Antes da Internet – que só chegou ao povo em 95 – os adictos
do vício elegante de ler Romances Policiais tinham nas cabeceiras das camas uma
pilha de livros. Imprescindíveis para atravessar noites de insônia e madrugadas
brancas. Nunca diminuíam, apenas variava o tamanho e os títulos empilhados.
Nestas reservas estratégicas (mantenho a minha ativa até
hoje) nunca faltavam os clássicos: Rex Stout, Georges Simenon, P.D.James,
Mickey Spillane, Ngaio Marsh, Dorothy L. Sayers, alguns em edições difíceis de
ser encontradas. Autores mais novos, de coloração vária, recém-lançados ou
descobertos, também frequentavam o acervo: Patricia Cornwell e a Médica-Legista
Dr. Kay Scarpetta, Harry Kemelman e o Rabino David Small, Donna Leon e o
Comissário Veneziano Guido Brunetti, John Dunning e policial bibliófilo Cliff
Janeway.
Era sempre eletrizante descobrir. na legião de novos
escritores, os mais exóticos, de vários sabores e outras geografias: Michel
Chabon e o mundo judeu, Andrea Camilleri e o Comissário Salvo Montalbano da Sicília,
Manuel Vásques Montalbán e o Detetive (ex CIA?) Pepe Carvalho de Barcelona.
Além de Luiz Alfredo Garcia-Rosa e o Inspetor Espinosa, genuinamente cariocas.
Conan Doyle e Agatha Christie só entravam no monte para eventuais releituras.
Paulo Francis, o polêmico jornalista, que também era
dependente do vício elegante e devia ter seu próprio mocó, escreveu que sempre
era fácil reconhecer seus iguais pelo mundo afora, quando parava defronte as
estantes de Policiais nos aeroportos e livrarias. Intuía que os companheiros –
além de competidores por um eventual último volume – eram uma classe especial
de pessoas, não importava a origem. Sabia que depois de um whisky o papo tinha
tudo para rolar bem.
Os fãs de Romances Policiais devem ter uma conformação mental
singular, apreciam contraposições e cabos de forças: exceções e regras, mundos
diferentes e cenários conhecidos, transgressões e ordem, crime e castigo.
Porque, mais que tudo, desejam
compreender os mecanismos que operam tudo isso.
Os mestres do gênero precisam saber um pouco de magia, podem
adotam ou desrespeitar qualquer regra, desde que consigam preservar o mais
importante: manter o mistério.
A ‘cor local’. Detalhes, peculiaridades, pequenos segredos,
restaurantes, locais típicos, bares, lojas, costumes e gastronomia da região em
que acontecem as histórias.
As 'tramas'. Patrícia Highsmith, através de Ripley, inovou
na narrativa. Suas histórias são contadas pelo simpático meliante confesso que
nos induz a torcer para que seus truques e tentativas de enganar as autoridades
e inimigos deem certo. Interessante abordagem, pena que escreveu apenas cinco
novelas.
Os 'personagens excêntricos'. Lembram de Hercule Poirot?
Nero Wolfe, o rotundo detetive de Rex Stout é o mais estrambótico. Pesa 150
quilos, preguiçoso, prepotente e presunçoso. Orquidófilo fanático, leitor
voraz, hedonista gastronômico e glutão. Claustrófobo, jamais saia de casa, seu
auxiliar, Archie Goodwin, precisa convencer todos os envolvidos no caso a
visita-lo. Gostaria de ver uma boa série da Netflix com ele.
A revista Playboy (ou outra, minha memória ás vezes me
engana) perguntou a varias pessoas: 'se não fossem elas, quem gostariam de
ser'. Paulo Francis respondeu Nero Wolfe.
Então seriam três – ou uma multidão – porque também queria.
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