quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Uma Utopia Paulistana – Av. 9 de Julho


Gosto de caminhar por S. Paulo ouvindo música, o perigo é que algumas rotas, de repente, nos transportam para outra cidade, ou para outro espaço-tempo.

O pessoal da ‘Psicogeografia’, da ‘Teoria da Deriva’ – um movimento artístico da década de 60, considerado a última vanguarda – acredita que cada pessoa (ou  grupo) habita uma urbe diferente, com um cenário geográfico mental peculiar e alterado. Para eles a S.Paulo que juramos conhecer é formada por incontáveis planos psico-afetivos superpostos, porém geograficamente coincidentes. Quando seguimos um mapa, cada um de nós faz um percurso mental diverso, com diferentes sensações e lembranças.

Por isso enquanto caminho por aí pratico Psicogeografia. Por exemplo, a Avenida Nove de Julho – o trecho Túnel / Praça da Bandeira – certamente foi concebida por outra civilização. Nos anos 40/60 um povo estranho, um pessoal legal, confiante, com um governo mais cidadão, numa utopia coletiva, se propôs construir uma avenida de fundo de vale enfatizando a elegância, Art Decô e Modernismo.


Provas disso são as luxuosas entradas/saídas do túnel que somadas aquele conjunto de três viadutos (Nove de Julho, Major Quedinho e Martinho Prado) com desenhos inusitados e cercados de vastas e numerosas escadarias torna este espaço único, esteticamente mágico e descolado do resto da cidade.


Certamente existem outros lugares semelhantes espalhados pela 'paulicéia - que se pretendia refinada - sonhando capturar uma magia fugidia. Alguns trechos próximos ao Parque Pedro II, o estádio do Pacaembu e o Mercadão. Todos rimam com esta estética, porém o epicentro é sem dúvida a Avenida Nove de Julho.


Flanando pela Nove de Julho é possível se transportar para um tempo comandando pela Art Decô em transição para o Modernismo. Os  belíssimos extremos do túnel; a Sinagoga da Avanhandava que virou museu; o arruinado e invadido Edifício INSS-Iapetc; a escadaria da Rua Caio Prado; o Prédio Maria Isabel no viaduto Major Quedinho (apontado numa tese da USP como exemplo da fusão Art Decô / Modernismo); o Edifício Viaduto e o Ladeira da Memória, entre outros que minha memória infiel agora me sonega.

Pena que a realidade não é romântica. Permitiu que os viadutos da ligação leste-oeste e o elevado da Praça 14 Bis invadissem este paraíso utópico.


Como é impossível reencontrar este paraíso perdido, escrevi um conto de História Alternativa em que o viés Art Decô/Modernista prevaleceu no tempo. Um conto chamado Hel 2 – A Ginoide Sampaulista’, publicado no meu último livro 'Contos do Tempo Emaranhado'.  Nele o Morro dos Ingleses é a região mais chic da cidade, cheia de galerias de arte, e a Avenida Nove de Julho o eixo refinado de S. Paulo.




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