terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Sorriso de Beatriz - Aleph - Borboletas


A Cultura Pop tem uma curiosa reação aos temas, autores e obras, prefere gravitar em torno do deles do que abordar diretamente o objeto de interesse. Lembra aquelas belíssimas borboletas de Lorentz da Teoria do Caos, resultantes das diversas tentativas de aproximações dos atratores estranhos. Sugerindo que talvez a beleza esteja na busca, não na decifração do mistério.

A Divina Comédia é um dos principais atratores estranhos da Cultura Pop. Filmes, romances, sagas, teses e músicas orbitam este colossal monumento do inicio do Renascimento.

Na verdade a obra prima de Dante, ela mesma, já prenunciava uma produção Pop, porque promoveu a mais ampla reavaliação, popularização e ressignificação de todos os grandes sistemas, poemas e epopeias que a precederam. Vasta e ousada súmula, escrita em italiano vulgar, que popularizou, reavaliou e classificou todos os episódios e personagens da historia e ficção antiga, distribuindo-os pelos seus tríplices mundos – Inferno, Purgatório e Paraíso. Assim ler Dante é embarcar numa viagem guiada pelos poetas – Dante e Virgílio – para o mundo pré Renascimento.

A enumeração das influências da Divina Comédia na cultura recente poderia começar pelo O Senhor dos Anéis, por exemplo. A caminhada dos hobbits para destruir o anel remete também à peregrinação de Dante e Virgílio pelo Inferno e Purgatório. Continuar com Hannibal, the cannibal – romance, filme e série – que revisitam horrores e assombros dantescos. Prosseguir com o Inferno, agora de Dan Brown, que passeia pelo velho poema  sugerindo correlações entre a superpopulação e as paisagens infernais. As estantes sobre o poeta e sua criação crescem cada vez mais, um universo em perpétua expansão.

Lendo o Leitor da Divina Comédia

Durante o segundo semestre de 2017, induzido pela excelente biografia Borges: Uma vida de Edwin Williamson, que explora longamente a figura do argentino como leitor de Dante, resolvi empreender uma demorada e detalhada releitura da Divina Comedia, com uma novidade, substituir os guias Virgílio e Beatriz pelo Google, muito mais esperto. Foi uma peregrinação reveladora, interessante, variada e inesperada.

Borges, um dos epígonos da pós modernidade e também um atrator estranho da Cultura Pop, se acreditava um leitor privilegiado, quase um confidente do florentino. No Último Sorriso de Beatriz (Nueve Ensayos Dantescos [1982]) deixou uma interpretação icônica do poema. Argumenta que a despedida do poeta e sua musa é a mais doce e dolorida cena de adeus de toda a Literatura.

Fissurado no presumido diálogo entre Borges e Dante, Edwin Williamson, o biografo inglês, desenvolveu uma tese arriscada – e talvez excessiva – que pretende decifrar o sentido da vida do memorioso cego de Buenos Aires através da relação entre Dante e Beatriz. 
  • (a) Como Borges acreditava possuir uma interpretação reveladora da obra de Dante. Apostava que o poema havia sido escrito para possibilitar ao florentino realizar um sonho impossível. Especificamente, dizia que os 100 Cantos da obra eram somente um pretexto para fantasiar seus presumidos encontros e conversas imaginários com Beatriz, coisa ressonhada que jamais aconteceu durante a vida do poeta.
  • (b) Por similitude e emulação – para o biógrafo inglês – o mestre portenho passou a acreditar que, se também encontrasse sua Beatriz, conseguiria inspiração para escrever uma obra prima que sobreviveria ao Tempo. Por isso buscava em toda mulher de quem se aproximava a revivescência da antiga musa celestial.
Curiosamente, no conto mais conhecido de Borges, Aleph – dedicado a Estela Canto, uma das candidatas a musa, o nome da personagem feminina central é Beatriz, que aceita a corte do autor, porém não lhe concede o amor.

