Intrigante e
desafiador o título do livro, uma anunciação clara do maior inimigo dos poetas –
estes cavaleiros andantes do espírito humano. Porque, Sobre
a Transcendência do Silêncio, remete a mais emblemática conclusão da Filosofia do século XX, quase repete
a afirmação final do Tractatus
Logico-Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein: “O que não se pode falar, deve-se calar.”
Entretanto está recomendação é inaceitável para a Poesia verdadeira, porque o
poeta pode, e deve, falar de tudo.
A imagem subjacente que acompanha a leitura dos poemas de
Nathan Souza (NS) é de um cordão mágico, vibrátil, vital e sem-fim, que se
desenrola, impetuosamente, tentando enlaçar e amarrar o sentido das coisas.
Como um caudaloso rio de planície; como uma trajetória de navegação de um viajante
audacioso; como o fio de Ariadne que avança com destemor para dentro do labirinto.
Rio, mapa de navegação e fio de Ariadne são três metáforas
intercambiáveis, porém complementares; em cada uma delas é igualmente importante,
tanto a tessitura da rota-cordão, quando a geografia por onde ele se desenrola.
Como um rio sinuoso a Poesia de NS inventa curvas elegantes
e inesperadas para visitar, conhecer e dar notícia de cada habitante escondido
na floresta. Como a torrente, que carrega o sal da terra, seus versos absolvem
todos os pecados, compartilham todas as maravilhas e realizam em todos os
milagres.
Sua Poesia também é um barco a vela que navega, impelido
pelo vento da curiosidade, pela cartografia das ‘pequenas ilhas afetivas de fantasia’, que C. G. Jung mapeou no
inconsciente coletivo da humanidade, onde residem as fadas, os príncipes
encantados, os monstros, e onde moram as soluções de todos os mistérios do
coração e da alma.
Sobretudo, a Poesia de NS é como um fio de Ariadne que o
poeta vai fiando à medida que avança. Cada nó se transforma num poema, num
sinal. Um cordão de tessitura cambiante, às vezes de algodão de fibra longa,
para garantir coesão da inspiração e da lógica; às vezes de fios de ouro por
causa do brilho e da riqueza das figuras de linguagem; às vezes de seda
colorida e fantasiosa, repleto de referências imediatas e imemoriais.
Segundo Ezra Pound, no livro ABC
da Literatura, “...literatura [Poesia] é simplesmente linguagem carregada de significado até o
máximo grau possível...” E existem três formas de sobrecarregar a linguagem
de significado: a fanopéia – poesia de imagens; a melopéia –
poesia de sons; e a logopéia – poesia de ideias.
A fibra escolhida
para o cordão de Nathan parece ser a logopéia, a mesma trama rija selecionada
por Drummond, Jorge de Lima, João Cabral e Ricardo Reis (o heterônimo exilado de
Pessoa).
Não são as rimas
ricas, nem as sonoridades sibilantes; nem as imagens profusas que assaltam NS,
o que lhe assedia são ideias e ‘sentimentos pensados’. O Poeta não é arrastado
pela irresistível atração da exaltação da vida; nem compelido pelas
reminiscências e lembranças; o que o impulsiona é a exploração dos sentimentos,
camuflados no prosaico, no dia a dia, e mimetizados no óbvio.
A busca dos significados
da existência, a tentativa de decifração dos mistérios da vida, pulula na
Poesia de NS, existem incontáveis exemplos.
No poema Espera, ele procura compreender a faculdade do entendimento,
aquela que cuida das ideias e dos sentimentos racionalizados:
“(o todo inconsciente
que a tudo
exige compreensão
já que o entendimento
nunca foi um dom
exclusivo
da razão).”
Em Resquício aparece novamente a procura do ferramental
para racionalização do discurso:
“da língua de amolar
minha palavra
ancestral.”
São acertadas estas
práticas de interrogação permanente sobre a gênese e os fundamentos do
significado das palavras e sentimentos, porque ficar em silêncio não é uma solução conveniente para o praticante de Poesia - a
mais vã e sutil das artes - que têm como matéria e desafio a palavra, a
elaboração de um discurso significativo.
Por
isso é imprescindível meditar Sobre a
Transcendência do Silêncio e prestar atenção no que NS tem a dizer acerca deste assunto.
Nathan Souza, Sobre a Transcendência do Silêncio, Belém-PA, Editora LiteraCidade, 2014(www.literacidade.com.br)
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