segunda-feira, 29 de abril de 2013

MARDI MUSICAL - 3345 ENCONTROS PARA OUVIR MÚSICA


                              
O foco deste artigo é um pessoal fantástico, o Mardi Musical, um grupo carioca que – em mais de 70 anos, em encontros semanais  já passou das 3350 reuniões para ouvir música. A maioria das vezes com equipamento de som, porém com muitas apresentações ao vivo de artistas que viraram estrelas. Uma historia mágica nascida do amor, da amizade e do companheirismo.

O principio de tudo foi o carinho de duas esposas por seus maridos; o motivo, o amor dos maridos pela música; e a magia, a amizade contagiante de um grupo de pessoas. 

Mary (Maria Alzira) Pucheu e Maria Luiza Siffert eram grandes amigas e bem casadas, mas havia um inconveniente, seus maridos, o engenheiro Alberto Pucheu e o médico Geraldo Siffert, não se frequentavam. As duas xarás resolveram aproximá-los e acabaram encontrando um bom motivo para reuni-los: ambos gostavam de ouvir música e possuíam boas coleções de discos. Juntas promoveram um sarau musical na casa de Mary e Alberto, marcado para o dia primeiro de agosto de 1944, uma terça feira. Além dos principais convidados, Maria Luiza e Geraldo, alguns outros amigos e parentes foram convocados.


Quando uma boa ideia aparece, na hora certa, é irresistível. Os saraus de Mary e Malu foram um sucesso, uma rede de conhecidos aderiu e o grupo expandido decidiu realizar audições musicais regulares todas as terças-feiras. Com o tempo, e a multiplicação de interesses, foi impossível preservar os encontros nas terças, mas foi mantida a periodicidade semanal, O data passou a depender da conveniência da maioria, contudo, nessa altura, o nome Mardi Musical já estava consolidado.

Bela escolha, Mardi Musical repete as letras inicias, naquele tempo um truque eficaz de publicidade (Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Greta Garbo...). Também, ‘mardi’ é terça-feira em francês – em 44 ainda éramos mais franceses do que anglo-americanos – e remete a ‘Mardi gras’, o Carnaval, o espirito lúdico oculto dentro de todo carioca.

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O Guinness Book of World Records ainda não sabe, mas o encontro permaneceu semanal e ininterrupto por 64 anos, de 1944 até 2008, depois se tornou quinzenal. Já teve um máximo de 40 membros, e mantém uma média de 17 associados. Entre os membros ativos existem octogenários, nonagenários e centenários. O decano tem mais de 102 anos e continua participante ativo.

Para funcionar por tanto tempo a agremiação, paulatinamente, instituiu uma série de protocolos:

a) As reuniões acontecem, em rodízio na casa dos membros candidatos.

b) O anfitrião deve providenciar uma ‘bula’ (um dos fundadores era médico), contendo o programa da audição enriquecido com informações sobre as peças escolhidas: histórico das apresentações; casos pitorescos relacionados à obra; importância artística ou política da composição; enfim, tudo que achar pertinente.


c) A audição musical deve durar em torno de uma hora, depois, quem recebe, oferece uma ceia com salgados, doces e bebidas. De praxe a confraternização se estende até a primeira hora da madrugada.

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Igual ao Mardi Musical já houve outro grupo organizado que também se reunia semanalmente no Rio, aos sábados, na casa do bibliófilo Plínio Doyle, chamava-se  'Sabadoyle'. Congregava importantes escritores e intelectuais brasileiros e durou de 1964 a 1998. Talvez tenha sido mais importante, porém não foi o mais carinhoso, nem o mais variado e nem o mais duradouro. Porque os mardistas se organizaram antes e continuam se visitando até hoje. Como ponto em comum, ambos os grêmios mantiveram criteriosas atas de suas atividades.

O livro de atas dos mardistas se chama ‘Alfarrábio’, é continuamente atualizado e registra todos os acontecimentos relevantes do grupo: o estatuto, a relação das obras ouvidas, datas e peculiaridades de cada encontro, nome dos participantes. Deve ser interessantíssimo observar as caligrafias e os estilos dos ‘ateiros’; as mudanças ocorridas ao longo do tempo. Entender, pela escolha das peças, o gosto médio dos mardistas, coisas assim. É quase um documento histórico e sociológico.


Pela introdução do ‘Alfarrábio’, pelas intenções no registro de fundação, podemos sentir um pouco do calor e companheirismo que impulsionava os primeiros participantes: 
"O Mardi Musical é uma agremiação fundada em 1 de agosto de 1944 com a finalidade de difundir a cultura musical num ambiente de íntima e simpática cordialidade mediante a realização, uma vez por semana, de concertos de música em gravação ou, eventualmente, ‘ao vivo’."
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Ao longo do 'tri-milenário' exercício semanal de escutar música os mardistas passaram por todo tipo de fontes: vitrolas, toca-discos, cdplayers, computadores (media-servers) e transmissões ‘streamer’ via Internet. Curtiram também as mais diversas mídias: 78 rpm, LP,  CD e música em arquivos digitais. Inclusive, e por diversas vezes, praticaram o Mardi Vivo. Isto é, usufruíram da melhor das mídias – a não mídia, récitas com artistas presentes.