7 Salvados do Inferno

Durante minha leitura da Divina Comédia alguns personagens me pareceram descolados no Inferno de Dante, daí resolvi escrever poemas sobre sete deles para registrar esta estranheza e promover a salvação deles. Na ocasião lembrei de um curioso procedimento criativo que o pessoal do Cinema (sobretudo depois do Dogma 95) curte: dogmas. Então, para brincar, decidi criar um conjunto de dogmas como paradigma para o trabalho planejado. Assim apareceu o Dogma Dante com algumas regras básicas:

1 - Os poemas seriam compostos em tercetos de Dante. Deveriam ter cinco estrofes, o verso intermediário do quinto terceto retoma a rima dos versos exteriores do primeiro. Quinze versos na seguinte estrutura: aba bcb cdc ded eae. Ou seja, cinco tercetos formariam o ‘soneto de Dante ou danteto'.

2 - Um pouco inspiração e homenagem ao excepcional A Máquina do Mundo de Drummond, os versos seriam longos, wagnerianos e dissonantes, com 13,14 ou 15 sílabas. 

3 - Cada poema teria uma referência transversal, ou intervenção de um comentador externo.

4 – E (a regra de ouro de qualquer bom dogma) todas as exceções necessárias seriam permitidas.

Os poemas estão aqui >>> '7 Salvados do Inferno' – Clique


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

7 SALVADOS DO INFERNO DE DANTE

[...]
MINOTAURO INVERTIDO
Na antiguidade clássica o Minotauro tinha cabeça de touro e corpo de homem, morfologia que sugeria o predomínio da bestialidade. Borges insiste que na ‘Divina Comédia’ Dante trocou os sinais, imaginou um Minotauro invertido, com cabeça humana e corpo de touro, por isso possuidor de livre arbítrio.

BERTRAN DE BORN 
Trovador Provençal de Périgord (Limoges/França), cantava armas, batalhas, guerras e amores com a mesma paixão.
Dante o colocou no oitavo círculo do Inferno carregando a própria cabeça decapitada, que falava por ele. Seu pecado foi promover cizânias entre pais e filhos.
Ezra Pound o perdoou, apontou suas sutilezas, sugeriu que o poeta acreditava que armas e amores eram as regras do 'jogo da vida'. 

FRANCESCA E PAOLO
A Divina Comédia repete a medieval condenação dos livros.
Francesca da Ramini, num casamento arranjando com Giovanni Malatesta, nunca amou o marido. Preferia o cunhado Paolo, que cuidava dela quando o irmão viajava.
Um dia os dois, lendo juntos o livro ‘Lancelot em Prosa’ – que narra a traição de Guinevere, no trecho em que os personagens se beijam, o casal leitor imitou o romance.
O irmão/marido flagrou e matou ambos. Dante colocou os amantes habitando o segundo círculo do Inferno, condenados a girar eternamente no louco vento das paixões, porém permitiu-lhes a felicidade sofrerem juntos.

OS CORRUPTOS
Atraídos pelos poderosos, vivem no fim do Inferno, próximos do próprio Lúcifer. São pecadores impiedosos, oportunistas e broncos. Incapazes de entender sentimentos complexos.
Roubam sempre no plural, multidões ao mesmo tempo. Como são atoleimados raramente se arrependem. Dante mostra que, mesmo cumprindo pena, continuam a pecar pensando que são ‘espertos’.
Com a implantação das Repúblicas a corrupção virou vício institucional, superlativo – pior que os pecados clássicos – muito mais perigosa.
No Inferno de Dante os corruptos são vigiados por onze cisnes decaídos e repugnantes feito abutres. 

TIRÉSIAX
Condenado pelo florentino ao oitavo círculo do Inferno, deveria vagar eternamente com a cabeça virada para trás, olhando as costas, como castigo por prever o futuro.
Foi o maior adivinho da antiguidade, mas, porque interrompeu o coito de duas serpentes, passou sete anos transformado em mulher.
Zeus e Hera discutindo sobre quem aproveitava melhor o sexo – se homem ou mulher – chamaram Tirésiax (que já fora ambos) para decidir. Respondeu que era a fêmea, nove vezes mais. Hera irritada o cegou, Zeus apiedado deu-lhe o dom da profecia.

