segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A Transcendência das Bússolas e Pipas


Por volta dos cinco anos o garoto Einstein, porque estava doente, ganhou uma bússola de bolso do seu pai, para se distrair. Ficou extasiado com o poder fantástico do ponteiro magnético, não importava em que lugar ou posição estivesse o brinquedo, a agulha sempre apontava para o norte. As portas da percepção, as asas da imaginação do futuro gênio se escancararam, compreendeu que para além do visível e do palpável existiam inúmeras outras forças ocultas que comandavam o universo. 

Imagino que os garotos e garotas – de até 70 anos - quando começavam a empinar pipas passavam por um maravilhamento semelhante. Novidades como o poder do vento, a mágica função do rabo do papagaio para o equilíbrio do voo, a força e tensão da linha no precário limite da resistência, perto rompimento. Tudo era susto, desvelamento e deslumbramento.

Devem ter surgido daí nossas grandes questões transcendentais infantis. Porque alguns dias venta e outros não? Porque a direção muda de repente? Porque não temos asas? Compartilhamos perplexos do estalo de Einstein, o entendimento de que o mundo é mais, é muito mais complexo. Repleto de mistérios profundos, muitos deles, ainda não revelados.

Havia também a beleza das pandorgas voando nos céus, as formas variadas, quadrado, losango, hexágono, estrela, maranhão, peixinho e outras inesperadas, sugeridas pela imaginação. A infinita combinação de cores na confecção das pipas. A 'ginga' na dança dos voos, o efeito dos ‘soquinhos’ na arte do empinamento. Experimentávamos a estética táctil, pesando a linha na ponta dos dedos.

Raros ousavam praticar o arcano ofício de transformar sonhos em realidade. Somente os mais audazes enveredavam pelos prazeres da construção dos espíritos volantes. Primeiro era preciso encontrar um bambu bem seco, com gomos longos, livre de nós e buracos de roeduras. Depois esculpir as varetas amorosamente. Leves, arredondadas e bem lixadas, fortes o bastante para garantir os voos dos futuros dragões e fadas aladas.

Então vinha a parte mais difícil 
 somente para os iniciados - fazer milagres com linhas e bambus, construir as armações. Requeria a sabedoria de um engenheiro espacial e a destreza de um prestidigitador, o milagre da transubstanciação de bambu mais papel colado em maravilhas voadoras.

Alguns de nós, os guerreiros, os aventureiros,  prendiam lâminas de barbear quebradas nas pontas das pipas, e – antes do vandalismo comprado do Cerol - colavam, às vezes com o próprio  sangue, pó de vidro nas linhas. Preparando-se para os ensolarados dias de guerra.

O mundo tinha vãos, vieses e contornos misteriosas para estes aprendizes de adultos.



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