quarta-feira, 29 de outubro de 2014

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Parque Savoia - Por Trás dos Portões

O Parque Savoia, na Rua na Vitorino Carmilo, 458, Campos Elísios (a mesma onde nasceu Amácio Mazzaropi), sempre me encantou pela arquitetura romântica e elegante. Sobretudo me fascinavam seus jardins internos, secretos e interditados. Todos fomos criança, sabemos que invadir jardins proibidos é uma compulsão irresistível.

Já escrevi algumas vezes sobre esta intrigante construção no Blog Paulistando (http://www.paulistando.com.br/2013/03/parque-savoia-lugares-de-outra-sao-paulo.html). Especulava sobre seus mistérios e inventava moradores fictícios, poderia ser o esconderijo paulista para um remake do Sherlock Holmes. Nas minhas caminhadas, as vezes desviava para passar por lá, só para apreciar a fachada, atiçando a vontade de cruzar as grades de ferro e adentrar nos jardins e alamedas da ‘vila’ italiana.

No começo deste ano (2014), descobri que o proprietário, Sr. Salvatore Iungano, participava de alguns grupos do Facebook de que fazia parte, trocamos algumas mensagens e revelei meu desejo. Fui convidado a visitar o parque por dentro. Aceitei agradecido, em junho de 2014 atravessei os portões do paraíso escondido. Entre outras heranças tenho uma avó romana, fiquei siderado com a riqueza de Cultura e História ítalo-paulista guardada na vila.   

Antes de começar a falar das maravilhas do Parque Savoia gostaria de parabenizar o Sr. Salvatore Iungano que – ‘apesar’ das erráticas leis de tombamento e preservação – mantem este monumento arquitetônico praticamente sozinho, com muito esforço e dedicação pessoal. É um pedaço de passado embalsamado e protegido com carinho.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Na Fila Com Marlene Dietrich


Fui ao CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil ver a Retrospectiva da MARLENE – a diva alemã do cinema antigo. Planejava passar uma tarde curtindo a atriz indecifrável e desaparecida das TVs, mesmo nos canais a cabo regiamente pagos.

Entrei na fila e comecei a ler o programa da mostra. Na capa a foto da homenageada, obviamente em preto e branco – as cores dos estados da alma – com o inseparável cigarro, que, infinitas vezes, nas velhas películas envolvia seu rosto em volutas de deslumbramentos e mistérios.

Umas 20 pessoas esperavam na minha frente, então me entretive com o livreto do evento. Acho que, enquanto estava lendo, fui transportado por um desses desvãos extratemporais onde o assombro habita, porque quando ergui os olhos das páginas a fila inteira havia se metamorfoseado.

Contei cinco ‘Woody Allen’s, todos tímidos e desajeitados, tentando entender os desacertos do mundo. Entre eles, um herege que ousou trocar os famosos óculos de aros pretos por uma finíssima armação de metal dourado. Devia ser expulso do evento.

Os ‘Alfred Hitchcock’s eram três, com suas reconhecíveis caras de enfado absoluto e barrigas proeminentes. Pareciam saber que algo terrível se anunciava e estavam ali para conferir, quem sabe encenar e dirigir a tragédia iminente.

Me espantou o número de ‘Martin Scorsese’s – sete, com seus óculos escondendo as sobrancelhas de Groucho Marx. Na verdade acho que alguns eram o ácido comediante ressuscitado.

Estavam lá o Ingmar Bergman de bermuda; o Pier Paolo Pasolini de camisa do Corinthians; o Stanley Kubrick e o Roman Polanski chupando sorvetes, e, entre os dois, uma Lolita lambendo um pirulito. Mais uma imensidão de emanações de célebres atores e diretores, muitos não consegui reconhecer.

Uma constelação de estrelas: meia dúzia de 'Marlene's; várias ‘Greta Garbo’s de olhos grandes e silenciosos; algumas 'Louise Brook's melindrosas de provocantes cabelos curtos, além de muitas ‘Marilym Monroe’s e ‘Rita Hayworth’s de vestidos colantes de todas as cores, todas já sem luvas.

Intrigado, e um pouco preocupado, voltei para o livro tentando  através da leitura  escapar daquele estado de consciência alterada. De repente me ocorreu uma questão urgente:

- E eu? Pelos olhos dos outros, quem era?

Olhei de novo para a fila e flagrei dois Fernandos Meirelles sorridentes olhando insistentemente para mim. Como estava de chapéu, pretensiosamente, torci para ter me transformado no John Huston ou no Clintão.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Prefácio - Sobre a Transcencência do Silêncio

Intrigante e desafiador o título do livro, uma anunciação clara do maior inimigo dos poetas estes cavaleiros andantes do espírito humano. Porque, Sobre a Transcendência do Silêncio, remete a mais emblemática conclusão da Filosofia do século XX, quase repete a afirmação final do Tractatus Logico-Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein: “O que não se pode falar, deve-se calar.” Entretanto está recomendação é inaceitável para a Poesia verdadeira, porque o poeta pode, e deve, falar de tudo.

A imagem subjacente que acompanha a leitura dos poemas de Nathan Souza (NS) é de um cordão mágico, vibrátil, vital e sem-fim, que se desenrola, impetuosamente, tentando enlaçar e amarrar o sentido das coisas. Como um caudaloso rio de planície; como uma trajetória de navegação de um viajante audacioso; como o fio de Ariadne que avança com destemor para dentro do labirinto.

Rio, mapa de navegação e fio de Ariadne são três metáforas intercambiáveis, porém complementares; em cada uma delas é igualmente importante, tanto a tessitura da rota-cordão, quando a geografia por onde ele se desenrola.

Como um rio sinuoso a Poesia de NS inventa curvas elegantes e inesperadas para visitar, conhecer e dar notícia de cada habitante escondido na floresta. Como a torrente, que carrega o sal da terra, seus versos absolvem todos os pecados, compartilham todas as maravilhas e realizam em todos os milagres.

Sua Poesia também é um barco a vela que navega, impelido pelo vento da curiosidade, pela cartografia das ‘pequenas ilhas afetivas de fantasia’, que C. G. Jung mapeou no inconsciente coletivo da humanidade, onde residem as fadas, os príncipes encantados, os monstros, e onde moram as soluções de todos os mistérios do coração e da alma.

Sobretudo, a Poesia de NS é como um fio de Ariadne que o poeta vai fiando à medida que avança. Cada nó se transforma num poema, num sinal. Um cordão de tessitura cambiante, às vezes de algodão de fibra longa, para garantir coesão da inspiração e da lógica; às vezes de fios de ouro por causa do brilho e da riqueza das figuras de linguagem; às vezes de seda colorida e fantasiosa, repleto de referências imediatas e imemoriais.

Segundo Ezra Pound, no livro ABC da Literatura, “...literatura [Poesia] é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível...” E existem três formas de sobrecarregar a linguagem de significado: a fanopéia – poesia de imagens; a melopéia – poesia de sons; e a logopéia – poesia de ideias.

A fibra escolhida para o cordão de Nathan parece ser a logopéia, a mesma trama rija selecionada por Drummond, Jorge de Lima, João Cabral e Ricardo Reis (o heterônimo exilado de Pessoa).

Não são as rimas ricas, nem as sonoridades sibilantes; nem as imagens profusas que assaltam NS, o que lhe assedia são ideias e ‘sentimentos pensados’. O Poeta não é arrastado pela irresistível atração da exaltação da vida; nem compelido pelas reminiscências e lembranças; o que o impulsiona é a exploração dos sentimentos, camuflados no prosaico, no dia a dia, e mimetizados no óbvio.

A busca dos significados da existência, a tentativa de decifração dos mistérios da vida, pulula na Poesia de NS, existem incontáveis exemplos.

No poema Espera, ele procura compreender a faculdade do entendimento, aquela que cuida das ideias e dos sentimentos racionalizados:

“(o todo inconsciente
que a tudo
exige compreensão
já que o entendimento
nunca foi um dom
exclusivo
da razão).”

Em Resquício aparece novamente a procura do ferramental para racionalização do discurso:

“da língua de amolar
minha palavra
ancestral.”

São acertadas estas práticas de interrogação permanente sobre a gênese e os fundamentos do significado das palavras e sentimentos, porque ficar em silêncio não é uma solução conveniente para o praticante de Poesia - a mais vã e sutil das artes - que têm como matéria e desafio a palavra, a elaboração de um discurso significativo.

Por isso é imprescindível meditar Sobre a Transcendência do Silêncio e prestar atenção no que NS tem a dizer acerca deste assunto.

Nathan Souza, Sobre a Transcendência do Silêncio, Belém-PA, Editora LiteraCidade, 2014(www.literacidade.com.br)

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Veneza, Livros, Sebos, Bibliotecas, E-Books, Bits...


Entrei num sebo em Veneza, perto da Igreja de Santa Maria Formosa – uma região de antiquários. A loja era estranha e intrigante, meio navegante, meio delirante, como os contos de Borges. Uma sequência de 20 – ou infinitas – salas e cubículos mal iluminados, com janelas e portas altas e baixas, pequenas e grandes que se abriam para um canal estreito e ensombrado, apesar do sol brilhante.

Os livros – muitos milhares – estavam dispostos em pilhas úmidas que brotavam diretamente do chão, de ladrilhos multi centenários ou calçamentos rudes e ásperos. Formavam paredes, evocavam labirintos, provocavam assombros. Uma pequena parte, sobretudo os Livros de Arte, estavam viajando, expostos em velhas gondolas, barcos, banheiras, carinhos de jardinagem e outras esquisitices espalhadas pelos corredores ou dependuradas nas paredes, como estantes improvisadas.