RAQUEL
A pastora contemplativa, citada quatro vezes na Divina Comédia, era amiga de Beatriz,  conviviam felizes na eternidade celeste. Foi mãe de José do Egito e Benjamim, transavó de Saul, primeiro rei de Israel.  Por mais  de 2000 anos permaneceu no Limbo (um lugar sem sofrimento mais corroído pela desesperança). Jesus, depois da ressurreição, a levou para o Paraíso. Curiosamente parece que Lia, sua irmã gêmea e rival (de olhos estranhos, feito Capitu), foi direto para o Céu. Explique por que isso Dante?

BEATRIZ
Jorge Luis Borges diz que o ‘Sorriso de Beatriz’ é a mais tocante despedida da Literatura. Infinitamente bela, dolorosa e definitiva.  O grande amor de Dante, a primeira (talvez única) vez que a viu, tinha cinco anos. Nunca se falaram. No poema, quando o vate está perdido no Inferno, alertada por Santa Luzia, Beatriz intercede para salva-lo. Pede para Virgílio conduzi-lo até as portas do Paraíso, de onde ela própria o guiará até fim da jornada. Beatriz jamais sorriu para Dante, porque se o fizesse – por causa do esplendor de seu riso –  ele viraria cinzas. A última vez que Dante a vê está sorrindo contemplando Deus. 

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Rachael tinha olhos verdes?


Aposto que todos os fãs de cinema com data de ativação antiga, sempre que olham para a deslumbrante Rachael lembram com saudades da galeria de mulheres fatais dos filmes noir.

Quando Eldon Tyrell manipulou os genes e Ridley Scott editou as cenas criaram a melhor das ’femmes fatales’ cyberpunks. É verdade que dispunham de farto material de referência, porque nesta fértil e subterrânea vertente do Cinema as damas misteriosas imperavam. Eram ícones imprescindíveis para serem amadas, celebradas, decifradas e conquistadas. É impossível imaginar um bom filme noir sem uma figura feminina dominante, como vítima, suspeita, manipuladora, criminosa, donzela em perigo ou dama salvadora. Nos casos de maior sucesso ocupavam vários desses papeis ao mesmo tempo.

Rachael | Sean Young não fica mal entre suas pares: Laura | Gene Tierney (Laura 1944); Phyllis Dietrichson | Barbara Stanwick (Double Indemnitity - Pacto de Sangue / 1944); Gilda | Rita Hayworth (Gilda / 1946); ‘Dusty’ Chandler | Lizabeth Scott (Dead Reckoning - Confissão / 1947) Margot Wendice | Grace Kelly (Dial M for Murder - Disque M para Matar / 1954); Florence Carala | Jeanne Moreau (Ascenseur pour l'échafaud - Ascensor para o cadafalso / 1958); Evelyn Mulwray | Faye Dunaway (Chinatown / 1974). Quase com certeza Blade Runner foi o auge da carreira de Sean Young, e será como Rachael que entrará para a história do cinema.

Curiosamente, nos dez primeiros anos de Blade Runner, enquanto circulavam apenas as versões com a narração histriônica e perdulária (de 1982 para cinema USA e Internacional), Rachael era somente uma mulher fatal esquisita, perdida num confuso filme de ficção científica. Porém, depois do lançamento da edição do diretor, em 1992, a produção inteira se tornou cult, épica, um paradigma cultural. Em várias universidades virou pauta para estudos acadêmicos, centenas de teses (até eu cometi a minha, abaixo) devassaram as peculiaridades, antecedentes, influências e desdobramentos do filme.

Nesta nova ordem Rachael se transformou na mais sofisticada das fammes fatales. Até porque, nas memórias afetivas de Philip K. Dick e Ridley Scott, devia ser a confluência de todas elas.

No Blade Runner de 2049, Rachael, a nova Eva replicante, foi reduzida a um achado arqueológico. Rapidamente subsumida pela multidão de  Jois clone da cintilante e coruscante da Her, de Spike Jonze a namorada virtual, perfeita, evanescente, que nunca envelhece, pode ser melhorada, atualizada e se transformar em qualquer mulher desejada. Tudo e nada.

Nas redes existem vastas discussões se Joi ama ‘K’ com amor verdadeiro ou apenas emula o sentimento.

