O bairro, que dois séculos atrás – 1819, abrigou Saint-Hilaire, o mais simpático e otimista dos cronistas estrangeiros que visitaram S. Paulo, deve ficar dentro de uma sutil dobra do Tempo, do território mítico onde aconteceu a invenção do 'paulistano' típico. Um bolsão irreal costurado com agulhas mágicas e linhas esquisitas. Com limites indefinidos e geografia incerta.
É possível, por exemplo, fazer uma viagem no tempo na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, número 1308 e encontrar dois sobradinhos vizinhos recém reformados.
Parece que a onda de revivescência dos sobradinhos é cíclica,
alguns meses atrás registrei a revitalização de um quarteirão inteiro da Rua
Maria José, esquina com a Brigadeiro Luís Antônio. O post teve mais de 500 mil
visualizações, ninguém acreditava, diziam que era montagem.
Talvez, num trecho da Rua dos Ingleses, exista um portal do
passado, com seus ares – não cores – novecentistas. Às vezes,
nos dias de sol, aparece uma ladeira inteira para se paulistar. Perto
do Teatro Ruth Escobar, atrás das cantinas da Rua Treze de Maio e no
alto da escadaria da Praça Dom Orione, que, nos domingos, esconde o busto de
Adoniram e recebe um mercado das pulgas onde são comercializadas as escamas dos tempos idos.
Apesar das fronteiras móveis, o Bixiga ocupa um lugar privilegiado na geografia paulistana: no sentido norte-sul fica entre a Avenida Paulista e o Centro Velho; no sentido leste-oeste divide a Liberdade e Aclimação de Higienópolis e Cerqueira Cesar. Considerando o mapa e as facilidades de acesso, não existe melhor ponto para se morar, é perto de tudo, mas diferente de todos os outros lugares.
Andando pelo Bixiga essa sanha de restauração parece um pouco com
um despertar do Realismo Fantástico, depois de cem anos de sonho deslembrados.
Impressivas dobras do tempo e geografia incerta! Maravilhosa síntese, ampliada na tessitura de magia e beleza e afetos entrelaçados aos portais do tempo que saltam aqui e ali. Belo, Douglas Bock. Sua escrita é pura fruição!
ResponderExcluirImpressivas dobras do tempo e geografia incerta! Maravilhosa síntese, ampliada na tessitura de magia e beleza e afetos entrelaçados aos portais do tempo que saltam aqui e ali. Belo, Douglas Bock. Sua escrita é pura fruição!
ResponderExcluirVilma Silva, passear pelo Bixiga, para os paulistanos, é como virar as páginas de um álbum de fotografia começada pela avó, continuado pela mãe e, agora, em nossas mãos. As ruas são fotos superpostas.
ExcluirEste seu blog é ótimo por vários motivos, dentre os quais a maneira suave como você retrata as lembranças e a sobrevivência de pequenos pedaços da história paulistana, e o texto atraente sem saudosismo, como merece ser tratada uma senhora dama como é a nossa cidade.
ResponderExcluirNuma dessas raras coincidências paulistanas, essa casa ao lado da 1308 pertenceu a um sobrinho (por parte do primeiro marido) de uma velha tia. De família de boas posses, ele nunca deixou de morar nessa casa, mesmo podendo ir para bairros mais abastados, e pelas mesmas razões que você expôs.
Lindas lembranças. Obrigado pela oportunidade de revivê-las!
Eu vivi muitos momentos mágicos e importantes da minha vida, no Bixiga.Andei por muitos anos, por suas ruas, onde vivi momentos e situações mágicas.Fiquei encantada ao ver a foto dos sobradinhos da Rua Maria José!
ResponderExcluirIda Zami, o Bixiga é um lugar mágico dentro de S. Paulo, tenho quase certeza que foi nele que nasceu o tipo 'paulistano'
ResponderExcluirEu nasci na Maternidade São Paulo,onde vi a luz da vida, pela primeira vez. Morei, na minha infância, adolescência e começo da mocidade, na Rua Cezário Mota Jr, com Consolação.Foi naquela ladeira que conheci os paulistanos, oriundos de todos os lugares:descendentes de portugueses, italianos, japoneses, árabes, africanos,alemães, etc.Enfim, brinquei com amiguinhos que eram oriundos de todas as etnias.E,no Bixiga,todos juntos e misturados,o jeito paulistano, levado às ultimas consequências.Infelizmente, hoje, muito empobrecido e maltratado.Mas, agora, felizmente, como você mostrou, renascendo das cinzas.
ExcluirWilson Colocero, entre os mistérios do Bixiga esta o de ser um bairro eterno que de voz em quando volta à moda.
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