Já encantaram os mardistas os pianistas Nelson Freire (ainda de calças curtas), Arnaldo Estrela, João Carlos Martins e Artur Moreira Lima; os violonistas Irmãos Assad e Turíbio Santos; a violista de gamba Myrna Herzog; o alaudista e teorbista Bruno Correia; o quarteto de música antiga Quadro Cervantes, e muitos outros músicos. Não é pouco, não é fácil e não é banal, alguns dos principais virtuoses da Música Clássica brasileira cruzaram a história da agremiação.

Os mardistas são tolerantes e complacentes, para ouvir música aceitam e tiram proveito de qualquer meio: estéreo, multicanal e vídeo – em película, VHS, DVD, Blu-Ray e Internet. Na verdade, quanto mais velho o integrante, mas aberto está à diversidade de acervo e equipamentos.

O Mardi Musical têm mais de 70 anos, encontra-se naquela intrigante fase descrita, de forma brilhante, por Shirley MacLaine: "com o passar do tempo percebemos que o passado se alonga e futuro se encurta. Devemos aprender a tirar do tempo que resta a maior felicidade possível, e o passado está cheio de preciosas lições de como chegar ao prazer." 

Por isso é fácil ser cada vez mais tolerante. Em outras palavras, para curtir música, os mardistas aceitam qualquer equipamento: setups hiend milionários; Marantz vintages (utilizados décadas seguidas pelo mesmo proprietário); ‘3 em 1’ comprados nos magazines populares; ou televisores HD de cem polegadas.

Entretanto o Mardi Musical, de acordo com seu estatuto, pretende ser eterno, portanto, talvez o que a Shirley MacLaine disse não faça muito sentido para esses felizardos: 
Artigo 1º

 O Mardi Musical é uma agremiação fundada na primeira metade do Século XX (em 1º de agosto de 1944). A duração do Mardi Musical deverá ser eterna, para isto modificando-se, tantas vezes quanto necessárias, este Estatuto e adaptando-o às diversas alterações das condições sócio-econômicas-culturais da sociedade em geral, alterações estas que forçosamente acontecerão nos milênios vindouros. A finalidade do Mardi Musical é a de difundir a cultura musical num ambiente de simpática cordialidade, mediante a realização de concertos de música em gravação durante todo o ano. Estes concertos realizar-se-ão a intervalos que permitam a cada um de seus integrantes, realizar concertos duas vezes ao ano; situação presente no momento da confecção desta modificação estatutária, quando 12 (doze) integrantes da agremiação estão aptos a realizar os concertos com intervalos de 15 (quinze) dias. Os concertos quinzenais poderão sofrer aumento deste intervalo, seja no caso da diminuição no número de integrantes, seja no caso de outras condições adversas, tais como: excessivo aquecimento global, nova era do gelo, guerras, terrorismo, revoluções, etc. No entanto, é dever dos integrantes do Mardi Musical, lutar com todas as suas forças pela manutenção do intervalo quinzenal dos concertos, seja pela busca insistente de novos membros, no caso de falta de um ou mais membros, seja pelo voluntariado de algum ou alguns dos integrantes no sentido de oferecer mais que dois concertos anuais seja superando por quaisquer outros meios as dificuldades que se levantarem contra a realização dos concertos. Fique bem claro neste momento que não há nenhum impedimento, pelo contrário, em que os integrantes do Mardi Musical, além de seus dois concertos anuais, ofereçam espontaneamente e de livre vontade, concertos adicionais que serão recebidos com carinho pelos integrantes.
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Quem se interessar pelo grupo e quiser melhores e mais precisas informações sobre os mardistas, deve visitar o site do grupo, www.mardimusical.com.br, mantido pela Andrea Cruz, esposa do Silvio Pereira (da Audiopax).


Aproveito para agradecer aos dois mardistas que, simpática e prodigamente, me forneceram todos os dados necessários para a elaboração desse artigo.

Participei do Aniversário de 70 anos do Mardi Musical, quem em conhecer melhor este grupo (+ fotos, + históriso) Clique aqui >>> 

MARDI MUSICAL - 3351 AUDIÇÕES - 20.000 MÚSICAS


Douglas Bock ( ZpinoZ ou Z, nos Fóruns de Audiofilia )

4 comentários:

  1. Taí um grupo que eu gostaria de fazer parte.

    Marco Antonio

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  2. Incrivel e emocionante...

    "A companhia melhora muito a Audiofilia"

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  3. Para curtir a companhia, em agosto de 2013, visitei o Rio para participar do primeiro encontro dos 70 anos.

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