Não sei. Isso é questão para o Blade Runner 2079 de musas fluidas e elétricas, até lá estou junto com Deckard e sonho elétricos  com uma Rachael de olhos verdes.


(*) Clique
O Caçador de Androides, o Quarto Chinês e o Teste de Turing

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Suspenso no tempo - Atelier de Angelo Taccari


No fim de setembro/2017 visitei o atelier de Angelo Taccari, importante escultor e ceramista italiano que adotou e foi adotado por São Paulo. Um prédio antigo e discreto, entre as árvores, na beira da represa Itupararanga em Ibiúna. Mantido por sua filha  Maria exatamente como ele o deixou quando mudou para outra dimensão em 2004.

Havia uma estranheza atemporal suspensa, dessas de filme de ficção científica e fantasia. Uma singularidade intrigante magicava as obras interrompidas em vários estágios de completude e espalhadas pelos cômodos do atelier. Apesar da poeira – a passagem do tempo materializada – não seria espantoso ver o artista, de repente, entrar pela porta e retomar seu trabalho e paixão.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Ouvindo a Berliner Philharmonie < a Sala >


Em setembro/2017 tive oportunidade de ouvir a Berliner Philharmonie.

A Sala, porque a Berliner Philharmoniker < orquestra > venho ouvindo com prazer e admiração faz muitas décadas, através de gravações.

No programa – conduzido pelo Maestro Marek Janowsky – constavam duas peças: novidade e garantia. A aposta era ‘Três Prelúdios da Ópera Palestrina’, de Hans Pfizner. Um excelente compositor lírico que, pelos azares da sorte, foi contemporâneo de Richard Strauss e por ele eclipsado. Apesar de vários especialistas listarem esta ópera entre as melhores do século XX. A Quarta Sinfonia de Bruckner era o sucesso garantido.

Foto 1
Estava bastante curioso, a Grande Sala, para 2440 pessoas, tem uma concepção arquitetônica inovadora. São três pentagramas de tamanhos progressivamente maiores que se sobrepõem de maneira irregular, possibilitando a criação de várias plateias e terraços-camarotes em torno do palco. A orquestra ocupa o meio excêntrico desse surpreendente arranjo. Tão inusitado e bonito que a Berliner Philharmoniker Foundation – que cuida da orquestra e da sala – adotou o desenho resultante como seu logotipo. (Foto 1)

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Eternos 3 Segundos


Estou ficando velho, por isso muita vez sonho que estou jogando futebol – talvez o maior prazer que tempo me roubou. Nas pelejas oníricas tenho sempre 17 anos, folego suficiente para cruzar o campo incontáveis vezes.

As versões variam, gosto especialmente de um dos gramados. Verdíssimo, enlaçado pela curva em declive de uma estrada de terra. Com traves e linhas de cal recém-pintadas, vaidoso e convidativo. Recém molhado, debaixo de uma nuvem tremeluzente de gotículas de vapor, prismatizando a luz do sol de viés.

Recentemente – como benção dos deuses da bola - uma jogada tem se repetido, nela revivo um gol perfeito.

Se sobrepondo ao fluxo das reminiscências, com a quietude impressentida mencionada por Carlos Drummond de Andrade, “a Maquina do Mundo se entreabriu”, "sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável”, a cena então se desenrola...

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... na intermediária, do lado esquerdo, atrás do círculo central, de cabeça ganhei a bola do volante que tentava me chapelar e disparei para o ataque. Abobalhado, na linha do meio campo, o adversário apenas assistiu minha corrida. O jogador vencido, três ou quatro passos atrás, me perseguia indignado. Porém, eu continuava avançado livre e determinado. Driblei o zagueiro atrasado que tentou interceptar a arrancada e comecei a me deslocar para a direita, a minha perna boa. O goleiro, aflito e desesperado, abandonou a pequena área e também foi driblado. Então respirei fundo, acertei os pés no chão e chutei com firmeza. A rede balançou e a eternidade se deteve. Sobreveio aquela sensação de plenitude, prazer e êxtase absoluto, que o Renato Gaúcho garante ser igual a um orgasmo...

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A jogada durou exatamente 33 segundos. Posso vê-la, revê-la e cronometra-la quantas vezes quiser. A 'Máquina do Mundo' me permitiu retroceder 45 anos e no vigor da juventude reviver como protagonista um gol absolutamente fabuloso, igual aquele que César Sampaio marcou contra o São Paulo na semifinal do Brasileirão de 1993.



'A MÁQUINA DO MUNDO"
de Carlos Drummond de Andrade
foi eleito como o mais importante
poema brasileiro  no século XX.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Solo Sagrado do Futebol


Os deuses do futebol desembarcaram no Brasil em 1894/95, agarrados às primeiras bolas. Quando as pessoas começaram a chuta-las com prazer e adora-las com paixão, decidiram ficar por aqui. Deram-se bem, viramos o Pais do Futebol.

Os fiéis de S. Paulo adotaram entusiasmados as novas divindades, lhes prestavam culto em todos os cantos e campos. Onde se juntassem 22 pessoas e uma bola elas se faziam presente. Porém, em 3 de maio de 1902, quando o Mackenzie College venceu o Germânia por 2 a 1, começou a ser celebrado oficialmente o mais antigo rito da religião no Brasil – o Campeonato Paulista de Futebol. Foi neste dia que os deuses da bola sacramentaram seu Solo Sagrado, o Parque Antártica.

É neste local que, há mais tempo e continuamente, se disputam partidas de futebol de alta qualidade no estado e talvez no país. Entre aquelas quatro linhas caiadas no chão já foram travadas contendas memoráveis, decididos Campeonatos Paulistas, Brasileiros e Sul-americanos.

Desde 1902 o terreno sagrado do Futebol Paulista passou por muitas mãos: SC Germânia, América FC, times que o vento do tempo levou. Entretanto, em 1920, os deuses escolheram seus guardiões definitivos: a Società Sportiva Palestra Italia.


Em 1942 os guardiões do templo foram obrigados a mudar de nome, viraram Sociedade Esportiva Palmeiras, que honrando suas tradições já construíram no Solo Sagrado duas Catedrais para o futebol: o Stadium Palestra Itália, em 1933; e a Arenas Palmeiras, em 2014. Ambas consideradas (na ocasião) as melhores do país.

sábado, 1 de julho de 2017

Clube dos Adoradores de Rene Russo


Um grupo de amigos da Granja Viana, adictos de home theater, anualmente promovem 'A Noite de Rene Russo', um excêntrico e monotemático festival de cinema. Começou em 6 de agosto de 2009, aniversário de 10 anos do lançamento mundial do filme 'Thomas Crown Affair' (Thomas Crown - A Arte do Crime), considerado o auge da musa. Desde então não  não parou mais.

Assim, faz 10 anos, na quinta feira mais próxima de 6 de agosto, Pio Nero, um engenheiro e hacker italiano,  possuidor de uma cinemateca com som audiófilo e treze confortáveis poltronas, convida 12 pessoas para assistir seu filme preferido. Um número cabalístico de convidados, lembra '12 Homens e uma Sentença', '12 Homens e um Segredo', quem sabe '12 Macacos' ou até os 12 (ou 13) apóstolos.

Nos anais desse excêntrico festival consta que os interessados são muitos e os sortudos são poucos, criteriosamente selecionados pelo núcleo duro do grupo. Sou amigo parônimo de Pio Nero, nossos universos tangenciam apenas em dois pontos: Informática e Cinema. Mesmo assim estou na lista de candidatos, e – não sei porque – já fui convocado duas vezes, não em anos consecutivos.

O programa da noite é simples e extenso, lembra aquelas sessões duplas dos velhos cinemas de bairros. Inicia com a exibição completa de 'Thomas Crown Affair', depois vem um longo intervalo para comentários, discussões e babação de ovo pela Rene. Enquanto isso, na tela - para adoração e catarse - rola um slide-show da homenageada com a canção 'Windmills of Your Mind' (gol de placa de Michel Legrand) em repeat mode.

A festa termina - para os que tiverem resistência - depois da exibição de outra performance da grande dama do evento e arrebatadora paixão de Pio. Não tenho certeza absoluta, mas acho que é proibido pronunciar o nome de Pierce Brosnan nas conversas.

