segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sete Quadros Quânticos - O GRITO

Douglas Bock


O berro estrondeou até a última das casas da rua modesta sem calçamento nem saída; tom de voz em registro barítono quase a alcançar o Dó-5; que chegou feito estampido aos meus ouvidos de jovem de 15 anos.

- Óóóbem!!!

[Chamo-me Holbein, tirado dos pintores alemães renascentistas Hans (pai e filho), nome que se pronuncia no Brasil de várias maneiras: no Rio de Janeiro diz-se Ôllbeim, fechando-se o Ó e encompridando o som do L; em São Paulo, Rólbem, com o H aspirado; em Santa Catarina, os alemães catarinenses pronunciam meu nome de forma correta: Olbáin.]

Ouço um segundo grito e tremo; reconheço a voz autoritária de meu pai a externar intensa raiva. Na ocasião eu jogava bilhar no bar da esquina, divertimento que meu pai proibira. E eu só fora para o bar depois de certificar-me de que ele tomara o bonde para o Centro da cidade; e já se passara quase uma hora. Pô, o que seria desta vez?

Subi os dez degraus da escada que dava para a água-furtada onde meu pai construíra sua alcova-totem: um cômodo separado e isolado do resto da casa. Assim que me viu, inquiriu, ríspido:

- Onde você esteve ontem à boquinha da noite? – Estive na casa do colega de classe, Paulo Airton – respondi tímido e titubeante. – Fui estudar com ele Matemática. Vamos ter prova amanhã.

- Paulo Airton, né? Você chama o “Curral das Éguas” (a antiga zona do baixo meretrício de Fortaleza) de casa do Paulo Airton?! Perguntou gritando, já possesso. E aí acertou-me um tapa na cara; aguentei firme. Eu já me considerava um homem, e aprendera no meu sertão do Vale do Jaguaribe com um ex-cabra de Lampião, que homem não chora, grita!

Foi a última e mais humilhante surra que sofri; meu pai bateu-me tanto que cansou; então agredi-lhe a moral, mordaz e vingativo: - Cansou, velho? E rápido desci os dez degraus da íngreme escada.

Pôxa vida! Eu já tinha 15 anos, pelos pubianos, testosterona até o gogó, prepúcio rompido pela prática diária da masturbação; e não fora ao “Curral” para trepar mas, em companhia de alguns colegas da rua, só para conhecer como era a “zona” da qual tanto ouvíamos falar pelos colegas mais velhos.

Então, por que a surra?

Sem poder evitar (a incontida força do inconsciente?) acode-me a tétrica imagem da horda primeva das tribos primitivas dos aborígenes australianos, mito escolhida por Sigmund Freud para seu livro “Totem e Tabu”; situação em que os filhos castigados matam o pai tirânico para pôr fim à horda patriarcal. Interpretam os psicanalistas: “... o fato de devorarem o pai fazia com que os filhos se identificassem com ele, e, assim, adquirissem parte de sua força.”

Pudera! Eu me constituíra o “queridinho” de minha mãe; era seu confidente, e seu factótum; pau para toda obra. Meu pai ao surrar-me quem sabe estivesse, sem o saber, a defender sua predominância sobre a fêmea da família... Minha visita à “zona” acendera-lhe a desconfiança... do fim da família patriarcal!



Os Outros Seis


Picasso
GUERNICA - 1937

Salvador Dali
A Persistência da Memória - 1931

Edward Munch
O Grito - 1910

Rene Magritte
O Filho do Homem - 1964

Frida Kahlo
A Coluna Partida - 1944

Gustav Klint
O Beijo (Amantes) - 1908

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