Gosto de caminhar por S. Paulo ouvindo
música, o perigo é que algumas rotas, de repente, nos transportam para outra cidade, ou para outro espaço-tempo.
O pessoal da ‘Psicogeografia’, da
‘Teoria da Deriva’ – um movimento artístico da década de 60, considerado a última
vanguarda – acredita que cada pessoa (ou grupo) habita uma urbe diferente, com
um cenário geográfico mental peculiar e alterado. Para eles a S.Paulo que juramos conhecer é formada
por incontáveis planos psico-afetivos superpostos, porém geograficamente coincidentes.
Quando seguimos um mapa, cada um de nós faz um percurso mental diverso, com diferentes sensações e lembranças.
Por isso enquanto caminho por aí pratico Psicogeografia. Por exemplo, a Avenida Nove de Julho – o trecho Túnel / Praça da Bandeira – certamente foi concebida por outra civilização. Nos anos 40/60 um povo estranho, um pessoal legal, confiante, com um governo mais cidadão, numa utopia coletiva, se propôs construir uma avenida de fundo de vale enfatizando a elegância, Art Decô e Modernismo.
Provas disso são as luxuosas entradas/saídas do túnel que somadas aquele conjunto de três viadutos (Nove de Julho, Major Quedinho e Martinho Prado) com desenhos inusitados e cercados de vastas e numerosas escadarias torna este espaço único, esteticamente mágico e descolado do resto da cidade.
Certamente existem outros lugares semelhantes espalhados pela 'paulicéia - que se pretendia refinada - sonhando capturar uma magia fugidia.
Alguns trechos próximos ao Parque Pedro II, o estádio do Pacaembu e o Mercadão. Todos rimam com esta estética, porém o epicentro é sem dúvida a Avenida Nove de
Julho.
Flanando pela Nove de Julho é
possível se transportar para um tempo comandando pela Art Decô em transição
para o Modernismo. Os belíssimos extremos do túnel; a Sinagoga da Avanhandava que virou museu;
o arruinado e invadido Edifício INSS-Iapetc; a escadaria da Rua Caio Prado; o
Prédio Maria Isabel no viaduto Major Quedinho (apontado numa tese da USP como
exemplo da fusão Art Decô / Modernismo); o Edifício Viaduto e o Ladeira da
Memória, entre outros que minha memória infiel agora me sonega.
Pena que a realidade não é romântica. Permitiu que os viadutos da ligação leste-oeste e o elevado da Praça 14 Bis invadissem este paraíso utópico.
Como é impossível reencontrar este paraíso perdido, escrevi um conto de História Alternativa em que o viés Art Decô/Modernista prevaleceu no tempo. Um conto chamado ‘Hel 2 – A Ginoide Sampaulista’, publicado no meu último livro 'Contos do Tempo Emaranhado'. Nele o Morro dos Ingleses é a região mais chic da cidade, cheia de galerias de arte, e a Avenida Nove de Julho o eixo refinado de S. Paulo.
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