Temo que não serei novamente escalado para 'A Noite de Rene Russo', porque na última participação declarei que preferia a versão original de 1968 – 'Crown, o Magnífico' – com Steve McQuinn e Faye Dunaway (a psicóloga da refilmagem). Desarrazoado e temerário afirmei que achava a vagarosa, excruciante, excepcional e sensual sequência do jogo de xadrez na versão clássica insuperável.

Por tudo isso, tenho certeza, fui carimbado como ‘sinnerman’ (na voz de Nina Simone) pelo promotor do festival.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ex Machine – Pitacos no Escuro


O filme Ex Machine avança para se firmar entre os principais atratores estranhos do Cinema e da Cultura Pop. Contudo, ainda é incerto saber se vai orbitar Blade Runner ou compor com ele uma estrela binária. Porque é imenso o diálogo entre os dois, em diversas camadas: amor entre humano e androide; foco no Teste de Turing, ou, mais precisamente, no Teste de Voigt-Kampff. Aquele interrogatório a que se submetiam os ‘bonecos’.

Na verdade os questionamentos do Voigt-Kampff transcendem largamente os do Turing (veja mais).  Por isso é uma aposta ganhadora cravar que Ava – a robô reluzente, a Eva do milionário Nathan – seria reprovada no Teste de Blade Runner.

Para passar no Teste de Turing, rigorosamente, o entrevistado precisa apenar parecer que pensa.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Quando Encontrei Horla (Livraria Lello / Porto)


Sempre surpreende como alguns livros chegam aos seus leitores. Parece que têm a candente capacidade de se tornar omnipresentes quando querem ser encontrados pela pessoa certa. Já contei como ’O Livro dos Cantares – She Keng’, uma vasta antologia de poesia chinesa, editada pelos Jesuítas Portugueses (Macau / 1979) colidiu comigo (< leia a crônica >). São tão malucos estes momentos que, deles, não se pode excluir nem a Sincronicidade de Jung, nem o emaranhamento quântico.

A manifestação do livro de contos fantásticos de Guy de Maupassant também foi extraordinária, numa hora inesperada e num lugar de desdobramentos, dimensões e desvãos mágicos.

O autor francês, um dos contistas mais célebres da Literatura Ocidental, é influência declarada de vários ícones da Literatura Gótica Clássica e do Gênero Weird.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

7 FÁBULAS FAUVISTAS

[...]
O homem é cativo do Tempo, só a mágica da mulher pode carrega-lo para o futuro.

Alan Turing era apaixonado pela cine-fábula da Branca de Neve,
Para morrer escolheu morder uma maça envenenada com cianeto.
Entrada ou saída do paraíso?


Toda mente é prisioneira numa torre de cinco janelas,
pode ver, ouvir, falar e, ás vezes, rir ou chorar.
Olhar é jogar as tranças.


Houve um tempo em que os filmes de amor acabavam com um beijo
que resolvia todos os problemas do mundo.

Como escapar  dos perigos da vida lobo?

Com o que vamos nos parecer
quando acabarmos de crescer?  

O que mais intriga no sono da 'Bela Adormecida', é quanto tempo
durou e o que a bela sonhou.







terça-feira, 9 de maio de 2017

PALAVRA APÓS PALAVRAS - BENTO FERRAZ


Li o livro azul de Bento Ferraz ‘Palavra Após Palavra’, página após página, poema após poema, porto após porto, paragem após paragem. Foi como navegar num barco a vela, porque a gente nunca sabe direito para onde o sopro da inspiração do poeta vai nos levar. Se a uma enseada, a uma noite estrelada ou à simples decifração dos mistérios arcanos. Os temas e as rimas são inesperados, incontáveis e surpreendentes como os rebrilhos das águas na superfície do mar.

O livro navega entre belezas e surpresas, nos carrega para o casulo mágico do autor, tecido entre vastidão do céu e a imensidão do mar. Às vezes os sentimentos poetizados e os achados poéticos são tão novos que precisamos ler outra vez para ir além da novidade e chegar ao entendimento e à fruição.

O conjunto de poemas semelha uma galáxia de maravilhas e espantos, de constelação de brilhos poéticos que supreendem, sempre e de novo. Nesse universo de assombros – com minha luneta finita – identifiquei três estrelas de primeira grandeza: ‘Ruptura’, ‘Neurônios de Orson’ e ‘Pelo menos até que a manhã chegue’.

