SONETO ESTRAMBÓTICO PARA EDWARD HOPPER
Edward Hopper batizou este quadro de Nighthawks – aves, falcões, gaviões da noite – explicou que pretendia retratar predadores esperando pela presa. Deve ter havido alguma distorção ou desvio de comunicação, porque o que vemos é outra coisa. Quatro manequins silenciosos dentro de uma vitrine feericamente iluminada. Um garçom não muito sociável, um casal alheado, juntado pelo acaso, e um homem olhando para dentro de si mesmo. O quarteto inerte de solitários silentes, mergulhados em perplexidades e ruminando dúvidas representa o homem moderno, tema comum e reincidente em Hopper.
Porém, esta tela particularmente, virou ícone da incomunicabilidade do século XX, foi e é revisitada por todas as mito-franquias americanas. Talvez este soneto estrambótico, em prosa, ajude a entender melhor o assunto.
um
Com a expansão da urbanização, provocada pela eclosão da Revolução Industrial, as pessoas perderam suas referências milenares: a agricultura familiar, o trabalho em corporações profissionais e a convivência em comunidades estáveis. Tudo isso foi trocado pela intimidade forçada nos transportes coletivos, ruas apinhadas, apartamentos minúsculos ou cortiços, desagregação dos grupos familiares e tarefas segmentadas e alienantes. Aconteceu uma dolorida depuração do coletivo para produzir o individuo. No fim o ser humano isolado não tinha quaisquer parâmetros e paradigmas válidos e testados para se guiar.
dois
No principio do século passado, de repente, o homem se viu solto e livre, porém sem objetivos transcendentais, exceto ganhar dinheiro e consumir. Com as duas grandes guerras, o rearranjo das nações e a imigração em massa, esse sentimento de desconforto, deslocamento e contingência se agravou. Não adiantava tentar conversar com os outros, todos estavam igualmente perdidos, sofriam do mesmo mal indizível e sem cura. Cada indivíduo experimentava na alma a angústia de Kierkegaard – que é a aflição que a liberdade provoca; a náusea de Sartre – que é a cobrança íntima para encontrar um sentido para a vida; o absurdo de Camus – onde o único problema relevante é o suicídio. As pessoas mais sensíveis passavam a vida caladas e ensimesmadas, olhando para o vazio, sem saber o que dizer e como viver. Ninguém gostava de conversar sobre essas feridas incuráveis. Quase 80% dos livros e filmes ‘cabeça’ dos anos 60/70 falam sobre isso.
três
O rock‘n’roll, os hippies e as drogas romperam este impasse de desassossego pessoal. Talvez 1968 seja o marco de mudança de mentalidade. Mais ou menos, enquanto viajava para a Lua, o homem começou a aceitar e se acostumar com sua liberdade individual; procurou reinventar a integração com outros seres livres e diferentes. Aconteceram experimentos como os grandes festivais (Monterrey, Woodstock), as comunidades de convivência hippie (uma volta ao passado?) e as estrondosas turnês das bandas de rock. A Música, a Arte era o novo código, tudo se transformou em mega-evento para atrair e congregar as pessoas. Virar fã passou a ser uma forma de construir uma identidade pessoal, um modo de pertencer a um grupo, um jeito de interagir com outras pessoas.
quatro
Então inventaram o micro computador, que inaugurou um novo ciclo de isolamento, agora defronte as telas. Curiosamente, o principal evangelizador do ‘graal’ eletrônico foi um adepto da filosofia hippie: Steve Jobs. Os indivíduos não tinham mais problemas de comunicação, falavam até demais, porem interagiam com avatares e amigos virtuais. Com o avanço da telefonia móvel tornou-se possível uma ousadia impensável: a solidão individual compartilhada, porque plugada. Podia-se estar 24 horas conectado, falando com alguém, se comunicando com o mundo, contudo sem conviver com ninguém. É preciso, urgentemente, lançar o Nighthawks II, versão com novo sistema de comunicação. Nele as pessoas estariam com um celular teclando doidamente, quem sabe com seus vizinhos de bar.
Verso estrambote
“O Twitter não é mais do que a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até ao grunhido.”
José Saramago
Transcrito do Facebbok
ResponderExcluirVILMA SILVA olá, Douglas! admirei esse seu soneto estrambótico. É surpreendente a forma em prosa. Não pela reinvenção em si, mas pelo sentido alinhado à situação que o quadro representa.
Vilma Silva gosto de - como na Musica Clássica - brincar com as formas velhas para criar novidades.
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