Entre os milhares de monumentos espalhados por S. Paulo, o
‘Obelisco do Piques’, ou ‘Pirâmide do Piques’, é especial, porque foi a “primeira obra inútil” construída na
cidade. O que diferenciava a ‘Pirâmide’, de tudo que veio antes, era a absoluta
gratuidade. “Era apenas um monumento. Sua
função não dizia respeito a nenhum aspecto prático da vida”, ao contrário de
um chafariz, de uma ponte ou, até, de um pelourinho. A conclusão que Roberto
Pompeu de Toledo (A Capital da
Solidão) tira dessa extravagância é, ao mesmo tempo, óbvia e
brilhante: “Quer dizer que os moradores
tiveram a ideia de enfeitar a cidade – e quando se quer enfeitar alguma coisa é
porque se gosta dela.”
Numa leitura transversal, pode-se dizer que 1814 – o ano da
inauguração da ‘Pirâmide do Piques’ – é um divisor na psicologia paulista. A
população da Província de S. Paulo estava mudando de mentalidade. Ao invés de
desbravar sertões e caçar índios, agora queria se assentar e procurar outro
jeito de ganhar a vida. O Ciclo do Café acabava de ser lançado. O paulista
sempre teve viés cosmopolita, antes queria a ajuda do índio, depois dos escravos, em breve seria a vez dos imigrantes.
O ‘Obelisco do Piques’ foi projetado pelo Coronel e
Engenheiro Daniel Pedro Müller – que terá vida agitada na futura política
paulista – e construído pelo português Vicente Gomes Pereira (Vicentinho). É
dúbio o evento que motivou a homenagem oficial: pode celebrar o fim da presidência
interina do Bispo D. Marcus, ou pode agradecer o fim de uma longa estiagem. Em todo
caso, foi uma novidade erguer um monumento para relembrar algum acontecimento. Procedimento tão esquisito que o Largo e a Ladeira anexa passaram a se chamar ‘da Memória’. Na alvoraçada e volúvel História
Paulista – que adora mudar e reinventar – foi um milagre o nome e o monumento
resistirem por dois séculos.
O Largo da Memória, que teve muitos nomes, sempre foi um lugar
especial na geografia de Piratininga, mesmo antes da fundação de S.Paulo.
Primeiro funcionou como um privilegiado ponto de descanso da Trilha Peabiru,
entre o litoral e o interior. Depois virou “uma
espécie de boca da cidade voltada para o sertão”, mercado de escravos e
animais, local onde as pessoas pararam antes de entrar ou sair da cidade.
A História gosta de dar laços e empilhar significados, escolheu
bem a localização do nosso primeiro monumento. O Largo da Memória comporta múltiplos
significados, o ‘Obelisco’, quem sabe, poderia ser uma esotérica estela
demarcatória do Caminho de Peabiru, ou poderia esconder uma homenagem cifrada
ao Movimento Bandeirante, o principal empreendimento do povo paulista.
O Largo da Memória, este intrigante desvão topográfico –
sujeito a terraplanagens, acidentes telúricos e metroviários – de alguma forma
vai ficar eternizado na interessante novela de Geraldo José Vieira – 'A Ladeira da Memória'.
O livro vai ajudar a preservar o mistério e a mágica do nome e do lugar.
Porque, é bom lembrar, apesar da transcendente beleza da
rosa, na memória cognitiva humana, o que prevalece é o nome.
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