Bento Ferral é um poeta de espectro largo, faz poesia de tudo.
Depois da leitura fiquei maior.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Uma Utopia Sampaulistana


Os chineses – sabiam como as coisas funcionam no Brasil – chegaram uma semana depois do carnaval e fecharam com tapumes o miolo do Centro Novo Sampaulista. Interditaram o Theatro Municipal, o conjunto escultórico dedicado a Carlos Gomes e os jardins de palmeiras adjacentes. O pátio de obras se espalhou pelas ruas em torno do teatro, grande parte da Praça Ramos de Azevedo, os baixos do Viaduto e metade do Vale do Anhangabaú. A misteriosa intervenção funcionava como um formigueiro bem coreografado.

O compromisso de eficiência era explícito, anunciado por um luminoso no teto do teatro. O marcador contava, regressivamente, o cronograma da obra: 40 semanas / 280 dias, quase a mesma duração de uma gravidez.

A invasão era imensa, barulhenta e incômoda, porém limpa, eficaz e organizada.

sexta-feira, 17 de março de 2017

LABIRINTOS ― 8 Rotas de Fuga



Faz mais de dez anos que venho escrevendo poemas sobre as perplexidades do homem diante das complexidades das Ciências e das Artes Modernas. 

O livro se originou com os 8 epígonos, depois, em torno de cada uma deles – pelo mistério da Gravidade – se condensaram os poemas-planetas, criados para orbitar, contraditar e desafiar seus sóis.

Atravessar o Século XX não foi tarefa fácil. Tudo mudou muito e rapidamente. Olhá-lo em perspectiva revela uma pirotecnia em câmara acelerada. Deliciosa de ver, difícil de entender. Ainda não tivemos tempo de compreender e organizar todas as novidades oferecidas, nem avaliar os desafios propostos para o futuro.

A ‘Maquina do Mundo’ de Drummond, quando se manifesta, mostra somente relances da ciência sublime e formidável, mas hermética’. Por alguns momentos o enigma fica claro, acreditamos que tudo foi desvelado. Contudo, quando a máquina desvanece, ficamos de novo perdidos nas crepusculares estradas amarelas de Minas, maravilhados, porém, com as dúvidas-corvos aumentadas.


Para ouVer o livro inteiro >>> 
 Youtube - Versão sonora

terça-feira, 14 de março de 2017

Homenagem ao Rui Fernando


RUI FERNANDO entrevistado por Holbein Menezes
Márcia e Rui, no restaurante quando RUI me concedeu a entrevista abaixo.

Entrevista com o Engenheiro RUI FERNANDO, São Paulo(SP).

Pergunta um:
- Você é graduado em Técnica Eletrônica ou é formado por correspondência, ou ainda, apenas prático em eletrônica? Por favor, dê suas credenciais, os leitores agradecerão.

- Fiz o curso técnico em eletrônica em escola equivalente aos três anos do nível médio, mais um ano de estágio, mas também sou Engenheiro Eletrônico e Economista. Acho que os cursos técnicos, tanto de nível médio (técnico), quanto superior (tecnólogo), são ótimas opções para o jovem ingressar no mercado de trabalho e depois ir complementando os seus estudos com o rendimento de seu próprio salário, sem onerar tanto a família.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CDs na Banheira


Nos últimos 30 anos a evolução das espécies no mundo fonográfico e audiófilo foi turbulenta e implacável. Pulamos do império do Vinil para a prevalência dos arquivos digitais. E mesmo estas opções modernosas já estão na terceira ou quarta geração de códigos (WAV, MP3, DSD...). Durante este salto tecnológico o CD foi engolido, nasceu, cresceu e definhou. Pior, quase levou junto as gravadoras. Atualmente o resiliente vinil – um espécime mítico – ainda sobrevive e recrudesce em alguns desvãos sofisticados.

O mais espantoso desta marcha acelerada é como os amantes das mídias musicais (qualquer um que tenha mais de 500 unidades de uma espécie) reagiram a estas metamorefoses.