O encontro foi curto e casual, contudo, empolgante e
inesquecível. Demorei a compreender o significado e a transcendência daquele
presente que o acaso me oferecia: falar com um mito aureolado pela
História da MPB, meio erodido pelo ocultamento e pelos mistérios. Até a lembrança do
evento, com o tempo, vai ficando granulada, por isso resolvi escrever.
Foi no Teatro Municipal, num domingo, no dia 9 de novembro
de 2008. O espetáculo estava marcado para as onze horas, porém, minha parceira
e eu chegamos antes para tomar café e observar a movimentação na sala de espera. É magnífica,
predispõe o espírito para a Música.
A programação era densa, constava a estreia brasileira da Sinfonia #7 de Vaughan
Williams, com a Orquestra Experimental de Repertório, regida por Rodrigo de
Carvalho; mais a soprano Martha Herr e as vozes femininas do Coral Paulistano. A
segunda parte teria a Abertura
‘As Vespas’ e a Fantasia
sobre um tema de Thomas Tallis, apresentada pelo
Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo.
A cafeteria rapidamente ficou superlotada, mas na nossa
mesa, num canto, sobrava uma cadeira. De repente um senhor magro, de estatura
mediana, barba rala e longos cabelos grisalhos – de maestro – se aproximou; vestido
de camisa social branca e calça cinza chumbo. Gentilmente, perguntou se poderia
apoiar a xícara na mesa. Tinha quase certeza de que era Geraldo Vandré.
“Por favor, sente-se e
tome o café bem acomodado.”, respondi ajeitando a cadeira.
Ele agradeceu, sentou e comentou: “Antes do almoço é a melhor hora para ouvir Música Clássica”.
Obviamente concordei. Naquele tempo estava interessado em Quartetos
de Cordas, vivia focado nestas obras e conjuntos. Na verdade não sabia nada
sobre o resto do programa.
“Vim por causa do
Quarteto de Cordas.” Anunciei.
“Também gosto de peças
de Quarteto de Cordas, estruturalmente são como concertos e sinfonias reduzidas
ao essencial, entretanto, experimentando com soluções orquestrais.” Sua resposta era magnânima, concordava comigo, talvez por elegância e generosidade.
As falas eram intercaladas por longos silêncios. O café dele
acabou, levantou, agradeceu, despediu-se e foi embora. Saída de cena perfeita,
porque não sei se resistiria – minha admiração por ele, por sua figura célebre
e envolta em lendas e histórias desencontradas, era muito grande – logo
começaria a falar de suas obras primas Pra
não dizer que não falei de flores e Disparada. E no embalo começaria a chamá-lo de 'Drezão'.
A breve conversa foi um acontecimento marcante, irreal, quase
miraculoso, porque, no geral, Vandré vive recluso, isolado, mudo, invisível e
inexpugnável. Somente em setembro de 2010 foi exibida, na GloboNews, a famosa
entrevista de Geneton Morais Neto tentando explicar (ou confundir mais) as
ideias e trajetórias do grande gênio enublado da MPB.
Na volta do Intervalo Marcelo Jaffé, o viola do Quarteto, ressaltou a presença de Geraldo Vandré. O artista voluntariamente eclipsado se levantou na
terceira fileira – duas à minha frente – tímido e incomodado. A plateia inteira
aplaudiu de pé, demorada e torrencialmente. Acompanhei a homenagem entusiasmado,
porém com maior intimidade.
foi um encontro casual, mas uma bela recordação.
ResponderExcluirDulci Bock
Muito obrigado pela visita Dulcinéia, volte sempre.
ResponderExcluirTenho em mãos o Noites Tropicais, relido nos últimos dez dias. Nele, Nelson Motta cita carinhosamente o trabalho e a personalidade ímpar de Vandré, com respeito e admiração que também acho devidos. Sobre sua crônica, fazem um bem danado essas evocações à flor da pele.
ResponderExcluirObrigado Fernando Marchini Dias, Eu li Noites Tropicais, Nelson Motta. Ele esteve presente nas últimas décadas da MPB. Se ainda não viu, recomendo a reportagem que o Geneton Moraes Neto fez (com e) sobre ele. Tem no Youtube.
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