Audiofilia é gostar de
ouvir música reproduzida utilizando equipamentos de alta qualidade. Uma
definição simples, prática e operacional, que permite apartar os que curtem apenas música, independente de aparelhos, e distinguir os que somente apreciam espetáculos ao vivo. Porque no DNA do audiófilo precisam coexistir dois genes, ambos
imprescindíveis: o amor pela música e a valorização dos equipamentos. É da
junção de ambos impulsos que eclode o hobista.
Agradecimento: Édison Christianini |
Em 1917, no meio da Primeira Grande Guerra, a maior
fabricante mundial de toca-discos, a Victor Talking Machine Company, comemorava o apogeu de sua produção anual: 573 mil
unidades. Existiam centenas de competidores, nos Estados Unidos e na Europa,
inclusive a Edison Phonographs, que apregoava possuir a melhor fidelidade à
música ao vivo; entretanto a Victor era hegemônica,
tanto na produção de discos, quanto de toca-discos. Com diversos ‘selos’
açambarcava o mercado fonográfico, e com a marca ‘victrola’ dominava o comércio
de aparelhos.
Rigorosamente,
‘victrola’ era o nome da patente que transferiu a corneta do toca-discos –
aquela trompa rococó em cima do prato – para o interior do gabinete. Transformado
o gramophone, de uma excentricidade mecânica, ou de um brinquedo infantil, num móvel
residencial; numa utilidade doméstica imensamente desejava. A ‘victrola’
possibilitou um ganho adicional, utilizava as portas (abertas ou fechadas) como
um engenhoso artificio para controlar o volume sonoro. Aparelhos primitivos não
tinham essa facilidade, a não ser abafando a corneta.
Porque, nunca é
demais lembrar, os toca-discos, até os anos 20, eram equipamentos
completamente acústicos, não utilizavam amplificação eletrônica. Os modelos
amplificados foram lançados por volta de 1920, e somente se tornaram populares
depois de 1925, com o previsível nome fantasia de ‘Electrola’. Exatamente
quando as vendas globais das ‘victrolas’ e similares começam a decair, sobrepujadas
pela Era do Rádio, que, a partir de 30, dominou os meios de comunicações em
massa. Mas isso é outra história, contada por Woody Allen.
No auge da Era das Vitrolas – entre 1910 e 1920 – um audiófilo podia escolher
entre uma centena de modelos de equipamentos disponíveis, com fantásticas
soluções técnicas e maravilhosas alternativas de movelaria. Os preços variavam de 15 a 900 dólares, ou até o infinito. Havia opções para os gostos mais apurados
e para os bolsos mais profundos.
Se fosse um audiófilo
iniciante, e com pouco dinheiro, podia comprar, nas melhores lojas americanas, por
US$ 15, uma Victrola IV, o produto de entrada, com corneta externa e mecânica
básica. Paralelamente, um aficionado pela qualidade sonora superior, por US$ 500,
podia adquirir uma Victor Auxetophone, com a corneta interna escamoteada, provida
de um sistema de ar comprimido, como motor, para turbinar o volume e aprimorar
a fidelidade da gravação. Por fim, aqueles mais abastados que desejassem escalar
o topo do hobby, podiam encomendar um item da série Victrola Period Models, por
meros US$ 900, com todas as tecnologias já embarcadas e com refinada movelaria
de estilo. A Victor também estava aberta para quaisquer sugestões de customizações
pessoais, entretanto cobrava por cada um dos incrementos. Entregava o som dos
anjos, conforme o sonho do freguês, mas elevava a conta até o céu.
Mesmo derrapando na
obviedade, vale a pena repetir o truísmo: ‘preço é um medidor relativo’.
Em 1915, a Victrola XVIII, um produto de ponta da Victor, era oferecida por US$ 300. No mesmo ano, o Ford
Model T Runabout era vendido por US$ 345. Hoje, o custo de um carro médio é R$ 120
mil; e um OPPO sai por volta de US$ 900. Sem alguma metodologia estruturado é quase
impossível definir, historicamente, o caro e o barato.
O site MesuringWorth (clique) tem como objetivo ajudar a corrigir valores
ao longo do tempo. Oferece vários modelos de cálculo, tais como: Real Value,
que usa uma cesta de serviços; o Income Value, relativo à renda ‘per capita’, e
o Labor Value, atrelado aos salários. Tomando como base as discussões e
o público dos fóruns de Audiofilia, talvez o melhor medidor seja o Labor Value,
utilizando como fator de correlação os salários da mão de obra especializada.
