O ator Leonard Simon Nimoy começou a falecer entre 1965/66. A causa da morte foi a eclipse progressiva do interprete provocada pela estreia do personagem Spock. Já nos primeiros episódios de série Jornada nas Estrelas era possível perceber o mal, quando o Vulcano despontou para a fama planetária.
A meia-vida de Leonard Nimoy durou exatos 50 anos, de 1965 a 2015. Levou meio século para o ator dissipar metade dele próprio e colocar o Vulcano entre os maiores personagem da história das artes e fabulações mundiais, ou da civilização ocidental.
Porque Spock está inscrito entre os raríssimos personagens que transcenderam a obra, o tempo, a cultura e o contexto em que foram criados. Ficções que se emanciparam e ganharam vidas próprias, viraram operadores cognitivos, feito notações algébricas dos valores civilizatórios. Se tornaram conceito, modelo, padrão e paradigma para toda a humanidade. Representam não apenas um homem, mas um povo, uma classe, uma época, um império, ou uma raça inteira: Juntos com Spock – no âmbito universal – estão Ulisses, Rei Arthur, Dom Quixote, Sherlock Holmes e poucos outros, muito poucos. 007 e Batman receberam apenas uma indicação, Yoda nada.
De todos estes só Spock encarnou um mito, outorgou-lhe identidade própria. Está além do enredo, do autor, do ator e do diretor, tornou-se um nexo autossuficiente. Em qualquer história que participa a trama orbita em torno dele; de seu espírito, de seus princípios: correção ética, coerência, honestidade, objetividade, escolha do lado certo das questões, a lado do ‘bem do todos’. No último filme – Além da Escuridão – até o pessoal mais jovem estranhou, parece que não engoliu o viés ‘porradeiro’ do Vulcano.
Obviamente nenhum dos outros personagens da franquia tem esta grandiosidade. Os capitães, as naves e os quadrantes mudam, contudo Spock permanece imutável e soberano, até quando não aparece pessoalmente. Porque é onipresente nos ‘Vulcanos’, todos eles são ‘Spocks’. O espírito transmigra íntegro, só o corpo muda.
Leonard Nimoy foi um grande artista, Numa realidade alternativa – sem o Spock – poderia talvez se equiparar a Anthony Hopkins, que quase se perdeu em Hannibal Lecter, um personagem infinitamente mais simples. Ou até, quem sabe, emular o Clintão num dueto ator / diretor. Mas o Oficial de Ciências exigiu excessivamente do interprete.
Certamente Spock é maior que Leonard Nimoy, é uma criação coletiva. Entretanto, apesar do exército de roteiristas e diretores que escreveram para, ou trabalharam com o personagem, o vulcano alcançou a dimensão de mito e herói universal por causa de Nimoy. Era impossível escrever ou programar alguma coisa que o 'dono do papel' não acreditasse ou aprovasse.
A mistura de vivências culturais do ator Leonard Nimoy foram determinantes para moldar o Vulcano. Sua experiência pessoal como filho de russo emigrado durante a Guerra Fria; sua ascendência e tradições judaicas; e até sua índole bostoniana; tudo contribui para o adensar as características intelectuais e morais de Spock. Quase uma incorporação e realização da filosofia ‘paz e amor’. Lembram do filme IV, A Volta Para Casa, o das baleias, que Leonard dirigiu?
Seria um interessante exercício de ficção especulativa imaginar um Spock sem Leonard Nimoy. Considerando a lógica das franquias, a melhor (e pior) aposta é uma diluição insossa nas mãos de atores oportunistas e diretores óbvios, às vezes candidatos a gênios.
Felizmente sempre haverá o Spock de Nimoy, um ultra afinado violino Stradivaárius, que não permite ser copiado.
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