sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Passeando no Bosque dos Bispos

Para tomar um café no 'Giramundo' (Rua Marconi) ou 'Floresta' (Copan) o melhor caminho é cruzar o Bosque dos Bispos. Um capão com alamedas sombreadas que cobre a Praça Dom José Gaspar, entre a Biblioteca Mário de Andrade e a Galeria Metrópole. Existe uma história interessante sobre este local, uma lenda urbana ramificada em várias versões.

Enquanto trabalhava no Monumento às Bandeiras Victor Brecheret, nas horas vagas, esculpia seu famoso 'Fauno'. O Prefeito Prestes Maia viu o modelo em terracota e calculou que ficaria muito bem acomodado no parque que planejava construir nos fundos da Biblioteca Municipal. Queria atender o desejo do Arcebispo – Dom José Gaspar, que morreria num acidente de avião, em 1943, junto com Cásper Líbero – expresso na cessão do terreno, sugerindo que preservassem ás arvores, porque gostava de orar na sombra delas.

O 'Fauno' foi para o local escolhido, bem atrás do prédio da Biblioteca Municipal. Mas o povo achou que era um deus pagão e começou a receber prendas e velas votivas. Aquela devoção não agradou os paulistanos que começaram a resmungar: “Bem ali! No gazebo! Na sombra das árvores onde bispos e arcebispos oravam e liam seus breviários? Parece provocação!” 







A sociedade paulista começou a coaxar. Aqui os sendeiros da lenda se trifurcam, existem muitas versões. Porém, num site da Prefeitura, consta que, em 1947, Dona Matilde, esposa do Interventor Federal José Carlos de Macedo Soares, logo que soube das falatórios sugeriu levar o 'Fauno' para o Parque Siqueira Campos (o Trianon), defronte o futuro MASP. 

No espaço vago do bosque foi colocado um cruzeiro de granito, registrando que ali os Arcebispos meditavam e rezavam. Atualmente a praça também acolhe quatro pétreos poetas: Camões, Cervantes, Goethe e Dante.

O 'Fauno', que principiou a vida quase excomungado, hoje vive feliz e faceiro. Primeiro, porque seu próprio criador, Brecheret, escolheu o local ideal para acomoda-lo; segundo, porque passa os dias lançando olhares libidinosos para o cofrinho da Musa 'Aretusa'. (Veja mais >>> A MUSA ARETUZA E O FAUNO – UM NAMORO PERPÉTUO)

A ocupação urbana da região do Bosque dos Bispos tem uns 150 anos, mas a História já passeou muito por ali, tecendo e tramando a cultura paulista. Por exemplo, A ninfa 'Aretusa' – que o 'Fauno' até hoje namora – foi esculpida no Palácio Episcopal São Luís,  onde era o atelier do seu criador, Francisco Leopoldo e Silva, irmão do Arcebispo.

Também, foi na Galeria Metrópole, antes cheia de livrarias, que, em 1966, Plínio Marcos estreou sua peça ‘Dois Perdidos Numa Noite Suja’, marco da dramaturgia nacional, com apenas seis pessoas na plateia.

Do lado direito do Bosque dos Bispos o quarteirão entre as ruas Dr. Bráulio Gomes e Sete de Abril hoje é cortado por várias galerias comerciais, entretanto, em 1926, foi sede da Biblioteca Municipal na sua inauguração. Antes, havia sido a primeira das duas 'Casas de Dona Yayá'. Lá ela foi feliz, porque na outra, a do Bixiga, só sofreu. Era um hospício particular. (Veja mais >>> A OUTRA CASA DE DONA YAYÁ)

Do lado oposto, na Avenida São Luís, havia grandes mansões que viraram hotéis, galerias de arte e edifícios comerciais e residenciais. Era alí a entrada da romântica Vila Normandia, um oásis de tranquilidade, com arquitetura européia. A praça inteira vivia agitada, porque o MASP era perto, na rua Sete de Abril, prédio dos Diários Associados.

Ainda hoje, tentando preservar a tradição do lugar, o Paribar (célebre ponto do encontro intelectual dos anos 40/50/60) e outros, nas tardes de sábados ocupam a praça, então as mesas invadem o bosque.

Por acaso, aconteceu lá (na Biblioteca) o lançamento do meu primeiro livro de poesia, em 29/06/1979. (Veja mais >>> Sol na Garganta)

4 comentários:

  1. Permita-me dizer que houve um engano, onde hoje está o Edificio Galeria Metrópole era a casa da Rua de São Luiz, nr 4, pertencente a Frederico de Souza Queiroz. Lá NUNCA foi o Palácio Episcopal São Luís. O palácio dos bispos era aonde está o edifício da Biblioteca Municipal, anteriormente a casa da chácara do Barão de Souza Queiroz (Francisco Antonio de Souza Queiroz). Sei bem de tudo isso, minha mãe nasceu na Rua São Luiz, nr. 4, neta que era do dito Frederico de Souza Queiroz.

    ResponderExcluir
  2. Fiz várias pesquisas para escrever a crônica, mas infelizmente não encontrei mapas precisos mostrando claramente a localização dos edifícios antigos e atuais. Contudo reiteradamente afirmavam que o bosque da Praça Dom Jose Gaspar era o Jardim dos Bispos.
    Seus depoimento e valioso, tem o respaldo da memória da família. Vou aprofundar os exames da documentação e corrigir a crônica.
    Muito obrigado pelos comentários. Se tiver alguma dica de fontes para estudos agradeceria muito.

    ResponderExcluir
  3. Eu só tenho a agradecer pela sua crônica e pela intervenção da pessoa que provocou luz sobre a sua pesquisa. Freqüentei bastante a biblioteca de 1963-1965. Isto tudo me enleva a alma. Grato a vocês.

    ResponderExcluir
  4. Carlos, Acho que nos tempos pre internéticos as bibliotecas eram muito mais frequentadas. Hoje existem a Estante virtual, a Amazon e os gadgets que nos afastam delas.
    A Biblioteca Mario de Andrade atualmente fica aberta 24 horas por dia. É possível numa noite de insônia levantar e ir para lá às três horas da madrugada.

    ResponderExcluir