Quem primeiro viu Dalva parada e perdida na esquina foi
Dóris. Olhou, virou a cabeça para ver melhor e latiu abobalhada. Alertada, Deise
foi até a janela, sexto andar, e viu uma mulher, atarantada e assustada, olhando
para cima e para todos os lados. O farol mudou duas vezes e a moça não saiu do
lugar.
Os problemas de Deise naquele dia estavam na sua agenda
superlotada de compromissos. Precisava fazer um monte de ligações, dar um jeito na casa, levar Dóris para passear e passar pelo consultório. Não havia conseguido
desmarcar várias consultas. Ficar sem empregada era como nadar num tsumane
prologado.
Uns 20 minutos depois Dóris voltou a latir assanhada e
esganiçada. Deise, de novo, foi até a janela. A mulher continuava no mesmo
lugar olhando as ruas e os prédios, aflita e desamparada.
“O que esta acontecendo com aquela coitada?”
Deise perguntou para Dóris. “Não sei, mas estou preocupada” latiu saltitante. “Bom, nós podíamos sair para passear e conversar com ela”. A cadela concordou, foi buscar a guia e baixou a cabeça para receber a coleira.
Deise perguntou para Dóris. “Não sei, mas estou preocupada” latiu saltitante. “Bom, nós podíamos sair para passear e conversar com ela”. A cadela concordou, foi buscar a guia e baixou a cabeça para receber a coleira.
Dalva tinha uns 35 anos, a mesma idade de Deise, era agreste,
decidida e bonita, mas vulnerável
naquela situação estranha, Como uma onça presa numa armadilha girando sobre si
mesma, sem saber o que fazer.
Dóris, com o focinho impertinente, cheirou o corpo inteiro
da moça e pulou para por as patas no peito dela. Dalva se afastou e falou
brava: “Gosto de cachorro, mas não dessas danças e festanças.” Depois acariciou
a cabeça de Dóris. A cadela se acalmou, baixou a cabeça e balançou o rabo, alegre
e faceira.
“Posso ajudar em alguma coisa? Faz tempo que estou te vendo
parada nessa esquina.” O olhar mostrava desamparo e terror, mas a luz no fundo
deles, agora, era de esperança. “Cheguei do interior do Ceará faz uma semana.
Minha patroa, Dona Selma foi me buscar na rodoviária, não conheço nada daqui.
Hoje foi o primeiro dia que sai do apartamento e não consigo voltar.”
“Sabe o endereço? O nome inteiro da sua patroa? Tem o
telefone dela?”
“Sei nada não senhora. Nem sei ler direito. Ela me mostrou a
venda da janela. Parecia fácil, mas não consegui achar o lugar e fiquei
perdida. Sem saber voltar para casa andei bastante por aí, mas não adiantou
nada. Então parei. Quem sabe Dona Selma me encontra.”
“Quanto tempo faz que está aqui parada?”
“Tem mais de duas horas.”
Um problema imenso, uma tragédia absurda, incrível, chata e
ridícula. Dóris latiu concordando, já deitada nos pés de Dalva.
“Como é o seu nome?”
“Dalva de Jesus Ferreira.”
“E o que vai fazer?”
“Sei não. Tou rezando p’ra Deus me ajudar.”
Deise olhou para Dóris. A cadela concordou festeira,
balançando a cabeça e de língua para fora.
“Bom, aqui não pode ficar. Vamos para minha casa para pensar
no que fazer.”
Seis meses depois, levando Dóris para passear, Dalva viu
Dona Selma de longe. Mudou de calçada. A cadela, cúmplice, abaixou a cabeça
para passarem despercebidas.
Não seria preciso, o perigo era pouco. Dalva tinha cortado e
ajeitado os cabelos, comprado roupas novas e conhecia bem o bairro. Agora era
uma moça da cidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário