Escassos 32 anos depois – na Semana de Arte Moderna - chegou a quase 600 mil. A urbe que Mário de Andrade chamou de Paulicéia Desvairada havia se multiplicado por dez nesse intervalo a capital dos paulistas se consolidou como maior entroncamento ferroviário do país.
As acanhadas capelas e igrejas coloniais foram derrubadas, no lugar delas ergueu-se um magnifico conjunto de templos católicos que, ainda hoje, enfeitam a paisagem da cidade. O Teatro Municipal eclodiu suntuoso do outro lado do outrora sinistro brejo do Anhangabaú que, drenado, foi convertido num parque urbano sofisticado, cercado de palacetes e decorado com estátuas. Edifícios começavam a crescer por perto e bairros chiques brotavam em torno do Centro.
A louca intervenção-exposição de arte em 22 foi a festa de debutante da jovem metrópole. Trombeteava que que havia surgido um novo e poderoso farol na geografia culta do Brasil. Entretanto faltavam acomodações de qualidade para receber os passageiros ilustres que desciam dos trens empolgados com o novo e alucinante polo comercial da nação.
A louca intervenção-exposição de arte em 22 foi a festa de debutante da jovem metrópole. Trombeteava que que havia surgido um novo e poderoso farol na geografia culta do Brasil. Entretanto faltavam acomodações de qualidade para receber os passageiros ilustres que desciam dos trens empolgados com o novo e alucinante polo comercial da nação.
O Hotel Esplanada abriu suas portas em 1923, era a sala de
visitas da jovem cidade, de repente transformada em metrópole trepidante e locomotiva
do Brasil. Desde a abertura – um ano depois da Semana de Arte Moderna – e por
algumas décadas atraiu todas as pessoas importantes que passavam pela Paulicéia.
Seu principal concorrente, o Hotel Terminus que perdia no quesito localização, era
perto da Estação da Luz, mas longe do Centro.
Suas belíssimas instalações – projetadas por Joseph Gire, o mesmo arquiteto
do Copacabana Palace – como todos sabem, era ao lado do Teatro Municipal, o
orgulho paulistano, e com privilegiada vista para os Jardins do Anhangabaú. Por
isso os artistas, escritores e endinheirados que chegavam à cidade convergiam
para seus apartamentos e salões. Mais ainda, possuía um túnel que levava direta
e discretamente ao Teatro, conveniente para as famosas atrações mundiais que se
apresentavam no nosso mais refinado palco.
A relação das celebridades acolhidas pelo hotel durante seus
34 anos de atividade (de 02/1923 a 12/1957) é extensa e fulgurante. Basta
procurar no Google, existem centenas de crônicas documentando estas visitas. Se
compiladas dariam um magnifico livro sobre a melhor época de S. Paulo. Beniamino Gigli, Bidú Sayão, Magdalena
Tagliaferro, Elvira Rios, Mario Moreno (Cantinflas), Carmem Miranda, Sylvio
Caldas...
No âmbito da literatura, além de ter sido personagem de vários romances e novelas brasileiras, dois ganhadores do Prêmio Nobel se hospedaram no Esplanada.
Em março de 1927 Rudyard Kipling, ciceroneado por Alexander
Mackenzie, vice-presidente da Light, veio conhecer a Serra do Mar e as usinas
da empresa. Durante sua estada escreveu a ‘Canção do Dínamo - Song of the Dynamo' (ver abaixo - 1. Kipling), um de seus
principais poemas.
William Faulkner esteve no hotel entre 8 e 14 de agosto de
1954 (quase pegou o suicídio do Getúlio), para participar do Congresso Internacional de Escritores em São Paulo.
Consta que atravessou os dias bêbado, entusiasmado e aéreo – às vezes os
três estados ao mesmo tempo. Contudo, aproveitou a oportunidade para fazer um
deslumbrante elogio aos olhos de Lygia Fagundes Telles: “Se os seus contos forem
tão bonitos quanto os seus olhos, a senhora certamente é uma grande escritora”.
Oswald de Andrade era frequentador assíduo, porém desmente
que foi num dos seus quartos que bebeu champanhe com Isadora Duncan. Gostava tanto do lugar que, em
1927 – o ano do Kipling – escreveu a ‘Balada do Esplanada’ (ver abaixo > 2. Oswald), que Cazuza em 1987 adaptou,
musicou e gravou (clique > Balada do Esplanada/Cazuza).
Helena e José Ermírio de Moraes casaram-se no Hotel
Esplanada em 1925. Por causa deste viés romântico a família decidiu comprar o
prédio em 1963. Adaptou o velho hotel para uso comercial, mudou o nome para
Edifico José Ermírio de Morais e instalou lá a sede da Votorantim, um dos
maiores complexos industriais do país.
Recentemente o Governo do Estado de São Paulo adquiriu o imóvel prometendo instalar no local a Secretaria da Agricultura e Abastecimento. No
dia 03 de abril de 2014 Geraldo Alckimin fez até discurso de inauguração.
