Quando acabou a sessão ficamos iguais aquele osso girando no
espaço, encalacrados na maior elipse de tempo da História do Cinema Mundial, sem entender
nada, perdidos no vácuo interplanetário e epistemológico, incapazes de completar
a transição para acoplamento na estação espacial.
Naquele tempo era possível, por isso permanecemos sentados e pasmos no mesmo lugar esperando a nova sessão do enigma recomeçar. Congelada na cabeça, estava a
última imagem da tela, um feto querendo voltar para o cálido conforto do ventre
materno. Abobados mergulhamos na próxima exibição.
De nada adiantou ver de novo, as dúvidas se multiplicavam
exponencialmente.
Tácitos, por unanimidade, concordamos que o único caminho era ler tudo sobre aquela odisseia e voltar a rever a fita, quantas vezes fosse necessário, até entende-la.
Tácitos, por unanimidade, concordamos que o único caminho era ler tudo sobre aquela odisseia e voltar a rever a fita, quantas vezes fosse necessário, até entende-la.
Na longa escuridão pré internética – para um bando de CDFs
suburbanos – era difícil conseguir informações sobre 2001. A missão, diferente
de uma pesquisa no Google, parecia mais arqueologia, era preciso cavoucar
muito. Cada achado, qualquer informação desenterrada dos jornais ou revistas
era compartilhada, avaliada e amplamente discutida antes de ser encaixada naquele
universo em perene distorção. Para piorar, Kubrick e Clarke insistiam que não queriam
dar explicações, buscavam o assombro.
Por sorte, rever o filme era fácil e factível, frequentemente
voltava à cena. Assim, até o fim dos 70, assistimos 21 vezes a película, sempre o grupo
inteiro. Depois vinham as reuniões, vastas discussões que duravam semanas, se
esticando até a próxima reprise. Formávamos uma irmandade devota e perdida, sequiosa
por iluminação. Nosso desejo secreto sempre foi ter uma cópia da obra prima, mas
isso era impossível, nem o VHS existia.
Não possuíamos nem mesmo a trilha sonora. Mas Eduja era
proprietário de um parrudo gravador de rolo Akai, em cima dele elucubramos nosso
plano de ação, armamos nossa demanda do Santo Graal. O Cine Rio, no Conjunto
Nacional, estava programando uma apresentação especial para depois da meia
noite, e nós conhecíamos o lanterninha. Rubão tomava conosco o primeiro ônibus
da madrugada, depois da passar a noite em claro.
No dia aprazado levamos o imenso aparelho para a plateia,
dentro de uma mala enorme. Quase sempre a ocupação da sala era rarefeita, conveniente
para que o esperando milagre acontecesse. Com ajuda no nosso amigo ligamos o gravador
perto do alto falante e registramos o áudio do filme inteiro.
Durante muito tempo foi o nosso troféu, copiamos em cassete
e ouvíamos em repeat mode, decorando os parcos diálogos. Para os mais chegados
vendíamos cópias, apesar da qualidade de som horripilante.
Contudo a vida é dura e as vitórias transitórias, poucos meses depois saiu a trilha sonora num belíssimo e cuidado LP. De bom só nos sobrou a memória da atarantada aventura.
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