Havia indicações de seções e setores – de um humor arrevesado – sinalizando cantos escuros e quartos abarrotados: ‘livros para garotos que não conhecem o medo’; ‘policiais americanos de autores suspeitos’; ‘receitas para donnas audazes’, ‘cinema dos tempos bons’. Mais que letreiros, lembravam propostas indecentes, chamadas do flautista de Hamelim, ou propagandas de Literatura Weird.

Arrisquei ‘cinema dos tempos bons’. Era tentador, centenas de coloridos e expressivos cartazes de todos os velhos filmes italianos clássicos: Rocco e i suoi fratelli’, ‘Vaghe stelle dell'orsa’, Il gatto a nove code’, ‘Anonimo Veneziano’ e muitos outros que nunca tinha visto ou ouvido falar. Me arrependi de não ter trazido todos.

De repente, caminhando por aquele sebo anfíbio veneziano, por aquela infinidade de colunas de alfarrábios e estantes replicadas, constatei apreensivo a imensidade de livros se desfazendo, quase se liquefazendo e escorrendo para o canal. Como se fossem letrados musgos esverdeados de Lovecraft. Comecei a pensar na compulsão de escrever; e, um pouco, na veleidade de publicar.

*****     *****     *****

Dois dias depois fui visitar a Biblioteca Marciana (Biblioteca Nazionale Marciana), talvez, a mais antiga biblioteca pública do mundo moderno, localizada num dos Palácios da Praça São Marcos, à beira do Grande Canal.

Num dos folhetos, contendo as explicações museológicas das salas, li uma história instigante. Um sábio chegou do oriente carregando seus 40 rolos de manuscritos, uma extravagância para a época. Ao desembarcar doou todo o acervo para Veneza. Em retribuição foi acolhido como cidadão pela Sereníssima Republica. Esta contribuição compõe um dos núcleos originais da vasta coleção de manuscritos e livros antigos que a instituição guarda.

*****     *****     *****

Sai com uma questão enroscada nos meus neurônios: quantos e quais livros são essenciais na cultura mundial?

Uma pergunta difícil de responder, porque escrever é como fazer uma contribuição pessoal para a memória coletiva, para a 'Biblioteca Marciana' da humanidade. E a memória humana é cumulativa  nunca seletiva. Guarda tudo, não classifica, nem por valor, nem por importância. Preserva, com o mesmo zelo, o essencial e o irrelevante.  Manifestações culturais são incomparáveis.

Entretanto, ainda não dá para saber direito o que vai acontecer com a enxurrada de publicações que desaguam na (e inundam a) Internet, como 'l'acqua alta'. Serão preservadas como as obras em papel? Terão a mesma longevidade?

Ou somente legiões de robôs imortais 'susancalvinianos' se debruçarão, por alguns nanossegundos, para ler as páginas em código binário das veleidades e divagações humanas?

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

7 CORES INVENTADAS

7 Cores Inventadas
Ciclo de sete poemas, de formato livre, revisitando e
homenageando sete pintores, três holandeses e quatro
italianos, que utilizam algumas cores de maneira peculiar, 
inusitada ou estranha, como se as tivessem apartado
do espectro solar e tomado posse delas.

Nas pinturas de Johannes Vermeer (1632/1675), as mulheres liam cartas, muitas. E se uma delas fosse do marido em Recife – na Invasão Holandesa, da primeira sinagoga fundada nas Américas – morto de saudades, tentando traduzir este sentimento para a amada.

Os mestres de Jacopo Robusti Tintoretto (1519/1594) eram Michelangelo
e Tiepolo, porém a pressa, o movimento e o desvio para o vermelho
de suas pinturas não vêm de nenhum dos dois.

Para Giambattista Tiepolo (1696/1770) mundo e céu,
deuses, homens e seres mitológicos eram azuis
e conviviam diariamente.


Rembrandt van Rijn (1606/1669) era um dos grandes mestres, pintou muitos autorretratos, os mais fiéis possíveis, lhe aprazia mostrar para o Tempo
– esse vampiro íntimo e insaciável – sua atroz voracidade. Apreciava também
captar com precisão a luz, que sempre existe, mesmo que seja de viés.

Ticiano Vecellio (1473(?)/1576) nas suas incontáveis e policromadas
veladuras de cores inimagináveis, inventou tons de rosados que ninguém
sabia que existiam. Habitadas por mulheres lindas, sublimes, idealizadas e inalcançáveis. Ilustrações do melhor que a espécie humana pode produzir

Vincent Van Gogh (1853/1890) compartilha com Poe e Lovecraft a mesma esquisitice e inquietude. Tentam nos convencer que vivemos numa realidade paralela e descolada do real. Tudo que vemos, tocamos ou percebemos é falso, frágil e quebradiço, se desmanchando no ar.

Vittore Carpaccio (1465/1526), transubstanciado, está presente nas mais sofisticadas mesas do mundo. Quando encontrado nos museus e galerias de arte, sempre dá um nó
– e ás vezes fome – no entendimento do apreciador.