Curiosamente, a
aplicação deste critério de atualização produz valores que fazem enorme sentido,
de uma forma espantosa e esquisita. Por exemplo: se um audiófilo, em 1913,
quisesse comprar a Victrola VV – XX – Moorish Marquetry, um produto de ponta da
Victor Company, gastaria US$ 750. Este montante, corrigido para
2013, pela Labor Value, corresponde à US$ 122.000. Estranhamente muito semelhante
ao setup, também top de linha, orçado na tabela exibida acima.
Na outra ponta, o
preço de lista da Victrola IV, um dos produtos mais simples da Victor em 1913, era de US$ 15. Atualizando este valor,
também pela Labor Value, vamos obter US$ 2.290. Quantia mais do que suficiente
para comprar um OPPO e um excelente conjunto de caixas 2.1. Este setup simples,
funcionalmente, é equivalente ao produto popular do começo da Audiofilia.
O item de série mais
caro lançado pela Victor foi a Victrola Períod Models, em 1917, com preço de
lista de US$ 900, porém, somados os acréscimos de customização, não havia
limite. O concorrente mais próximo, da Edison Phonographs, também um períod
model – que devia ser o máximo de sofisticação naqueles tempos – custava US$
6.000 no catálogo, ou seja, US$ 678.000 depois de atualizado. Portanto preços
fabulosos e assombrosos afligiam a Audiofilia desde o principio.
Contudo, pelo menos
duas lições podem ser tiradas dessas similitudes que os valores apresentaram
depois de corrigidos: (a) A primeira é que os custos relativos da Audiofilia,
considerando o desembolso final, sempre foram os mesmos ao longo do tempo, seja
nos produtos de entrada, seja nos sistemas de ponta. (b) A segunda é que as
empresas, como ensinava o Professor Pedro Mandelli da Fundação Dom Cabral, são constituídas
para ganhar o máximo de dinheiro possível, portanto, ao menos as que
sobrevivem, conhecem muito bem seus clientes. Especialmente o apelo dos seus
produtos e o poder de compra do consumidor potencial; desse conhecimento tiram
tudo que podem.
Ford dizia que Edison
era um ótimo cientista e um negociante sofrível. Devia ser verdade. Em 1916 a Edison
Phonographs lançou uma nova linha de toca-discos, os ‘period models’, para
competir com a Victor. A série ‘The Art Models’, nos estilos inglês,
francês, Italiano e gótico, com preços finais variando de US$ 1.000 a 6.000. A
excrescência é que, na propaganda, Edison enfatizava que os players, mecânica e
acusticamente, eram os mesmos dos modelos de baixo custo. Garantindo que a inflação
dos preços era exclusivamente causada pelos gabinetes. Sem dúvida, esta
honestidade e ingenuidade simplória nunca apareceu nos anúncios da Victor, e são absolutamente impensáveis na publicidade moderna.
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O senhor Édison Christianini acha que este sistema que listou por 113.600 deve ter boa qualidade. Quem entende mesmo de alta fidelidade monta um sistema completo que toca muito melhor do que a sugestão do senhor Édison só com o que ele listou de valores em cabos(28.800). Dá para incluir neste valor até um toca-discos de vinil e pré de phono.
ResponderExcluirClaro que daria, bastaria comprar sistemas usados e trazê-los em viagens,isso sem pagar imposto.
ExcluirDaria para comprar mais caro também, portanto a questão do dinheiro pago ,neste sistema apontado, deve ser encarada de outra forma, menos agressiva, sem conter a crítica pessoal, pois passa a sensação de conflito. Deve-se buscar mais certeza sobre o mercado e os preços praticados, levando em conta as diferentes marcas, variados resultados e o gosto distintos entre os audiófilos.
O sistema listado é reconhecidamente audiófilo, no mundo todo, e por integrantes deste hobby no Brasil, portanto o EDCH acertou em oferecer o sistema como exemplo baseado em valores praticados aqui no Brasil.
Tutubarão
Tanto no ano em que a audiofilia nasceu quanto nos demais anos - e até hoje - gastos elevados em sistemas só são explicados pelo poder de posse de quem pode pagar. Não tem nada a ver com qualidade de áudio. Ou seja, não é o mais caro que toca melhor. Quem efetivamente entende de qualidade de áudio sabe que valores elevados de sistemas de áudio foram e ainda o são, pega-trouxas.
ResponderExcluirMuito obrigado pelos comentários. Pena que sendo anônimos(?) são impossíveis de responder.
ResponderExcluirNão são impossíveis de responder. Você mesmo, Douglas, os respondeu.
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