Patricia Highsmith, criadora de Tom Ripley, despiu seus
personagens da consciência moral. Suas criaturas são frias e calculistas, mas sem perversidade. Praticar um crime é somente um incidente, um aborrecimento operacional, desses que resolvem definitivamente as coisas. Pouco piores
do que as mentiras sociais que utilizamos no dia a dia.Necessárias para evitar
longas explicações e disfarçar a dureza das verdades.
Entretanto, apesar de repudiar e repugnar esses defeitos de
caráter, nos sentimos compelidos a simpatizar com os heróis sem escrúpulos, inventados por Patrícia. Em geral pessoas cultas, gentis, elegantes, amantes das artes, do
bom papo. Fáceis de conviver, porque nas impede que os crápulas e canalhas sejam simpáticos.
Nina Simone sonhou ser pianista clássica, mas depois da
recusa da Curtis Institute, talvez
por ser negra, mudou para a música popular e se dedicou, com zelo e competência,
a despojar as canções dos excessos e dos exageros. Quando escolhia alguma coisa para cantar, antes
simonizava a música, tirava tudo que era penduricalho e excrescência, deixava
apenas ritmo, tema e sentimento; e inventava um novo contexto.
Os exemplos são muitos: My
Way, com Frank Sinatra é uma canção gabola e metida; com Nina, um
hino de aceitação das consequências dos próprios atos. Ne
Me Quitte Pas, com Jacques Brel, o autor, é uma súplica chorosa
para a amante não ir embora – com Maysa é apenas dor de cotovelo incurável; porém, com Nina, é um aviso pungente e derradeiro, um alerta para o parceiro ficar esperto porque esta perdendo uma grande mulher.
Simone de Beauvoir desnudou a situação da mulher moderna,
exibiu todos os laços, colchetes, enchimentos, zíperes e botões que suportam,
garantem e consolidam o feminismo. Inventariou e experimentou todas as possibilidades de convivência com um parceiro. Ousou liberdades e
arriscou aventuras amorosas, morais e públicas com Nelson Algren e outros companheiros. Nunca apenas amantes, porque – numa intrepidez rara, mesmo hoje em dia – aceitava misturar sua vida com a deles.
Depois – linda, bela e serena – narrou com doçura e amor sua envelhescência, num exercício de honestidade, sabedoria, orgulho e elegância, como uma vida bem
vivida merece.
Magicada, passou os últimos anos encantada feito santa, envolvida numa
‘cerimônia de adeus’ dedicada ao homem que foi sua alma gêmea, com quem partilhou sua existência inteira.
Era francesa, as outras duas escolheram a França como pátria.
Realmente especiais pela humanidade, não por santidade.
ResponderExcluir