Poema publicado num jornal xerocado chamado Exegese do Òbvio, Nome de um poema do meu primeiro livro, uma coletânea: Sol Na Garganta (clique>>>)
Á medida de caminhamos vamos deixando nossos outros para traz. Alguns poemas, algumas paixões, algumas convicções políticas, artísticas e morais ficam abandonados no passado como peles de cobras, precisam ser trocadas porque o novo corpo não cabe mais dentro das antigas medidas.
GALOS DE CAMPANÁRIOS
'Fez-se a noite, e sobre o
solitário
soprou o vendo frio.'
(Nietzsche)
I
Os
cata-ventos giram
e o
vento se imiscui
entre
o silêncio e a espera.
É
áspero e rascante
o
silêncio friccionado.
Quando
o silêncio é tangido
a cadência
do ruído
rouba seu
poder e mistério.
Torna-se
um meio silêncio.
Silêncio
total
é
morte e desolação.
Mas o
meio silêncio
é
solidão.
Solidão
eterna
sem
remissão,
sem
saudade,
sem
esperança.
Enquanto
houver alento
haverá
algo, alguém, um objetivo,
um
pensamento, um consolo.
Mas
solidão sem esperança
é uma
faca fria no peito,
é
sentir Deus morto.
Solidão
sem esperança
transcende
Deus,
nem
Ele próprio quis senti-la,
por
isso criou o homem
e
criou o vento.
É o
vento quem carrega a solidão.
II
A solidão
reside nos cata-ventos,
junto
aos galos de campanário,
aves
avessas e abandonadas.
Apenas
de vez em quando
recebem
a visita
de limpadores
de chaminés,
pipas
desgarradas,
corvos
de Poe
e os pássaros
de Hitchcock.
Nunca
um galo de campanário
é
reluzente e brilhante;
sempre
pardo, cinzento.
São
postos no alto
das
cidades brancas
e
ficam esquecidos
(menos
das fotografias),
visitados
por todos os ventos
e todas
as solidões.
Quanto
os cata-ventos
giram
e gemem
é
porque a solidão chegou;
então a
corda rouca
do silêncio
é tangida
e tudo
mais emudece.
Se é
noite,
as
pessoas despertam fantasmas
e
sonhos embalsamados:
moças
casadoiras
invocam
príncipes encantados;
loucos,
por instantes,
recuperam
a oca lucidez.
Gatos vadios
eriçam os pelos
e
cruzam os telhados molhados;
bêbados
bebem mais um trago;
poetas
fumam mais um cigarro
e descolam
da alma outro poema.
Quietos
e ensimesmados
todos
lutam contra a langor
do silencio
friccionado.
III
Ha
também homens
de
quem a solidão não se aparta:
são os
profetas e anacoretas
(e
loucos, mas estes não sabem),
que
residem nos topos das colinas
em
grutas e cabanas
sopradas
a noite pelo vento,
aliás
solidão.
E
sofrem tanto
que
Deus tem pena,
e lhes
outorga o bênção
de
compartilhar Seus sonhos.
Mas se
a solidão persiste
então
o diabo surge
e o
medo espanta a solidão.
O medo
pressupõe algo, outro,
enquanto
a solidão
é a
certeza do nada.
Mas
para alguns,
como
os galos de campanário
não ha
Deus nem diabo,
apenas
a solidão.
16/04/73