Porém, atualmente, passando por suas calçadas, o prédio parece vazio e
subutilizado. O térreo, mal iluminado serve apenas de estacionamento para
carros e motos.
Uma pena dar ao belo prédio um uso tão insignificante. Os planos e iniciativas de ocupação dos
edifícios do Centro, pela Prefeitura e Estado, são muitas vezes ébrios, enigmáticos e
erráticos; desarticulados, desencontrados e descontínuos. Talvez, seguindo
exemplo de outras capitais mundiais, o elegante hotel devesse ser incorporado à Fundação
Theatro Municipal para exposições permanentes dos cenários, figurinos e
memorabilia da cena musical paulista.
(1. Kipling)
(1. Kipling)
Song of the Dynamo
Brazilian Sketches, 1927
HOW do I know what Order brings
Me into being?
I only know, if you do certain things,
I must become your
Hearing and your Seeing
Also your Strength, to make great wheels go round,
And save your sons from toil, while I am bound!
What do I care how you dispose
The Powers that move
me?
I only know that I am one with those
True Powers which
rend the firmament above me,
And, harrying earth, would save me at the last—
But that your coward foresight holds me fast!
(2. Oswald)
Balada do Esplanada
Ontem à noite
Eu procurei
Ver se aprendia
Como é que se fazia
Uma balada
Antes de ir
Pro meu hotel.
É que este
Coração
Já se cansou
De viver só
E quer então
Morar contigo
No Esplanada.
Eu queria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos
É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
Que passariam
Diriam
É o hotel
É o hotel
Do menestrel
Pra me inspirar
Abro a janela
Como um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
E ficar sendo
O menestrel
De meu hotel
Mas não há, poesia
Num hotel
Mesmo sendo
'Splanada
Ou Grand-Hotel
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador
Testemunho de grande parte da história da nossa cidade. Tão lindo, e lamentavelmente desprezado pelo governo. Obrigado por manter viva a história desse lugar marcante!
ResponderExcluirWilson Colocero, em quase todo lugar do mundo os Teatros de Ópera são muito dinâmicos, têm vários tipos de atividades o dia todo. Acho que o Municipal precisa se pensar como uma instituição cultural que vai além dos espetáculos no palco.
ResponderExcluirRecebido via Facebook
ResponderExcluirMARIA SATELES ― Que encanto, quanta riqueza! Muito obrigada isso não é uma matéria e sim um acervo!
Há aí um pequeno engano. Enrico Caruso esteve em SP apenas uma vez, em 1917. Não poderia, portanto, ter-se hospedado no Esplanada, que ainda não existia.
ResponderExcluirMuito obrigado pela leitura, e, mais ainda, pelo alerta. Já corrigi no texto. Certamente, para a informação, não haveria melhor abonador. Sou seu leitor e ouvinte na Cultura FM.
ResponderExcluirMinha fonte foi o livro ‘Roberto Civita - O Dono Da Banca - A Vida E As Ideias Do Editor Da Veja E Da Abril - Carlos Maranhão / Companhia Das Letras’.
Matéria Magnífica! P/ mim o Gran Hotel Esplanada tem um significado especial: Nos ano de 1935, em um baile de gala em seus luxuosos salões, beneficente em pró dos Sanatorinhos de Campos do Jordão, organizado por minha mãe, ela, Ma. Rosina Prudente de Moraes, foi pedida em casamento por meu pai, Fernando Getúlio Neves da Costa. Por isso, tenho um carinho especial por esse prédio de sua história. Torço sempre por um destino nobre e respeitoso dele
ResponderExcluirque testemunhou a História de São Paulo. Obrigada,Douglas Bock, pelo resgate de sua memória
Maria de Lourdes Morais Costa - Obrigado pela leitura e comentário. Parece que era um lugar propício para promover enlaces, porque, como disse no texto, o prédio foi comprado pela Votorantim para preservar o lugar em que os Helena e José Ermírio de Moraes, os pais da família, se casaram.
ResponderExcluirAcho que o edifício deveria ser anexado ao Theatro Municipal, para preservar a historia da cultura lírica e teatral paulista.
Excelente postagem histórica e, ao mesmo tempo registro do desprestígio governamental, como sempre.
ResponderExcluirEneida Cinta - Muito obrigado pela visita e comentário.
ResponderExcluirEsplendido texto como o Esplanada foi um dia!
ResponderExcluirMuito obrigado pela visita e comentário Esther Naselli Saba
ResponderExcluirSerá que eu encontro em algum lugar a lista de hóspedes? Acho que meu bisavô que deu aulas na USP, hospedou se aí. Se você souber, agradeço. Obrigada pela informação
ResponderExcluirOlá, o artigo foi baseado em livros e noticias de jornal. Nunca encontrei nada que indicasse que existe uma lista de todos os hospedes.
ResponderExcluir