sexta-feira, 21 de agosto de 2020
Florença – 28/ago/2018 – Adoniran Barbosa
sábado, 15 de agosto de 2020
Gruyères / Suiça – 25/maio/2016 – Museu HR Giger
Pois é, desde maio de 2016, quando visitei o Museu HR Giger em Gruyères – cidade que é parada obrigatória no roteiro de queijos suíços – desenvolvi uma severa cine-neurose. Sempre que assisto filmes da franquia ALIEN fico com vontade de comer queijo e sempre que como queijo fico com vontade de assistir filmes ALIENS. Um círculo vicioso.
Isso é grave, incômodo, minha família é de origem mineira e gosto de queijo. Pior, se o queijo é do tipo ‘gruyère’, preciso ir correndo para a frente de uma tela/monitor. Também depois de assistir filmes ALIENS preciso comer queijo.
Visitar o museu de Hans Ruedi Giger e seu bar alien-temático na cidade é obrigatório. Neles estão plasmados parte do consciente coletivo desta virada de séculos. Vale até esticar o roteiro incluindo a sala erótica, onde todas as sugestões latentes que habitam as cabeças dos espectadores estão realizadas. Mas é proibida para menores.
sexta-feira, 7 de agosto de 2020
Amsterdam – 2014/set/19 – Museu Van Gogh
Fui até Arles/França para conversar com Van Gogh. O papo não progrediu, o pintor só queria falar da ‘amarelidade’ do amarelo. Me carregou para as vias, desvãos e desvios de sua (dele) mente.
Revolvi procura-lo em Amsterdam, no Van Gogh Museum. Lá o mestre é mais comportado, contido numa exposição temática: ‘Van Gogh em Paris’, de novo o mestre estava colorido, desta vez gris. Mesmo assim arrisquei palestrar.
“– Vincent a alma tem cor?” Me olhou ensimesmado, coçou a barba vermelha.
“– Sim. Tem todas elas.” O ponteiro-pincel demorou a se mover.
“– Como posso entender melhor isso?”
“– Olhe com paciência ‘Amendoeiras em Flor’. Um quadro pequeno, porque alma é tímida, só se exibe em nesgas ou janelas.”
Em uma carta de autoria duvidosa, exibida com orgulho pelo
colecionador argentino Dario Iblanes, Van Gogh comenta ao irmão um velho adágio
do seu tempo: a vida imita a arte, confessa ser esta a sua obsessão e o grande
critério avaliador do gênio artístico, a saber: ver ao acaso uma paisagem
pitoresca e senti-la como uma imitação de uma tela inadvertidamente conservada
na memória.
Refletindo sobre os cristalinos pintores flamengos, ele recorda das muitas vezes em que, encontrando-se a vagar por certos ambientes domésticos da Holanda, fora assaltado pela brusca sensação de estar dentro de um quadro de Vermer, de Van De Mer ou Van Dick.
Semelhante a um dejá-vu, esta sensação suspendia os laços do cenário com o mundo, a crença de haver em volta um universo contíguo e ordenado que é justamente a nossa intuição ordinária da realidade. A realidade mesma parecia emanar do quadro rememorado do qual a percepção atual nada mais era do que uma caprichosa imitação. Nem por isso o ambiente em volta perdia o seu encanto; ao contrário, destacada do mundo ordinário, o cenário percebido brilhava em sua plenitude e singularidade como num sonho ou numa obra de arte pois... "a essência-fraterna da arte e do sonho não é outra coisa senão o poder que a imagem tem de se destacar dos trilhos motores onde desliza nas percepções ordinárias e ficar em pé, revelando suas infinitas perspectivas e profundidade"...
Por esta ótica invertida, as grandes telas da arte humana tornam-se modelos exemplares e hipostasiados, ideias platônicas enfim encarnadas e caídas do céu. A natureza revela então aos nossos olhos a sua secreta finalidade: imitar com perfeição a arte das tintas e dos pincéis. Van Gogh narra nesta carta um episódio maravilhoso quando, passeando pelos campos de Arles, via cada folha caída como um croqui, cada árvore desfolhada como um esboço e o bosque inteiro como um decalque de uma tela gigantesca e antevista sob as róseas neblinas da aurora.
Paul Cézanne parece ter tido uma intuição semelhante quando definia uma montanha como um pedaço de terra que fica em pé para ser pintado. Após ler a carta fiquei a pensar nesta obstinação de Van Gogh em pintar uma tela onde a paisagem usada como inspiração fosse vista, em suas variações atmosféricas, seu cromatismo e suas linhas, como um esforço da natureza enfeitiçada em mimar um quadro por ele pintado. Pela data terminal desta carta, fui levado a imaginar Van Gogh pintando o seu último quadro, Os Corvos No Trigal. Era preciso um pouco de imprecisão e de muito movimento para que houvesse imitação numa paisagem tão dinâmica como aquela. Ele busca algo mais gracioso e flexível do que uma simples representação, quer o grau exato de intensidade e pinta os corvos voando sobre o trigal como anjos negros no paraíso iluminado. Seu espírito está conturbado pois os problemas inferiores da condição humana, que Antonin Artaud chamava de forças maléficas, também habitam a sua alma. Contra eles carregava no bolso uma pistola, pois, na sua profunda lucidez, sabia não haver no mundo forças maléficas que resistissem a uma bala bem colocada; não tinha tempo a perder com suas dores espirituais e seu instinto lhe dizia que, se ele sofria, alguma coisa viva lá fora era a verdadeira causa. O quadro ficaria pronto em poucas horas. Era de uma beleza grandiosa e parecia que a qualquer momento os corvos no trigal voariam assustados, a natureza lhe proporcionando aquela esplêndida sensação já experimentada de estar dentro de um quadro. Saber-se o autor do quadro e do suposto arranjo nas forças da natureza intensificaria o seu contentamento... Sentir-se-ia um magnífico feiticeiro! Era preciso fazer os corvos voar sobre o trigal. Van Gogh sacou a sua pistola. No último instante sentiu haver algo sobrando no cenário: Ele próprio! Era impossível pintar um pintor pintando a si mesmo a pintar ao infinito....
Se ele cometeu um suicídio estético saindo definitivamente da cena ou se o fez por outros motivos, ninguém pode saber, mas certamente, nos instantes seguintes ao tiro, na revoada dos corvos sobre o milharal, Van Gogh pode talvez experimentar uma indescritível sensação de sonho e divindade que valesse por uma vida inteira de dores e contrariedades.
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Obrigado de novo.
Van Gogh é um de meus ‘delírios controlado’, leio tudo que encontro
sobre ele. Fui em Arles caminhar pelas ruas que caminhou e visitar os lugares que
pintou.
Li o imenso livro sobre ele (Van Gogh - A Vida / Steven
Naifeh e Gregory White Smith) e acho que sua maior obra (que ressignificou todas
suas pinturas), foi o seu suicídio(?).