, seis filhos que obtiveram grau universitário e dezenas de netos e bisnetos. Uma exemplar trajetória paulista. Foram homens como este que fizeram do Estado de S. Paulo a 'locomotiva do Brasil', como já disse algum poeta.  

Entretanto, talvez o ponto culminante de sua existência, a prova de fogo mais marcante que enfrentou, durou pouco. Aconteceu nos seus 20 anos, quando – durante alguns meses – participou da Revolução Constitucionalista de 32. Primeiro aquartelado em Bauru, depois entrincheirado nas margens do Paranapanema e por fim preso militar na Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.

*** ***
Das trincheiras, num hiato durante as dificuldades, enviou uma carta para a irmã Bina (Querubina Mendonça, 2 anos mais velha). Suas palavras constituem um documento valioso, representam o depoimento honesto e despretensioso de um rapaz passando pela inusitada experiência de participar de maior revolução cívica-politica da nação, um mito na saga paulista e central na História do Brasil.

Os anos de 29 a 34 foram conturbados para S. Paulo. Decorrente da Crise de 29, a derrocada do café – o principal item de produção e exportação do estado – provocou abalos econômicos em toda a população, que repercutiram nos negócios oficiais e atingiram todas as famílias. Para agravar houve também a derrubada de dois presidentes paulistas – um empossado outro eleito – que apeou o povo bandeirante do protagonismo politico nacional.

Era um momento crítico para S. Paulo, precisava mostrar sua força, se reinventar, encontrar novas vocações e destinos. Industrialização, comércio, criação de gado, diversificação agrícola, foi neste cenário difícil e estimulante que a extensa vida do Sr. António se desenrolou.

*** *** 
Sobre a carta de sua mocidade, seu registro pessoal da Revolução de 32, três coisas se destacam, e corroboram as historias dos períodos conflagrados. Primeira, o idealismo do soldado, aderente a pregação e a propaganda politica do lado em que está engajado. Segundo, o desconforto pessoal das campanhas, um sentimento de provisoriedade onde falta tudo e cada coisa é valiosa. Terceira, a monotonia do dia a dia das tropas, que lembra a situação de um peão de xadrez, que sabe ser imprescindível para o jogo, mas desconhece porque está naquele lugar e para onde será movido. Ou, de repente, retirado do tabuleiro. Vale a pena ler a carta transcrita, com a fala da época: 


              Margem do Paranapanema Trincheiras -11-9-932
                                                                       Querida Bina

              Desejo que esta xxxxxxxxxx em gozo
              de bôa saúde em companhia de nossos
              queridos paes, manos e amigos.
             Há dias recebi a sua carta, só hoje que rei-
             na completa calma, e que posso responder-te.
             Estou bom de saude, creio que bala não ma-
             ta; aqui nas trincheiras não houve nem um fe-
             rido dos de Franca, só um cozinheiro é que
             foi ferido no pé, mas ele não estava nas trin-
             cheiras, estava na retaguarda, a uns 1000 metros
                                    2000 dos dictatoreais "as balas ini
             migas não gostam de valentões.

             Papai e mamãe já voltaram do passeio que
             fizeram? e como vai a madrinha? Quando é que
             mudam para a fazenda, já é a quinta carta que
             recebo e não fallam nada de mudança; que esta-
             va marcada para Setembro.
             Agradeça e retribua por mim as lembranças da
             Beny e da Haydee.
             De Jonas, desde que foi para Angatuba, não sei notícias.
             Desde hontem que não temos fogo, creio que o ini-
             migo retira-se, com a chegada da nossa artilharia.
             Peça a bença de nossos paes.
             Lembranças do teu irmão, que daqui a pou-
             poucos dias abraçaras; orgulharás então
             por ter recebido um abraço, não de irmão, mas
             sim dum paulista, que bateu-se pelos o pro-
             gresso, pela lei e pela grandeza de S. Paulo e
             do Brasil unido.

                                                                   Antonio PM

              Duda também está escrevendo.
              Espero que na próxima carta
              mande-me mais papel
              selos e envelopes

                                      AntonioPM



A farda, o utensilio de alimentação e a carta do soldado paulista foram doados, em 2012 (centenário de seu nascimento), para a Galeria da AFPESP Jorge Mancini.


Foi um prazer e um aprendizado conhecer este peculiar episódio da vida de um soldado paulista de 32. Agradeço muito ao meu amigo Hélio Oliveira e à sua mãe a Sra. Maria Zélia Mendonça de Oliveira (filha do herói) que me forneceram todo o material publicado e, pacientemente, responderam todas as minhas inúmeras questões.

FOTOS, IMAGENS E REPORTAGENS

Carta do Soldado Antonio de Paula Mendonça para a irmã Querubina Mendonça

Foto dos Soldados da Tropa do Sodado Antonio de Paula Mendonça (segundo a direita) desgastada pelo  tempo

Foto do Soldado Antonio de Paula Mendonça na velhice

Reportagem na 'Folha do Servidor Publico' da doação da Farda e Carta para a AFPESP